O espetáculo do plenário: quando o caos é estratégia

Registro da Câmara dos Deputados em Brasília-DF, feito em 06/08/2025. (Foto: Bruno Spada/Fotos Públicas – Disponível em https://www.fotospublicas.com)

No dia 05/08, o cenário político brasileiro ganha um ar teatral com o ato de um grupo de parlamentares que, em silêncio e com um esparadrapo branco na boca, ocuparam a Mesa Diretora da Câmara. Os senadores e deputados envolvidos protestavam contra a prisão do ex – presidente Jair Messias Bolsonaro. Exigiam, também, anistia aos envolvidos no ato terrorista de 8 de janeiro, o fim do foro privilegiado e o impeachment do Ministro Alexandre de Moraes.

Nesse protesto, nada é por acaso. A ocupação silenciosa e o esparadrapo fazem parte de uma performance. Concebida para viralizar nas redes sociais, é um exemplo da espetacularização da política brasileira. O ato não é feito para tentar convencer pela argumentação, mas para ser consumido rapidamente, principalmente por quem já concorda com aquela posição, servindo como propaganda e reforço de identidade. Esse tipo de ação performática, que é dramatizada, simbólica e midiática, transforma o plenário em um palanque e reduz o que seria um espaço democrático à cena de um espetáculo político.

Líderes populistas (que seriam os próprios engenheiros do caos, segundo expressão de Giuliano Da Empoli) constroem narrativas simplistas, mas que são emocionalmente carregadas e trazem consigo um simbolismo impactante, que domina o espaço público. O populismo, nesse caso, não busca representar os interesses dos seus eleitores, mas sim os seus próprios. Ele se alimenta do conflito, do caos, da polarização e da criação de inimigos, sejam eles reais ou imaginários.

O protesto com esparadrapo é simbólico, porque coloca os parlamentares como “vítimas” de um sistema supostamente autoritário, dramatiza uma suposta censura e mobiliza ressentimentos antigos dos seus apoiadores. Não importa que o gesto, em si, não produza avanços significativos na política, porque o seu valor está no impacto visual causado e no potencial engajamento e repercussão nas redes sociais.

O “engenheiro do caos” sabe que, em tempos de saturação informacional, não vence quem apresenta o argumento mais consistente, mas quem produz a imagem mais forte, a frase mais compartilhável, o inimigo mais fácil de odiar. Nesse tabuleiro, o plenário do Congresso não é apenas uma arena de deliberação, mas um cenário. E a política se converte em um produto midiático contínuo, em que cada gesto precisa ser traduzido em cliques, curtidas e compartilhamentos.

Dessa forma, o episódio recente no Congresso reúne três características marcantes do populismo atual: trocar o debate por histórias simplificadas, usar símbolos e gestos chamativos para mobilizar apoiadores e colocar interesses pessoais ou de partido acima do bem comum. Quando uma pesquisa do Datafolha aponta que 78% da população vê seus representantes como defensores apenas de suas próprias causas, protestos encenados como o do esparadrapo deixam de parecer uma resistência legítima e passam a ser enxergados como parte do espetáculo político. Espetáculo esse que, em vez de aproximar cidadãos e instituições, aumenta ainda mais a distância entre eles.

Para saber mais:

CANIATO, Bruno. Datafolha: para 78% dos brasileiros, Congresso age em interesse próprio. Veja, revista Maquiavel, 5 ago. 2025.

EMPOLI, Giuliano da. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020.

Maria Livia Silva Fernandes é acadêmica do 6º período do curso de Ciências Sociais (Licenciatura) da UNIFAL-MG. Integrante do projeto de estudos sobre Extrema Direita no Brasil, coordenado pelo professor Thiago Antônio de Oliveira Sá, nas horas vagas, gosta de fotografar o mundo à sua volta.

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