Introdução
Os remédios constitucionais, também conhecidos como ações ou garantias constitucionais, são, em essência, medidas jurídicas especiais, constitucionalmente previstas, para o amparo de direitos fundamentais contra ilegalidades ou abuso de poder (quer na forma de excesso de poder, quer na forma de desvio de finalidade).
Pode-se dizer que há seis remédios constitucionais de natureza judicial, a saber, habeas corpus (inc. LXVIII do art. 5º da CF/88, voltado à defesa do direito à liberdade ambulatorial), habeas data (inc. LXXII do art. 5º da CF/88, destinado à defesa do direito de ter acesso, retificar ou complementar informações pessoais constantes de bancos de dados públicos), mandado de segurança (incs. LXIX e LXX do art. 5º da CF/88, para a defesa de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data), mandado de injunção (inc. LXXI do art. 5º da CF/88, manejável quando da inviabilidade do exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas decorrente da falta de norma regulamentadora), ação popular (inc. LXXIII do art. 5º da CF/88, para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural) e ação civil pública (inc. III do artigo 129 da CF/88, que tem por propósito a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos); e três de natureza administrativa, sejam eles, direito de petição, direito de certidão e direito de acesso à informação (a despeito de certa controvérsia doutrinária acerca deste último).
Desta feita, haveremos de tratar dos aspectos mais relevantes, do ponto de vista constitucional, dos três remédios constitucionais de caráter administrativo.
Direito de petição
O direito de petição está previsto na alínea a do inc. XXXIV do art. 5º da CF/88. Veja-se: “[…] são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder […]”.
Como se nota, uma vez necessário, qualquer pessoa – leia-se: pessoa física, jurídica, nata, naturalizada ou estrangeira – pode manejar o direito de petição, independentemente da assistência de advogado, defensor público ou procurador.
Além disso, trata-se de um remédio gratuito. Por conseguinte, a pessoa não paga qualquer taxa para poder manejar o direito de petição. Aliás, esta é uma característica comum aos três remédios constitucionais de natureza administrativa: todos são gratuitos, a Administração Pública não podendo cobrar pelo seu exercício.
Mas o direito de petição é exercido junto a quem? Como indicado no dispositivo constitucional supracitado, o direito de petição se exerce junto aos Poderes Públicos, mais especificamente junto a todos os órgãos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, que desempenham, no plano da administração direta ou indireta, atividades administrativas.
Na petição, faz-se mister a indicação do seu objeto, que deverá ser a defesa de direitos, preferencialmente de natureza fundamental, ou o rechaço de ilegalidade(s) ou abuso(s) de poder, bem como a qualificação minimamente satisfatória do(a) peticionante, esta exigência, diga-se de passagem, sendo algo óbvia e subentendível, não constando expressamente do texto constitucional.
Uma vez levada a petição (física ou digital) até a Administração Pública, esta é obrigada a recebê-la, examiná-la e respondê-la (donde a necessidade da qualificação, sob pena de não se saber a quem responder), o que não significa que a Administração haverá de concordar com o(a) peticionante.
A título de exemplo do remédio sob análise, imagine a situação do cidadão que teve a placa do seu automóvel clonada. E que, multado, tem a oportunidade de demonstrar, em sede de recurso administrativo – o qual nada mais é que um caso de exercício do direito de petição –, que o automóvel flagrado não poderia ser o seu, já que este tem a cor x e aquele a cor y.
Outro exemplo do dia a dia é a possibilidade de questionamento, pelas vias administrativas, dos valores cobrados pelo Fisco à guisa de tributo, assente que o questionamento em causa também é um caso de exercício do direito de petição.
Por fim, ainda se pode indicar como exemplo corriqueiro o boletim de ocorrência, pois, este, no mais das vezes, é senão um instrumento de registro do pedido de que o Estado investigue determinada situação tida como crime.
(Direito de petição é um direito abstrato. Sua configuração e nome dependendo do caso.)
Direito de certidão
Encontra-se previsto na alínea b do inc. XXXIV do art. 5º da CF/88, nos seguintes moldes: “[…] são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: […] b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.
De início, tenha-se em mente que certidão não passa de um documento, um “papel”, dotado da capacidade de atestar determinada situação.
O direito à certidão também é um direito gratuito e também pode ser exercido por qualquer pessoa. Contudo, atente-se: a certidão em questão diz respeito à própria pessoa, não à terceiros.
Na prática, a certidão é normalmente utilizada para auxiliar na comprovação de alguma informação, em face da Administração Pública, no contexto da defesa de direitos ou esclarecimento de situações pessoais.
Como exemplo, pensemos na certidão negativa de débitos, indicativa da ausência de débitos para com o Estado; ou nas certidões indicativas de antecedentes trabalhistas, criminais ou civis; ou, ainda, nas certidões processuais em grau de comprovar alguma prescrição ou algo do tipo.
Direito de acesso à informação
A base constitucional é o inciso XXXIII do art 5º da CF/88, segundo o qual “[…] todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
A lei brasileira que regulamenta o direito de acesso à informação é a 12.527/2011, também conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI).
Porém, enquanto remédio constitucional, o que vale destacar do direito sob exame é o seguinte:
- a) no Brasil, todas as pessoas têm direito de acesso à informação (ou, se se quiser falar de forma mais técnica, a legitimidade para o exercício do direito de acesso à informação, tal como a legitimidade para o exercício dos direitos anteriores, é universal);
- b) como corolário do fato de todas as pessoas terem direito de receber dos órgãos públicos o acesso à informação, estes têm o dever de satisfazer este direito, isto é, de fornecer a informação;
- c) via de regra, a informação em questão é ou informação de ordem pessoal, privada (e não informação alheia ou sobre terceiros), ou informação pública de interesse coletivo (quando se consegue mensurar os interessados) ou geral (quando o número de interessados é indeterminável);
- d) segundo a lei 12.527/2011, o prazo que a Administração tem para prestar a informação é de vinte (20) dias corridos, podendo ser prorrogável, justificadamente, por mais dez (10) dias;
- e) o cerceamento do direito de acesso à informação pode ensejar responsabilização, inclusive, a depender do caso, em outras esferas além da administrativa; e
- f) excepcionalmente, o direito em tela poderá ser relativizado em se tratando de informação sigilosa, no sentido de que imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Conclusão
E no caso de embaraço, ou mesmo de negação, do direito de petição, tal como acontece, para ficar no cotidiano, em não poucas delegacias com a obstaculização da realização do boletim de ocorrência (na forma das evasivas ou intimidações de praxe, tais como “não é nesta delegacia não”, “isto não é crime não”, “cuidado, isso pode ser enquadrado como calúnia ou difamação” etc.) ou nesta ou naquela repartição pública que até recebe o pedido, mas não responde? E se o direito de certidão não for concedido? E se o acesso à informação for impedido?
Além da possibilidade de se registrar uma reclamação contra o agente na corregedoria, ou algo que o valha, e ele então poder ser responsabilizado na esfera administrativa – sem prejuízo, aliás, de eventual processo e responsabilização, outrossim, nas esferas cível e/ou criminal –, o(a) interessado(a) poderá lançar mão de algum dos remédios constitucionais judiciais, como, por exemplo, o mandado de segurança na hipótese de cerceamento do exercício do direito de petição, do direito de obtenção de certidão ou do direito de acesso à informação pública, ou o habeas data na hipótese de recusa do direito de acesso à informação pessoal, ou a ação popular na hipótese de se querer discutir os critérios utilizados para a determinação de uma informação como sigilosa.
Referência
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
Waldir Severiano de Medeiros Júnior é pós-doutorando em Direito e Justiça (FDUFMG). Mestre e Doutor em Direito e Justiça (FDUFMG). Professor colaborador de Direito no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG. Consultor Jurídico (OAB-MG 216.370). Temas de interesse: Direito, Filosofia, Política e Administração Pública.
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