O cenário da Previdência Social no Brasil para homens e mulheres

A seguridade social no Brasil é composta pela assistência social, previdência social e saúde. A Previdência Social é um sistema de caráter contributivo e filiação obrigatória que garante proteção social ao trabalhador e seus dependentes em caso de doença, acidente, morte, gravidez, idade avançada e prisão (Brasil, 2018). Em 2022, 93,2 milhões de pessoas com idades entre 16 e 59 anos se declararam ocupadas ou foram classificadas como segurados especiais, sendo 56,0% (52.250.028) homens e 44,0% (40.977.215) mulheres (Brasil, 2023). Desse total, 65,1 milhões (69,8%) estavam socialmente protegidos¹, sendo 55,6% (36.193.689) homens e 44,4% (28.909.887) mulheres (Brasil, 2023). Além das mulheres serem a maioria entre os desprotegidos socialmente, representando 64,0% dessa população, os dados mostram que mais da metade dessas mulheres (63,8%) não possuíam ao menos capacidade contributiva, ou seja, recebiam menos do que um salário-mínimo, enquanto para os homens esse percentual foi de 44,7% (Brasil, 2023).

Em relação à cobertura previdenciária e assistencial da população idosa², 83,4% (27.025.062) dos idosos brasileiros estavam protegidos, em 2022 (Brasil, 2023). Desse total, 54,3% (14.684.526) eram mulheres e 45,7% (12.340.536) homens (Brasil, 2023). A análise por faixa etária revela que, a partir dos 40 anos, as mulheres representaram a maior parcela dos beneficiários ativos em todas as idades (Brasil, 2022). Esse fato pode estar associado à menor mortalidade feminina e, consequentemente, à maior expectativa de vida em todas as idades, incluindo na velhice. Assim, além de haver uma maior proporção de mulheres idosas, elas tendem a permanecer por mais tempo recebendo o benefício devido à sua maior longevidade.

No entanto, ao contrário da vantagem feminina observada na mortalidade, no contexto da Previdência Social, as mulheres lidam com uma série de desafios. Embora tenham direito aos mesmos benefícios previdenciários do que os homens, as mulheres enfrentam dificuldades que impactam o acesso a esses benefícios, o cálculo do tempo de contribuição e o valor do benefício recebido (Sidone; Giambiagi; Tinoco, 2024). Em 2022, o valor médio dos benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), considerando o Regime  Geral de Previdência Social e  os benefícios assistenciais, foi de R$ 1.730,91 para os homens e R$ 1.499,57 para as mulheres (Brasil, 2023). Esse cenário pode ser explicado, em parte, pelos desafios relacionados à menor participação no mercado de trabalho, remuneração mais baixa e trabalhos mais precários e informais (Matijascic, 2016). Além disso, as mulheres assumem a maior parcela do trabalho doméstico e de cuidados não remunerado (Pinheiro et al., 2023). Esses fatores dificultam o acesso aos benefícios e contribuem para gerar um número médio de contribuições menor, bem como valores de benefícios inferiores aos recebidos pelos homens.

Na tentativa de minimizar as consequências dessa realidade enfrentada pelas mulheres, a regra de aposentadoria programada estabelece uma diferenciação de idade para homens e mulheres, atuando como uma política compensatória (Sidone; Giambiagi; Tinoco, 2024). Para aqueles que se filiaram ao Regime Geral de Previdência Social após a reforma da previdência³, a regra de aposentadoria programada estabelece  idade mínima de aposentadoria de 62 anos para as mulheres (15 anos de contribuição) e 65 anos para homens (20 anos de contribuição). Essa diferença, que já existia antes da reforma (60 anos para as mulheres e 65 anos para homens), foi instituída como uma tentativa de compensar as mulheres pelo trabalho de cuidado (reprodução social) e pelas condições desfavoráveis que enfrentam no mercado de trabalho. Contudo, esta medida tem sido criticada devido à sua baixa efetividade (Sidone; Giambiagi; Tinoco, 2024).

Nesse sentido, outras ações para promover uma maior equidade de gênero são discutidas na literatura, como a necessidade de ampliar a cobertura previdenciária, principalmente para as mulheres, e a revisão do benefício do salário-maternidade (Sidone; Giambiagi; Tinoco, 2024). Segundo os autores, como a maternidade muitas vezes resulta em saída do  mercado  de  trabalho  ou  retorno  para  empregos informais e precarizados, redesenhar esse benefício pode ser uma medida importante para garantir a manutenção da segurança social e reintegração das mulheres no mercado de trabalho.

Assim, considerando o papel da Previdência Social na redução da vulnerabilidade da população em situação adversas, é indispensável que as políticas previdenciárias sejam constantemente discutidas e avaliadas. Trata-se de uma tarefa complexa, que deve levar em conta não apenas as diversas desigualdades e desafios sociais da população brasileira, mas também os desafios de sustentabilidade da Previdência Social.

¹ Trabalhadores socialmente protegidos: contribuintes RPGS, contribuintes RPPS, militares, civis estatutários, segurados especiais e beneficiários não contribuintes.

² Idosos protegidos: aposentado ou pensionista da Previdência Social; recebe o Benefício de Prestação Continuada previsto no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – o BPC/LOAS; desfruta de algum benefício previdenciário temporário; segurado especial; ou contribuinte.

³ Emenda Constitucional n.º 103, de 2019.


Referências

BRASIL. Ministério da Previdência. Anuário Estatístico da Previdência Social (2022). Disponível em:            https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia- social/dados-estatisticos-previdencia-social-e-inss, acesso em: 14 nov. 2024.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Estudos – Regimes Previdenciários e Situação Atuarial. Brasília: vol. 36, 2018.

MATIJASCIC, M. Previdência para as mulheres: reflexos da inserção no mercado de trabalho. IPEA, Textos para discussão, n. 2206, 2016.

PINHEIRO, L.; MEDEIROS, M; COSTA, J.; e BARBOSA, A. H. Gênero é o que importa: determinantes do trabalho doméstico não remunerado no Brasil. IPEA, Textos para discussão, n. 2920, 2023.

SIDONE, O. J. G.; GIAMBIAGI, Fabio; e TINOCO, Guilherme. Política previdenciária e equidade de gênero: propostas para uma maior efetividade. FGV IBRE, Textos para discussão, n.12, 2024.

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Informe da Previdência Social 04/2023: Proteção Previdenciária no Brasil em 2022 a partir dos dados da PNAD Contínua. Vol. 35, n.04, 2023.

Larissa Gonçalves Souza é docente do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG Varginha, coordenadora adjunta do NAF Previdência, graduada em Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia e Ciências Atuariais pela UNIFAL-MG, possui mestrado em Estatística Aplicada e Biometria também pela UNIFAL-MG e doutorado em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da UFMG. Atualmente é professora e pesquisadora na área de mortalidade.

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