Avaliação dos serviços na Atenção Primária à Saúde local registra baixa qualidade durante a pandemia da COVID-19

Pesquisa da UNIFAL-MG analisou o ponto de vista de indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 durante os primeiros seis meses da pandemia

Atualizado em 27 de setembro de 2024 às 09:32

Foto ilustrativa. (Reprodução/Canva Education)

A pandemia de COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, não apenas gerou a necessidade de estruturar a atenção especializada no Brasil, mas também a de reorganizar os demais níveis de atenção à saúde, com destaque para a Atenção Primária à Saúde (APS). Na busca por avaliar a qualidade da APS conforme o ponto de vista de indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2, os pesquisadores Murilo César do Nascimento, Simone Albino da Silva e Namie Okino Sawada, professores da Escola de Enfermagem da UNIFAL-MG, desenvolveram a pesquisa denominada “Qualidade da Atenção Primária à Saúde na pandemia de COVID-19: avaliação por usuários acometidos pela doença”. 

O estudo, publicado no periódico O Mundo da Saúde em 2023, contou com a parceria dos pesquisadores Anne Andrade Matiazi de Oliveira, Heriederson Sávio Dias Moura, Juliana Soares Tenório de Araújo, Felipe Mendes Delpino, Debora de Almeida Soares, Inês Santos Estevinho Fronteira e Ricardo Alexandre Arcêncio, como parte do projeto de pesquisa intitulado “Seguimento dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19 em Minas Gerais: Estudo Longitudinal”, o qual está vinculado à Escola de Enfermagem e ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da  UNIFAL-MG. O objetivo do trabalho foi avaliar a qualidade da APS segundo a perspectiva de pessoas acometidas pela COVID-19. 

De acordo com o docente Murilo Nascimento, a Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha um papel de extrema relevância para a saúde da população brasileira. “A Atenção Primária à Saúde é o primeiro nível de contato das pessoas com o sistema de saúde. Ela oferece cuidados essenciais e abrangentes, incluindo prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, além da promoção da saúde”, explica.

O professor esclarece que a APS funciona de maneira contínua e integrada, garantindo que a população tenha acesso a serviços de saúde de forma próxima e acessível. “Os profissionais da APS, como médicos, enfermeiros e agentes comunitários, acompanham os pacientes ao longo do tempo, cuidando não apenas de doenças específicas, mas da saúde como um todo, com um enfoque na comunidade e na família. Esse tipo de atenção é fundamental para manter a saúde da população, evitar complicações e reduzir a necessidade de internações hospitalares”, afirma o pesquisador. 

Os autores evidenciaram que, em comparação com pesquisas anteriores, disponíveis na literatura científica acerca do município de interesse, a qualidade baixa da APS local nunca havia sido registrada anteriormente à pandemia de COVID-19. 

Fragilidades na qualidade da Atenção Primária à Saúde

Como resultado da avaliação da APS local, os pesquisadores obtiveram um Escore Geral de 4,4, em um intervalo de 0 a 10, com um desvio padrão de 1,9. O “Escore Geral” é uma medida que resume o desempenho ou a qualidade de um determinado serviço em uma escala numérica. Um escore mais baixo indica que a qualidade dos serviços prestados está abaixo do esperado.

O valor 4,4 é um valor baixo e inédito, se comparado com achados científicos anteriores, e indica a fragilidade da qualidade da APS nos primeiros seis meses da pandemia de COVID-19 em 2020. Para os pesquisadores, trata-se de um reflexo do impacto gerado pela doença e das estratégias adotadas para o enfrentamento da pandemia pelo SARS-CoV-2 local, nacional e mundialmente. 

Desenvolvida com base nos casos de COVID-19 confirmados durante a pandemia pelo novo coronavírus em um município brasileiro do sul de Minas Gerais, a pesquisa contou com  91 participantes, sendo 56% do sexo feminino e 44% do sexo masculino; a média de idade foi de 60 anos, a renda familiar média foi de R$ 2.174,40 e a escolaridade média, de 6,8 anos. 

A análise dos pesquisadores considerou apenas casos de COVID-19 confirmados laboratorialmente, em indivíduos com 20 anos ou mais, residentes no município de Alfenas-MG, em domicílio próprio, e com desfecho clínico de cura. De uma população inicial de 1.923 casos confirmados de infecção por SARS-CoV-2, notificados entre 15 de março e 26 de outubro de 2020 ao Setor de Vigilância Epidemiológica do município, 1.566 registros atenderam aos critérios de elegibilidade e foram incluídos no estudo. Desses, 428 casos confirmados de COVID-19 foram selecionados para entrevistas. No entanto, 211 participantes foram excluídos devido a perdas, recusas ou outras razões. Assim, da amostra final de 217 pessoas, 91 referiram estar vinculadas a serviços da APS, compondo o grupo efetivo do estudo transversal.

Para a coleta de dados, os pesquisadores utilizaram um questionário eletrônico, o qual continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), um instrumento de elaboração própria com características sociodemográficas e clínicas, e o Instrumento PCATool-Brasil para pacientes adultos em sua versão reduzida, que se destina à avaliação da existência e da extensão dos atributos da APS na prática dos serviços de saúde. 

A coleta de dados ocorreu no período entre 11 de janeiro e 05 de outubro de 2021, mediante visitas domiciliares e contatos telefônicos. Os dados coletados por meio das entrevistas presenciais e remotas foram, automaticamente, transferidos dos questionários eletrônicos para a plataforma do KoBoToolbox, na qual foram armazenados.

A partir das respostas fornecidas pelos participantes ao questionário eletrônico, a população de estudo foi caracterizada conforme aspectos sociodemográficos e fatores relacionados aos atributos da APS. Para o cálculo do Escore Geral da APS, que é obtido pela média das respostas de todos os itens do Instrumento PCATool-Brasil (adultos), foi utilizada estatística descritiva. 

Contribuições para gestores, profissionais de saúde e outros pesquisadores

Segundo o professor Murilo Nascimento, o estudo pode trazer contribuições para a população em geral, gestores, profissionais de saúde e outros pesquisadores. “A pesquisa apresentada no artigo pode impactar a vida das pessoas ao identificar e destacar fragilidades na qualidade da Atenção Primária à Saúde durante a pandemia de COVID-19”, afirma.

Murilo Nascimento – professor e pesquisador da Escola de Enfermagem, um dos autores da pesquisa. (Foto: Arquivo Pessoal)

O pesquisador explica que, ao avaliar como as pessoas que tiveram COVID-19 percebem a qualidade dos serviços primários de saúde, os resultados mostram aspectos que necessitam de melhorias, como o acesso, a continuidade e a coordenação dos cuidados. “Essas informações são importantes para gestores e profissionais da saúde, que podem usar esses dados para reformular e fortalecer a APS, garantindo que ela esteja melhor preparada para futuras emergências e para oferecer um cuidado mais eficaz e acessível”, destaca.

Para outros pesquisadores, essa pesquisa oferece um retrato epidemiológico com dados e evidências sobre os impactos da pandemia nos serviços de saúde, conforme aponta Murilo Nascimento.  “A pesquisa pode inspirar novas investigações que explorem intervenções eficazes para fortalecer a APS, além de servir como referência para estudos comparativos em diferentes regiões ou países. A continuidade de avaliações sistemáticas da APS, como sugerido pelo artigo, também ajuda a monitorar a evolução da qualidade do atendimento, promovendo um sistema de saúde mais eficiente e centrado nas necessidades da população”, conclui.

Para informações adicionais, leia o artigo completo disponível neste link.  

Vitoria Gabriele Souza Geraldine é acadêmica do curso de Medicina da UNIFAL-MG e bolsista do projeto +Ciência, cuja proposta é fomentar a cultura institucional de divulgação científica e tecnológica. A iniciativa conta com o apoio da FAPEMIG por meio do Programa Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia para desenvolvimento.

*Texto elaborado sob supervisão e orientação de Ana Carolina Araújo

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