Com base em experiências vivenciadas no projeto de extensão com interface com a pesquisa “Escrevivências femininas: traçando linhas em educação, direitos humanos e políticas públicas em Varginha/MG”, desenvolvido junto às mulheres em situação de vulnerabilidade social e de risco da cidade de Varginha, uma pesquisa de iniciação científica buscou compreender, registrar e analisar os fundamentos conceituais e metodológicos das chamadas “Tertúlias Dialógicas”, uma ferramenta de escuta e expressão que sustenta o trabalho nas rodas de conversa do projeto. Como resultado, mostrou de que forma as atividades contribuem para o fortalecimento de redes de apoio entre as mulheres participantes.


A pesquisa intitulada Tertúlias Dialógicas, um modo de ler e escreviver o mundo (feminino): anotações metodológicas e conceituais do Projeto “Escrevivências femininas” foi desenvolvida pela discente Jady Oliveira Borges, do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia, sob a orientação da professora Cilene Pereira, e integra as atividades coordenadas pelo Grupo de Pesquisa Gênero pela Não Intolerância (GENI/UNIFAL-MG). As ações recebem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Conforme a orientadora, o foco do estudo foi a sistematização da metodologia utilizada e os impactos da prática extensionista, organizada em três eixos. No primeiro eixo, o trabalho focpu na metodologia extensionista utilizada, ancorada na prática das Tertúlias Dialógicas, inauguradas por Ramon Flecha no final da década de 1970, e no conceito de “escrevivência”, da escritora mineira Conceição Evaristo. No segundo, as pesquisadoras analisaram o contexto de execução das Tertúlias Dialógicas e o perfil das mulheres-participantes. O terceiro e último eixo, concentrou-se na apresentação de produções textuais autorais originárias das mulheres-participantes.
“A experiência das Tertúlias Dialógicas com a literatura foi a primeira a ser realizada pelo educador espanhol Ramón Flecha, que se utilizava de clássicos da literatura espanhola, mas é possível utilizar outros objetos culturais como audiovisual, cancional ou fotográfico, por exemplo, como acontecem nas experiências extensionistas do projeto ‘Escrevivências femininas’”, explica a professora Cilene Pereira.
No primeiro eixo também foi incorporado o conceito de escrevivência, cunhado pela escritora mineira Conceição Evaristo, que articula conjuntamente as palavras “escrever”, “viver” e “se ver”. Tal proposta, segundo Cilene Pereira, permite que mulheres reflitam sobre suas vivências e deem visibilidade às próprias histórias.
“O ato de escrever implica em refletir sobre a vivência de quem escreve, sendo de fundamental importância para mulheres de origem marginalizada socialmente pensar e tomar consciência sobre sua própria identidade, cotidiano, afetos e pensamentos, rompendo com opressões que são, muitas vezes, internalizadas por elas, configurando uma ‘violência simbólica’”, detalha a orientadora da pesquisa, parafraseando o sociólogo francês Pierre Bourdieu.
A partir da metodologia das Tertúlias Dialógicas, o projeto envolve as participantes em rodas de conversas que abordam temas como violências contra as mulheres, trabalhos reprodutivos remunerado e não remunerado, estereótipos de gênero, maternidades e maternidade solo e identidades femininas. “Todos esses temas derivam produções textuais verbais e não verbais que materializam as reflexões realizadas nas rodas de conversas das Tertúlias, que são discutidas, ainda, na pesquisa de iniciação científica”, acrescenta a professora.
Entre os resultados analisados, a pesquisa revelou como as práticas extensionistas aplicadas pelo projeto promovem o fortalecimento de redes de apoio entre as mulheres e estimulam a busca por autonomia, como o retorno aos estudos, ingresso no mercado de trabalho e reestruturação de projetos de vida. A avaliação do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Unidade 2, uma das instituições parceiras do projeto, confirma esses impactos.

“[As atividades] proporcionaram um percurso de reflexões e transformação na realidade das mulheres presentes. Algumas puderam perceber situações de violências que atravessavam suas vidas, reconhecendo também seus potenciais para transformar essa realidade”, descreveu a equipe da instituição.
Na avaliação, a equipe relatou ainda que muitas mulheres passaram conhecer a importância do acesso à informação, da construção de redes de apoio comunitário e da busca por novos projetos de vida voltados à autonomia, como ingresso no mercado de trabalho e retorno à educação formal. “Observamos mulheres se inserindo no mercado de trabalho, retomando os estudos e refletindo sobre suas trajetórias. Acreditamos que as oficinas culturais são uma ferramenta valiosa na construção/reconstrução de histórias de vida.”
O projeto de extensão com interface com a pesquisa resultou na produção de um livreto metodológico, com orientações para a aplicação das Tertúlias Dialógicas em outros contextos extensionistas ou de pesquisa. O material está disponível para consulta neste link.
Lice Pinho Gonçalves é acadêmica do curso de Gestão Ambiental e Sustentabilidade (EaD) na UNIFAL-MG, campus Poços de Caldas, e bolsista do projeto +Ciência, cuja proposta é fomentar a cultura institucional de divulgação científica e tecnológica. A iniciativa conta com o apoio da FAPEMIG por meio do Programa Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia para desenvolvimento. Lice é também técnica em Meio Ambiente, licenciada em Pedagogia e especialista em Neuropsicopedagogia e em Teatro e Educação.
*Texto elaborado sob supervisão e orientação de Ana Carolina Araújo














