Marina Rosa celebra 15 anos de carreira com música e ativismo; ex-aluna da UNIFAL-MG, cantora e ativista discute racismo ambiental, ancestralidade e ação coletiva por meio da música

Marina Rosa no espetáculo "Caboclas", apresentado no Mês da Consciência Negra, na UNIFAL-MG. (Foto: Lili Quaglia)

Quinze anos após iniciar sua caminhada artística e mais de uma década depois de ter ingressado no curso de Biologia da UNIFAL-MG, Marina Rosa retorna ao campus carregando histórias, militância e poesia. Ex-aluna do curso de Biologia, com graduação concluída em outra instituição, a artista mineira construiu, em Alfenas/MG, as bases da sua formação acadêmica e a carreira artística, que une música e ativismo socioambiental.

De volta à instituição que marcou sua trajetória, Marina apresentou o espetáculo “Caboclas”, uma performance que mistura música, ancestralidade e ativismo. A apresentação ocorreu no Mês da Consciência Negra, organizado pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), da UNIFAL-MG. Nesta entrevista, ela revisita memórias, compartilha desafios e revela como bióloga e cantora se tornaram inseparáveis em sua existência. Confira:

A sua relação com a UNIFAL-MG começou há mais de 10 anos. Você ingressou na universidade e construiu sua carreira em Alfenas. Como é retornar ao palco da Universidade?
Marina Rosa: Bom, na verdade, eu nunca saí de Alfenas (risos)! E acho que eu nunca saí da UNIFAL-MG também, porque é um amor muito grande. Eu me sinto sempre muito conectada com esse espaço e voltar para cá, depois de formada, com uma carreira de 15 anos como artista e 14 como ativista socioambiental, é uma realização muito grande. Para mim, não teria outro lugar para comemorar. Então, estou muito feliz, muito realizada, porque a UNIFAL-MG não só fez, como faz parte da construção do que as pessoas vão poder vivenciar no show Caboclas.

E quando você começou esse trabalho?
Marina Rosa:  Caboclas existe há 3 anos. Em 2022, em um projeto de mulheres a favor da conservação em Caldas-MG, tive a ideia desse coletivo que se chama Caboclas — as mulheres que abraçam o mundo. 

Então não é somente um show artístico?
Marina Rosa:  Sim. E encabeçar um coletivo que envolve outras pessoas não é uma tarefa fácil. Dentro das dificuldades de juntar gente e manter a constância, e com a minha ansiedade muito grande de levar as pautas que são propostas no coletivo, veio a ideia de criar um show.

As pessoas saem do show com essa sensação de que precisam fazer o movimento delas — assim como eu faço o meu. O mínimo pode ser mínimo na unidade, mas quando enxergamos isso como reação em cadeia, as transformações têm chance de mudar pilaresMarina Rosa

E como tudo aconteceu? A concepção e canções do espetáculo?
Marina Rosa:  Através das narrativas e das canções que são o enredo para as minhas falas, eu trago o coletivo Caboclas comigo  para o palco. Falo sobre temáticas bem sensíveis: racismo ambiental, intolerância religiosa, degradação do planeta, direito dos animais. A gente pensa que o planeta não se regenera sem as pessoas se regenerarem, e as pessoas não se regeneram se o planeta não se regenerar. Então, o show Caboclas vem dessa ansiedade, dessa espera que eu entendo que não dá para esperar. Para consolidar um grupo, é preciso tempo, articulação e abertura, mas o show já vem trazendo, divulgando e trabalhando essas pautas que defendemos entre mulheres no coletivo Caboclas.

Qual o repertório que você traz para colocar esses assuntos em pauta?
Marina Rosa: O repertório é bem recheado. Essa é a quinta edição do show Caboclas, que eu considero uma arte reflexiva, porque não são só músicas — tem todo um desenho de “sobe e desce”, como algumas pessoas falam, de “morde e assopra”. É uma iniciativa carregada de muito afeto. Eu escolho músicas que trazem o peso das narrativas, mas também trazem leveza: canções feitas com tempo da voz chegar na nota, ecoar. Algumas músicas são autorais e fazem parte da minha trajetória enquanto artista, da construção da compositora que surgiu ao longo do tempo. Acho que hoje posso dizer que estou em um espaço de autoafirmação: sim, eu sou compositora — isso também foi um processo para mim.

Tem também releituras. A gente tem Casquídeo Ribeiro (NDE: músico e compositor de Alfenas/MG – Ouça), que é uma grande referência para mim nas composições; tem Raimundo Andrade, com uma das canções mais importantes do repertório (NDE: músico e compositor de Pouso Alegre, residente em Varginha-MG; a música é “Zóio D’água”. Ouça); tem músicas minhas e músicas em parceria com o Felipe Fontão, meu parceiro que me acompanha hoje, meu amigo e irmão que a música me deu. É um repertório muito bonito, que traz legitimidade para o que eu falo. São longos anos de carreira, nos quais o ativismo foi sendo construído e expandindo. Hoje, eu trago para o palco esses 15 anos: o que consegui fazer enquanto artista, trazendo também meu trabalho de ativista e bióloga.

Como está a aceitação do espetáculo Caboclas nos locais onde vocês se apresentam?
Marina Rosa: Olha, o Caboclas passou pelo Sesc de Pouso Alegre, pelo Sesc de Poços de Caldas, agora está aqui em Alfenas e também foi para o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em uma casa de cultura. É um show muito potente, muito forte, que traz pautas delicadas, sobre as quais muitas vezes as pessoas se recusam a falar. Mas ele vem com essa ideia de quebrar isso: das pessoas baixarem a guarda e nos darem a oportunidade de entregar o que temos a dizer. É um show em que as pessoas se emocionam muito, choram muito… eu choro muito também, porque são as minhas dores e as minhas alegrias que trago para o palco.

É um show muito bem recebido. É atemporal, infelizmente, porque sabemos que as chances do racismo acabar são muito poucas — apesar de eu ter esperanças. A gente está vendo o planeta indo embora aos poucos. Se pegarmos Chorando pela Natureza, de João Nogueira, de 1994, ela cabe para hoje, 2025, e infelizmente continuará cabendo se a gente não tomar as rédeas das decisões. Cada um tem essa missão. Eu abordo muito essa falácia de colocar nas crianças a responsabilidade pelo futuro. O nosso futuro é responsabilidade de cada um de nós. O amanhã está garantido se nos movimentarmos na direção das mudanças. O show abraça muitas pessoas porque, apesar de tanta dor e dessas temáticas difíceis de digerir, eu sempre vou pulverizando a ideia de que o mundo é bom, que a gente pode, que a gente consegue. As pessoas saem do show com essa sensação de que precisam fazer o movimento delas — assim como eu faço o meu. O mínimo pode ser mínimo na unidade, mas quando enxergamos isso como reação em cadeia, as transformações têm chance de mudar pilares.

Marina Rosa é graduada em Biologia e iniciou a graduação na UNIFAL-MG. (Foto: Arquivo Pessoal/Marina Rosa)

A Marina Rosa intérprete, a UNIFAL-MG conhece há muito tempo. Agora, a Marina Rosa compositora, talvez pouca gente conheça. De onde surgiu a Marina compositora?
Marina Rosa: Isso é bem recente. Como eu falei, hoje estou num processo em que consigo sentir — às vezes ainda é um “acho” — que isso está legitimado em mim. Sempre gostei muito de escrever, antes mesmo de imaginar que seria cantora, algo que eu nunca quis. Eu vim para Alfenas para realizar meu sonho de me tornar bióloga. Venho de uma família humilde, que não tinha condições de custear minha estadia aqui para estudar, mesmo sendo uma universidade federal. A partir daí, conheci o Nando Lopes, meu primeiro parceiro no palco, extremamente importante para eu estar aqui hoje. Ele me empurrou — falo que ele me obrigou a me tornar cantora. Ele sempre viu grandeza no meu talento ao cantar e insistiu para a gente cantar e conseguir dinheiro para manter na cidade. Assim surgiu a Marina cantora.

Uma das músicas do repertório, Dente de Leão, é uma escrita minha de mais de 10 anos, que hoje foi materializada e tem versos e melodia. Olha quanto tempo para eu me afirmar como compositora.  Eu nunca idealizei ser artista, não conhecia artistas, nunca imaginei. Às vezes, cantando, penso: “Nossa, Deus me ama muito, porque olha que voz!”. Às vezes sai de mim com tanta potência que fico em choque. Isso faz parte da construção da artista que hoje entendo que sou: da minha forma, da minha maneira, com dificuldades de me afinar com o que a arte obriga a gente a ser — muito influenciadora, muito digital. Tenho essas dificuldades.

As composições vêm desse movimento de construção da artista que eu estou entendendo que sou. Por gostar de escrever, comecei a tentar trazer isso para a música. Nunca estudei teoria musical, e isso sempre foi uma dificuldade, porque eu achava que precisava disso para compor. Tentei algumas vezes estudar violão. Toco o básico. Não vou dizer que sou autodidata, porque mesmo quem aprende sozinho não descobre as notas sozinho — sempre tem um vídeo, uma revista, alguém. A construção da compositora vem disso: de entender o que sou, o que posso, apesar das minhas limitações. Tenho tentado mudar isso e dar mais atenção à teoria musical, pensando no que posso construir.

A primeira composição que fiz — letra e melodia — foi Caboclas da Mantiqueira (Ouça no Spotify), música muito importante para o show, carro-chefe do projeto, que fala da luta das mulheres em favor da conservação: mulheres negras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, curandeiras, rezadeiras, parteiras, doulas, professoras, artistas — todas as mulheres que, não necessariamente, são acadêmicas.

A universidade cria possibilidades. Alguns estudantes chegam esperando estruturas prontas; outros precisam vasculhar até entender onde se encaixam. No meu caso, como artista, havia o Palquinho e algumas intervenções. Mas, na Biologia, tive que vasculhar para descobrir o que a universidade poderia me oferecerMarina Rosa

As universidades públicas sempre foram espaços de efervescência cultural e, com isso, têm o papel importante de incentivar artistas e promover a cultura nos campi e nas cidades. A UNIFAL-MG deve continuar apoiando a arte e a cultura?
Marina Rosa: Sim, com certeza. Aqui na UNIFAL-MG, tem o Palquinho. O Palquinho sempre foi um acalanto, principalmente para mim, que resistia em cantar, mas gostava de ouvir as pessoas cantando e de cantar junto. Sendo um espaço sem os critérios rígidos de um grande palco, era uma celebração entre quem canta profissionalmente e quem só gosta de cantar. Eu idealizei o Palquinho da Comunidade “Antes Arte do Que Nunca”, onde comecei a juntar talentos que identificava. Até hoje isso é muito especial para mim. Eu não queria ser artista, famosa, conhecida, mas identificava alunos afinados, com presença, e os chamava para participar do Palquinho. Junto com a professora Luiza, da Biologia, que fazia a decoração do palco. Também inserimos poesia e intervenções culturais.

Hoje, saber que, a partir da UNIFAL-MG e desse projeto, pelo menos quatro pessoas — que talvez não tivessem esse espaço — são artistas profissionais me deixa muito feliz. A universidade tem um poder transformador enorme: forma não apenas o profissional da graduação, mas abre portas para novos caminhos.

Marina Rosa durante a “Mostra de Animais Silvestres em Ambiente Urbano”, realizada na cidade de Caldas/MG, em 2022. (Foto: Arquivo/Marina Rosa)

Como você vê a inserção do espetáculo no Mês da Consciência Negra, organizado pelo Neabi (Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena) da universidade?
Marina Rosa: Mais uma vez, é ter certeza do espaço que me recebeu em 2010, no curso de Biologia. A universidade cria possibilidades. Alguns estudantes chegam esperando estruturas prontas; outros precisam vasculhar até entender onde se encaixam. No meu caso, como artista, havia o Palquinho e algumas intervenções. Mas, na Biologia, tive que vasculhar para descobrir o que a universidade poderia me oferecer. Para além do show, é importante lembrar isso: a Universidade Federal tem muita coisa que muitas vezes não identificamos de imediato, mas, se procurarmos, encontramos oportunidades. Não salvamos o planeta se não falarmos de questão social.

Meu primeiro projeto, que considero o marco dos meus 15 anos como ativista, foi um programa de extensão — e eu amo a extensão. Valorizem a extensão: é o contato direto com a comunidade. A extensão é esse meio de trazer as pessoas para dentro da universidade, para que elas se enxerguem aqui. O Caboclas traz arte e ativismo ao meu trabalho. Vem mostrar o quanto a universidade está enraizada em tudo que faço. Estou muito feliz, muito grata.

Para encerrar: é possível separar a cantora da ativista?
Marina Rosa: Essa é uma pergunta sensível, porque, durante muito tempo, tentei fazer isso. Achava que precisava separar. E não. Sou muito grata por ter entendido que não. Amar tanto a Biologia, amar tanto meu trabalho, e ter nascido com essa oportunidade de ser cantora — sem estudar — de ter uma voz expansiva e potente, de ser uma mulher preta representando um movimento, podendo falar de racismo ambiental com lugar de fala, trabalhando com comunidades tradicionais…Posso dizer que não tem como separar.

Durante muito tempo, construí um muro: de um lado a Marina bióloga, do outro lado a Marina cantora. Com os anos, fui diminuindo esse muro, até ver as duas em uma só. E que bom! Porque a proposta que trago hoje é justamente essa: a bióloga falando e a cantora legitimando minhas falas. Então, não: não tem como separar. Marina Rosa bióloga e Marina Rosa cantora são uma única pessoa, uma única existência.

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