A serenata foi uma manifestação musical muito comum no Brasil no século passado. Em cidades interioranas com concentração de universitários era uma prática que animava as ruas em noites tranquilas. Em 1973, cinco alunos da EFOA (Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas), transformada em Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), entraram numa enrascada ao tentar homenagear amigas diante de uma república. A serenata terminou com tiros, perseguição pelas ruas desertas durante a madrugada e ameaças de morte.
Começamos a noite comendo tilápias e bebendo cachaça. Altas horas, resolvemos fazer serenata na república da Helenice, Dulce, Mafalda e outras colegas de faculdade. Como nenhum de nós (eu, Tarcísio Bregalda, Benedito Pauletti, João Gavião e Henrique Miranda) sabia tocar violão, levamos uma vitrola portátil com discos. O Henrique, pra lá de bêbado, tropeçou com a vitrola, espalhando os discos pela rua.
Paramos diante da república, na rua Artur Bernardes e começamos a tocar as melodias. Logo, a luz do quarto se acendeu, mas, em seguida, a janela de uma casa em frente se abriu. Um aluno do quarto ano de odonto, casado, deu um tiro para o alto e gritou que se não parássemos com aquela barulheira iríamos levar bala. O Quintino, o mais destemido da turma, abriu a camisa e respondeu: “Então atire se for homem”. O vizinho pegou o carro e saiu em disparada para avisar a polícia.
Vendo que o mar não estava para peixe, corremos para a praça Getúlio Vargas, a principal da cidade. A viatura nos procurava e nós ficávamos do lado contrário dela. Resolvemos nos esconder na república do Pauletti até que a confusão se acalmasse. Pela fresta da janela, víamos o carro do quartanista passando várias vezes diante da casa.
No outro dia, o pistoleiro encontrou o Henrique no corredor da faculdade e disse para ele: “Você é aquele invocado de óculos que estava com sua turma na frente da minha casa? Avise para seus colegas que estarei na esquina de tal rua para acertarmos a bala este abuso”. O Quintino aceitou o desafio e foi no local combinado. Mas, felizmente, o universitário valentão não apareceu.
Naquela época, o porte de armas era permitido e quase terminou em tragédia. Fernando Mesquita, um amigo comum meu e do universitário bom no gatilho, contou-me que o quartanista passou na sua república e o chamou para acompanhá-lo numa caçada a uns arruaceiros. Com o revólver 38, no meio das pernas, disse que se visse a turma iria atirar. O Fernando não sabia quem eram os perseguidos.
Recordando este episódio, fico mais convencido que a liberação de armas para as pessoas não é bom para a sociedade. Em um momento de nervosismo o cidadão pacato pode fazer besteira se estiver armado.
Domingos Miranda é cirurgião-dentista formado pela Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (EFOA), hoje UNIFAL-MG – onde estudou no período entre 1973 a 1976. Atuou como cirurgião-dentista por três anos em Alfenas, São José dos Campos-SP e São João da Boa Vista-SP, quando partiu para o Jornalismo, área com a qual flertava desde a graduação na então EFOA. Foi um dos fundadores do Jornal O Alerta, informativo elaborado pelos estudantes, apreendido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em 1977, também fundou o Jornal Uai com outros colegas e em decorrência de denúncias de corrupção envolvendo a Prefeitura Municipal de Alfenas, foi sequestrado pela polícia e ameaçado de morte. Natural de Campos Gerais-MG, Domingos Miranda viveu em Alfenas entre os anos de 1967 e 1980. Atualmente, reside na cidade de Joinville-SC.