Que história o Censo da Educação Superior pode nos contar sobre as cadeiras vazias?

Imagem ilustrativa. (Foto: Reprodução/Canva Education)

A audiência pública organizada pela Assembleia Legislativa sobre os desafios da educação superior e básica, neste último 25 de abril, obrigou tornar uma narrativa (sem as acepções que o termo adquiriu após Hayden White e as correntes políticas contemporâneas) os dados que orientam, ou ao menos deveriam orientar, as tomadas de decisão de nós, gestores.

Embora, à ocasião fosse instado a falar de três pontos, me restringirei a apenas um porquê: a) a experiência dos cursos tecnológicos e os interdisciplinares, cursos de 2 a 3 anos de duração, não tem se mostrado bem-sucedida nos critérios de demanda da população, uma vez que apresentam números muito baixos de matriculados, enquanto cursos de alta duração continuam sendo nosso sucesso de público. b) a evasão, por se tratar de fenômeno mais antigo, possui muitos e muito melhores contadores para narrar-lhes as histórias como Denise Li, Andrea Cabello, Bento Junior, Pamela Barbosa, Ana Paula Anjos, Lúcio Portilho e, só para parar num prata da casa de uma lista que se tornaria demasiado extensa, Thiago Sá.

Uma vez delimitado meu motivo, cabe então fazer o possível para que esta história preencha o máximo de lacunas que eu puder para que meu ouvinte possa construir nosso personagem principal: o estudante e sua variante no tempo, o potencial estudante. O primeiro movimento que o Censo nos apresenta é que, diferente do que possamos imaginar, o interesse do estudante pelo ensino superior, não parece ter diminuído, na verdade, o número de ingressantes entre 2013 e 2023 duplicou. Nem a pandemia mudou a tendência de avanço na curva: em 2020 foram 3,7 milhões de ingressantes; em 2021, 3,9 milhões; em 2022, 4,7 milhões e em 2023, esbarramos os 5 milhões de novos matriculados nas Instituições de Ensino Superior.

Para nós, Universidades Federais, parece haver uma história diferente, mas é o velho problema do narrador personagem, estamos vendo a história como a parte que fica ante a lousa e a cada ano parece que tenho um aluno a menos. Mas o censo, este narrador onisciente, vai contando que os estudantes só se puseram a caminhar: os ingressantes em cursos EaD em 2013, eram pouco mais de 20% do total, dez anos depois, eles alcançaram 66%, 97% destes em instituições privadas (e nas áreas mais diversas, metade dos estudantes de fisioterapia, por exemplo, estão em cursos a distância). O impacto dessa onda atingiu primeiro as Instituições privadas mais tradicionais, que se viram vitimadas por um mercado muito predatório, mas sem indicativo de mudança na maré, ela avançou, nos últimos anos, sobre as instituições públicas. No primeiro momento, foram nossas licenciaturas e cursos de Sociais Aplicadas, em seguida, Engenharias, e agora começamos a observar o fenômeno também nos cursos de Saúde.

Ora, qualquer busca pela internet nos mostrariam cursos sendo oferecidos por mensalidades mais baratas que o custo médio de deslocamento do estudante para nossos campi (ainda que este custo seja alcançado com a razão de 2 mil estudantes por docente), o que é argumento mais que compreensível para a escolha de uma população cuja renda média, em 2024, pouco ultrapassava os 2 mil reais e para a qual subsistência ainda é desafio diário.

Segundo ato da história: apesar da competição com a EaD, cursos como Computação ou Veterinária, se somam aos de Medicina, Odontologia e Psicologia (que por força de norma não podem ser a distância) como cursos para os quais não faltam interessados na rede pública.

Uma descrição do cenário, não deixa de ser relevante para a nossa história: era uma vez uma pequena cidade, de 30 mil habitantes no interior do Espírito Santo, chamada Alegre, a 200 km da capital Vitória. Neste município, mantemos duas instituições federais, oferecendo o mesmo curso, nenhum dos dois atingindo 70% de ocupação. Situação que se repete em Aparecida (GO), Arapiraca (AL), Ariquemes (RO), para não sair da letra “A”. Ainda na letra “A”, no estado do Tocantins, há um município a 413 km de Palmas, com 10 mil habitantes e um campus universitário, que há 2 décadas oferece Direito, Matemática, Pedagogia e Turismo. É de se estranhar, refletindo sobre a densidade populacional do lugar, que nenhum dos cursos preencha 100% de suas vagas? Ainda haveria demanda social para mais professores de matemática ou advogados após 20 turmas formadas?

Desta linha em diante, não há mais a história contada pelo Censo do INEP, é mais aquela moral que ao fim da fábula o autor, por arroubo de megalomania ou qualquer desequilíbrio dos humores do fígado, sente-se no direito de escrever. Portanto, leitor, sinta-se no direito de ignorar completamente o que for escrito daqui por diante.

Apesar das cadeiras vazias que temos, nossa escolaridade ainda precisa aumentar muito. O número de pessoas com ensino superior no Brasil, é metade da média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]. Estamos atrás de países tão ou mais pobres e desiguais que nós, como Colômbia e México, nossa diferença ante a países europeus ou Coreia é tão grande que nem caberia nessa página. Ainda não concluímos, no Brasil, que riqueza do século XXI não está em perfurar a foz do Rio Amazonas, o recurso do mundo da indústria 4.0 é a educação da população. Se outrora o ouro deixou buracos em Vila Rica, igrejas em Portugal e indústrias na Inglaterra, hoje, as terras raras deixarão buracos em Poços de Caldas, siderúrgicas na Austrália e superprocessadores de I.A. na China, porque sequer temos uma empresa brasileira para concorrer pela manufatura como tínhamos com o petróleo no século passado.

Pesa que 23, das 24 milhões de vagas ofertadas no país, são ofertadas por instituições privadas e, ainda que, com sacrifícios muito questionáveis, tenham reduzido seus custos, temos uma população demasiado empobrecida. Primeira máxima da fábula: sem investimento público, não enriqueceremos para aumentar o PIB pelo aumento de cérebros em ciência e inovação. A indústria do século passado não nos enriquecerá para depois investirmos em educação.

Segunda máxima da fábula: um EaD de qualidade é preciso. Ainda temos muita resistência em nossas instituições (no nosso microcosmo e na altíssima gestão), mas se alguém tem o dever de oferecer uma educação a distância pari passu com a presencial, somos nós que não visamos lucro. Enquanto SETEC prevê o EaD na Matriz CONIF, a Matriz OCC não reconhece o EaD das IFEs, deixando a ação para editais da CAPES. Paralelo a isso, a forma de avaliação do INEP precisa ser mais rígida para que privadas compromissadas com educação não sejam predadas por bolsas de valores. O que aumentará os custos e nos leva à primeira máxima.

Terceira: se o estado é o segundo maior empregador do Brasil, atrás do comércio, e deduzindo-se que o comércio não é um grande demandante de profissionais graduados, a valorização das carreiras é imprescindível. Se o estado não valoriza seus professores, nem os outros contratantes, nem os candidatos, vão valorizar. Voltemos à máxima um.

Por fim, a médio prazo, se pretendemos continuar entre as maiores economias do mundo, uma nova expansão do ensino superior será mais que bem-vinda. Mas uma em que SETEC e SESU se vejam como rede e não entrem em autofagia. Voltemos à máxima um.

Wellington Ferreira Lima é professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG. Graduado em Letras, possui mestrado e doutorado em Estudos Literários. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Clássicas, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura latina, literatura grega e teoria da literatura. Atualmente, integra a gestão da Universidade no cargo de pró-reitor de Graduação.

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