Midsommar: Como o pós-horror de Ari Aster consegue ser tão bizarro e, ao mesmo tempo, tão bonito?

Atualizado em 20 de julho de 2024 às 10:31

Produções cinematográficas da geração do pós-horror tendem a não agradar aos cinéfilos que têm apreço pelo clássico, mas é um equívoco não considerar a nova leva de filmes de terror como uma grande repaginação do gênero, que na última década lançou roteiros mais complexos – de variados pontos de vista –, ousados e que fazem o horror de um jeito peculiar, diferente.

Ari Aster é relativamente jovem e não possui uma grande variedade de produções de peso em seu currículo, contudo, isso não impediu que os olhos do público e da crítica se voltassem para ele com o lançamento do perturbador Hereditário, em 2018. Esse filme abriu de vez as portas para Aster, que até então produzia timidamente alguns curtas e roteiros considerados por alguns como “mais simples”, e permitiu que Midsommar nascesse no ano seguinte, quando já estava nas graças da produtora A24 (hoje em dia famosa por produções independentes como Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo, de 2022, A Bruxa, de 2015, O Farol, de 2019, e Euphoria, série de 2019, em parceria com a HBO).

A proposta do longa de Ari Aster, que chegou aos cinemas do mundo no fim do primeiro semestre de 2019, consiste em entregar algo relativamente simples: um filme de terror que se passa durante o dia. Quebrar a expectativa do público funcionou com as divulgações, poucas pistas realmente certeiras indicavam o que poderia haver de tão assustador em um roteiro com cenas predominantemente à luz do sol, e isso atiçou a curiosidade dos fãs do gênero. O pôster da produção poderia inclusive se passar por uma promoção de um drama romântico, o que certamente gerou confusão ao ter intrigado alguns daqueles que descobriram a cartada do pós-horror quando já estava na sala do cinema. Uma opinião pessoal é que nada disso foi por acaso, causar confusão e distorcer estereótipos do terror é o que Ari Aster quis desde o começo. E ele conseguiu.

Midsommar presenteia o público com uma das introduções mais esmagadoras do gênero na última década, entregue logo nos primeiros minutos de filme, o que é descrito como sufocante, inacreditável e devastador, sem muitos segredos e muitos rodeios, apenas traumas servidos em uma bela bandeja de prata à Dani, protagonista do longa, que precisa lidar com a perda da família e um relacionamento tóxico com seu namorado, Christian. Com o desenrolar da vida do casal, Dani se junta ao grupo de amigos de Chris. Eles estão com viagem programada para aproveitar o festival de verão da Suécia, ponto de virada de paleta de cores da produção (algo que se pode notar com grande riqueza de detalhes, principalmente através das roupas dos personagens), e juntos viajam para aproveitar o que deveria ser o verão de suas vidas.

O festival acontece em um vilarejo remoto, o qual, à primeira vista, se mostra um ambiente pacífico, sem qualquer tipo de ameaça aparente. Os moradores locais recebem o grupo de visitantes com simpatia, buscando integrá-los à comunidade para que possam aproveitar o festival (este em específico acontece a cada século) e a estadia na Suécia. Mesmo com toda a recepção e amistosidade dos moradores do vilarejo, a maioria das cenas são tensas e passam a sensação de claustrofobia, algo muito presente nas produções de pós-horror e terror psicológico, dando a sensação de que a qualquer momento algo terrível irá acontecer. O fato de os personagens estarem isolados corrobora para aumentar a ansiedade e prisão, dando a entender que o diretor quis muito brincar com as expectativas do público até as coisas de fato ficarem explícitas.

Ari Aster fez questão de focar seu roteiro na forma como a história é contada, nos personagens – que são muito próximos da realidade e podem ser interpretados como personalidades “cinzas”, não pendem completamente para o mal, tampouco são de todo bons –, nos dramas das interrelações e na mudança pouco a pouco vivida por cada um, sem muita preocupação com a amarração no fim, afinal, o foco não é o destino e sim o percurso da viagem.

Tudo isso pode ser interpretado através das runas nórdicas encontradas em grande quantidade na produção como easter eggs da trama de Aster, impressas principalmente nas roupas dos personagens e nos pôsteres de divulgação do filme. Uma breve análise feita por runólogos experientes trouxe à tona o significado das runas de vários personagens, mas as runas de Dani são as mais curiosas por indicarem uma viagem estranha, perda de controle, destino incerto e novos começos; algo como “das trevas para a luz”. Já as runas ligadas ao namorado da protagonista indicam sacrifício. Neste caso, saber runas e analisar as dicas deixadas por Aster certamente pode dar alguns spoilers.

Para os amantes de filmes de terror com um ritmo mais acelerado, Midsommar não é uma boa pedida justamente por ter seu próprio ritmo e seu jeito único de narrar uma história; ele é gradativo, precisa ser para ter seu peso e sua magia. Além disso, Aster trabalha para que o espectador crie suas próprias teorias sobre as pequenas pontas deixadas propositalmente soltas, pois um bom filme de terror psicológico não entrega todas as respostas explicitamente. Aos fãs de pós-horror, a produção é definitivamente uma das melhores da A24 e traz um elenco jovem muito promissor, com a magnífica Florence Pugh dando vida à Dani e presenteando-nos com cenas inesquecíveis, como a coroação da Rainha de Maio e o choro das mulheres que sofrem juntas a mesma dor. O longa é repleto de belíssimas paisagens no ponto mais alto do verão sueco, com muitas cores, muitas flores, muita música e dança, uma verdadeira festa do horror! Como já dizia Legião Urbana, “festa estranha, com gente esquisita eu não tô legal”.

*Pôster nacional: https://cdn.fstatic.com/media/articles/main/2019/04/22/poster_nacional_-midsommar-350836113.png

*Dani é coroada como a Rainha de Maio: https://static1.srcdn.com/wordpress/wp-content/uploads/2020/06/Midsommar-ending.jpg

*O vilarejo durante uma das celebrações de verão: https://images.squarespace-cdn.com/content/v1/5ccb050e809d8e130ff3433f/1569066495954-QVJSELBMXQ636ZONZ099/midsommar.jpg

*Trailer legendado: https://www.youtube.com/watch?v=Wf6dZ_T-BPQ

Bianca Maia Roque é letróloga e designer gráfico. Graduada em Letras/Português pela UNIFAL-MG, foi bolsista do PET Letras entre os anos de 2014 e 2018. Atualmente, integra a equipe da Diretoria de Comunicação Social (Dicom) da Universidade na área de design.

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