Na noite do dia 5 de novembro de 2024, foi realizada a Jornada Literária – Letras para Todos, promovida pelo curso de Letras, Bacharelado e Licenciatura e suas respectivas Literaturas, no auditório Leão de Faria, na sede da UNIFAL-MG, visando o pré-lançamento dos 20 anos da UNIFAL-MG como instituição universitária, um ato que, por aquelas coisas da vida – como diriam alguns autores e pensadores – coincidiria também, fortuita e coincidentemente, com a celebração dos 20 anos do Festival Literário de Poços de Caldas – FLIPOÇOS.
Na ocasião, além das autoridades acadêmicas integradas pelo excelentíssimo vice-reitor, professor doutor Alessandro Antônio Costa Pereira, um dos responsáveis pelas comemorações “Rumo aos 20 anos de UNIFAL-MG”, a serem celebradas ao longo de 2025, contou também com a presença do professor doutor José Francisco Lopes Xarão, pró-reitor da PROEC e, de modo especial, com a presença de Gisele Corrêa Ferreira, diretora do FLIPOÇOS, quem, além de ter aceito o nosso convite, compareceu à Jornada para dar a conhecer uma prévia dos “20 anos do FLIPOÇOS”, os que seriam também comemorados em 2025, na cidade de Poços de Caldas-MG, o que possibilitou ótimas aproximações e possibilidades de parcerias pelo universo enriquecedor das Letras.
Na apresentação dos trabalhos, contamos com a presença do professor doutor Celso Ferrarezi Jr., quem discorreu sobre a iniciativa do projeto “Letras para Todos” do curso de Letras e, na finalização da Jornada, houve o lançamento de dois livros de colegas e autores amigos que aceitaram fazer o lançamento inédito de suas obras, ano 2024: “Mares Agitados: na periferia dos anos 1970” de Mazé Torquato Chotil, jornalista, pesquisadora e autora brasileira que se encontrava visitando o Brasil (atualmente ela mora em Paris) para fazer o lançamento da obra, e também do livro “201 Romances Brasileiros em 5 minutos cada” de Eloésio Paulo, autor, acadêmico e professor da UNIFAL-MG, obra que foi escrita ao longo de 13 anos e considerada de referência por abordar os romances mais relevantes publicados no Brasil durante os séculos XIX e XX. O fato é que no dia da Jornada Literária, após o encerramento dos trabalhos, foi realizado o lançamento dos livros no próprio auditório, sem sequer imaginar que o livro da Mazé, “Mares Agitados: na periferia dos anos 1970”, ao concorrer, posteriormente, seria vencedor do Prêmio Romance da Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB) em 2025. Sem dúvida, uma surpresa incrível ao sabermos dessa conquista, considerando que, um ano antes, em 2024, tínhamos feito o lançamento dessa obra em nossa Universidade, motivo que muito nos honra e agora abordá-lo como uma obra vencedora dessa premiação e, assim como de forma inédita, publicar uma entrevista exclusiva e inédita da autora Mazé Torquato Chotil no Jornal UNIFAL-MG falando do livro e da premiação.

“Mares Agitados: Na periferia dos anos 1970” é o 14° livro publicado pela jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil, nascida em Glória de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul. O romance narra a história de uma jovem do interior que, com a falta de universidade na sua região, na época, como outros colegas de classe, migra para a Grande São Paulo para estudar e trabalhar em meio à ditadura militar no Brasil. Em São Paulo vai morar na periferia, em Osasco, no bairro de muitos trabalhadores, inclusive nordestinos, membros de sua família. O livro se foca na experiência da personagem em busca de independência e realização pessoal, contrastando com o pano de fundo de censura e repressão da época, e aborda a migração de jovens do interior que buscam ascensão social através da educação.
A história é ambientada na década de 1970, período da ditadura militar no Brasil, sendo a censura e a falta de consciência política, os elementos que surgem nos bastidores da trama, embora não sejam percebidos pela protagonista na sua juventude e que, ao ter que se mudar para a periferia de São Paulo, ela tem que lutar para conseguir trabalho e financiar os seus estudos.
Começo de dezembro de 1974.
Após percorrer cerca de mil quilômetros, o ônibus para na Rodoviária de São Paulo, frente à estação de trem Júlio Prestes. Abro os olhos pesados de sono com o toque da amiga no meu braço:
– Chegamos.
Sou atraída pelas luzes coloridas. Somos três, ou melhor, quatro, a cunhada da amiga tem um bebê nos braços. Tenho dezesseis anos e muita vontade de descobrir o novo mundo que se abre a mim na grande cidade, a capital econômica do país. Uma cidade de muitas possibilidades, que se orgulhava de construir um prédio por dia já nos anos 1950. Eu espero realizar meu sonho de entrar para a faculdade. Será que conseguirei? Ainda está escuro. Espero que o sol não tarde a se mostrar. Nada vi da viagem noturna, a não ser as rodoviárias, onde ajudei a preparar mamadeiras para o recém-nascido.
A noite foi curta, dormida sentada na poltrona do ônibus, um sono picado com as paradas…. Espero dormir em uma cama hoje à noite.

O livro dá voz à experiência feminina, à busca pela independência e pela afirmação através dos estudos. A história é contada pela personagem principal e por uma outra voz que revela o que ela não percebeu sobre o Brasil da época. As lembranças imagéticas do livro remetem a bacias de alumínio, maças argentinas envoltas em papel de seda azul, à antiga rodoviária de São Paulo com seus losangos coloridos, viagens de trem pelo subúrbio, inauguração do metrô paulistano, surto de meningite e Gil Gomes, uma referência a Cândido Gil Gomes Júnior, o conhecido jornalista, advogado e repórter policial do rádio e da televisão no Brasil, figura bastante popular graças ao seu estilo próprio de voz, gestos e forma de se vestir, cuja narrativa ficou marcada pela crônica policial brasileira da época e até de forma recente, considerando a atuação nacional do Gil Gomes, posteriormente, pelos veículos da imprensa e mídia nacionais.
A descrição minuciosa da geografia, das primeiras impressões e das descobertas culturais, traça um retrato sociológico de Osasco, na periferia de São Paulo. Mais do que isso, são experiências vividas à sombra dos anos de chumbo da ditadura militar. Enquanto a jovem relata suas experiências no cotidiano, tais como procurar um primeiro emprego e suas descobertas culturais, surge na narração uma outra “voz” que, de forma furtiva e implícita, pincela a realidade da ditadura, que segue ou se desenvolve em paralelo.
Como disse, não tinha consciência naquela época de que o país vivia sob ditadura. Até as novelas, consideradas inofensivas, precisavam passar pela censura imposta a todas as áreas da criação! A ditadura tinha afastado tantos líderes sindicais de seus postos, a greve de 1968 na cidade onde eu estava morando tinha feito muitos prisioneiros, torturados, forçando muitos a se expatriar. Muitos estudantes e trabalhadores tinham resistido aos militares, foram para a rua reclamando liberdade.

Título: Mares Agitados na Periferia dos Anos 1970
Autora: Mazé Torquato Chotil
Gênero: Romance
Selo: Editora Patuá
Ano da edição: 2024
Páginas: 160
Disponível em: https://www.editorapatua.com.br/mares-agitados-na-periferia-dos-anos-1970-romance-de-maze-torquato-chotil/p

Ítalo Oscar Riccardi León é professor do curso de Letras/Espanhol da UNIFAL-MG desde 2009. Formado em Letras e Literatura, com especialização em Comunicação e Semiótica, o docente é mestre em Educação e doutor em Estudos Literários. O docente participou da organização do documentário Histórias de quando a água chegou… Um resgate literário/cultural dos relatos orais surgidos com a construção da barragem de Furnas e da edição comemorativa de 10 anos do Cineclube UNIFAL-MG: espaço de formação cinematográfica, cultura e cidadania. Em parceria com o Jornal UNIFAL-MG, atualmente, coordena esta coluna literária Literatura pelas Bordas.