A escrita de José Tomás Labarthe põe em tensão as dificuldades do viver no universo cotidiano. Com uma lapiseira que denota a luta da passagem do tempo no ser humano e as obrigações sociais às quais estamos tacitamente submetidos, testemunhamos com Labarthe uma poética que é um grito urgente diante dos impulsos autômatos da época contemporânea.
A casa, a família, onde reside a identidade pessoal? Quanto de si mesmo está nos outros, e quanto dos outros está em si mesmo… esta é uma questão que transcende a poesia de J.T. Labarthe.
Ler este texto implica tratar de compreender o circuito mental perante a desconstrução da casa como destruição da pesada rotina familiar e, por sua vez, viajar com direção à linha do tempo de uma voz lírica que, coexistentemente, observa e se observa num quadro de imagens que transcorrem e se deslocam de modo vertiginoso e com certos flashes que ficam na memória, assim como “Em busca do tempo perdido”, de Proust.

As seções de Ruído de Fundo (2023) apresentam poemas, crônicas e canções que acompanham não apenas a voz lírica, mas também o devir da sociedade chilena, um lugar ou espaço que possibilita inquirir sobre reflexões domésticas e até outras consideradas mais ontológicas.
Labarthe bifurca o caminho da estrada em direção à poesia e à música, e se agradece que o faça assim porque conecta aos referenciais do perambular por um país que se permeia por diversas fontes culturais, latino-americanas, anglo-saxônicas e europeias, com uma reflexão tácita sobre o Capitalismo e quanto isso afeta: “Falência, dívida, família” e Casa Piloto…
A metaliteratura se faz também frequente em poemas que envolvem imagens de escritores como Rodrigo Lira e Vicente Huidobro que se tornam diálogos intertextuais, por exemplo, em outros autores como Enrique Lihn ou Gonzalo Millán.
Em outras passagens, a escrita nos leva à finitude do ser humano:
21/Longe do barulho
A esta hora, dentro de alguns dias, nos visitará a morte.
Outro toque de trombeta, o fundo mesmo da garrafa.
Tantos seres, longe do barulho, na memória.
Porque a única certeza, após o nascimento, é a morte. Portanto, a jornada da vida é o que, em última instância, dá sentido à existência. Labarthe deixa isso claro ao estabelecer uma tensão entre o amor romântico, filial… e, às vezes, o evasivo amor-próprio, condicionado pelos papéis que são impostos pelo sistema social.
05/Não se pensa no verão quando cai a neve
É a estrada, são os quilômetros
Uma linha amarela corta a neve no asfalto
Visto no retrovisor e em perspectiva:
Não devemos pensar que agora é diferente
O horizonte tende à deriva
Este último verso parece sustentar a imprevisibilidade da vida, pois quando nos deleitamos na felicidade do momento, diante de uma vida supostamente resolvida, uma onda de repente nos atinge e nos deixa nus, como já foi apontado por Kundera em sua irônica narrativa.
O que se segue é, talvez, um dos escritos que melhor representa a figura do molde social do homem contemporâneo, que desempenha um papel como um ator de teatro em que se deixa entrever…
45/A presença do homem em casa
A figura do pai ausente
A presença do homem em casa
Uma máquina de escrever sem tinta
O doce amargor das laranjas
A fama do caubói fora da lei
A má prensa da estrela na lapela
Uma basta de gênero resumida
Um saco cheio de pólvora molhada (…)
Uma manobra herdada no decorrer do tempo
De entrelaçar uma gravata no pescoço.

Esses versos são um chamado aberto à condição da paternidade e da performance do homem no lar; é quase impossível não fazer a conexão com “Walking Around”, de Neruda, assim como expressa o poeta: “acontece que às vezes me canso de ser homem”. Talvez J.T., sem querer, faça uma remasterização de um trânsito cotidiano que serve como ponto de partida para questionar a voz do homem: ser poeta, mas não um “huevón” (imbecil ou idiota).
Assim, Ruído de Fundo (2023) é um artefato poético que combina poesia, música e fotografia num jogo intertextual e paratextual que permite conectar as diferentes formas de registro; os sentidos estão atentos a um abecedário que combina som e imagem, diante de estímulos que nos ajudam a suportar o peso da existência, mas que também nos condicionam a senti-la de maneira trêmula.
Sobre José Tomás Labarthe
Nasceu em Santiago em 1984, vive atualmente na cidade Curicó, região do Maule, no sul do Chile. Publicou os poemários Ruido de Fondo e Perro Verbal. Em trabalhos não ficcionais, ele é autor de dois volumes de entrevistas La viga maestra: conversaciones con poetas chilenos 1973-1989 e Jaguar: conversaciones con narradores chilenos 1990-2019, um diálogo de quase médio século com a literatura chilena. Trabalhou na página cultural do jornal La Nación e edita a revista Medio Rural. Atualmente, dirige a Editorial da Universidade Católica do Maule (UCM). Também toca nas bandas Sonic Dealer e Detectives Salvajes.

Título: Ruído de fundo
Autor: José Tomás Labarthe
Gênero: Poemas, crônicas, canções
Selo: LOM Edições
Ano da edição: 2023
Páginas: 82

Marina Fierro Concha é professora de Estado de Língua Espanhola e Comunicação pela Universidade de La Frontera e doutora em Literatura pela Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso. Atualmente, é diretora da Faculdade de Pedagogia em Língua e Comunicação Espanholas da Universidade Católica de Maule (UCM). Trabalhou em diversas instituições, incluindo a Universidade de Magallanes, a Universidade de Valparaíso, a Agência de Qualidade da Educação e o Departamento de Medição e Registro Educacional da Universidade do Chile. Seus interesses de pesquisa incluem literatura, interculturalidade e migração.