Estudo identifica narrativa com função literária e política contra a escravidão na obra ‘Os Escravos’, de Castro Alves

Análise mostra que o poeta utilizou uma narrativa humanitária inspirada no Iluminismo para sensibilizar a sociedade sobre os horrores da escravidão
Tela "Negres a fond de calle" ("Navio negreiro"), de Johann Moritz Rugendas, pintada em cerca de 1830. (Foto: Reprodução)

Alisson Eugênio, professor do curso de História do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG, desenvolveu uma pesquisa na qual propõe uma nova interpretação para a obra Os Escravos (1883), de Castro Alves. O estudo revela que o autor abolicionista utilizou técnicas literárias associadas à filosofia moral iluminista como instrumento para comover a sociedade e engajá-la contra a escravidão no Brasil.

Alisson Eugênio – professor do curso de História e autor do estudo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Intitulado Cultura literária iluminista na obra Os escravos de Castro Alves: a narrativa humanitária como estratégia de combate, o trabalho é fruto do pós-doutoramento do pesquisador e aprofunda a relação entre literatura, sensibilidades modernas e discursos abolicionistas. Os resultados foram publicados na revista Almanack (Guarulhos), vinculada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), neste mês de novembro. Confira aqui.

Conforme o professor, o achado principal da investigação é a presença da técnica literária chamada “narrativa humanitária”, típica do Iluminismo, usada pelos escritores para despertar compaixão e mobilizar o leitor contra práticas consideradas degradantes. “Essa técnica literária é caracterizada pela descrição, de forma dramática, do sofrimento humano para despertar compaixão nos leitores e incentivá-los a se solidarizarem com as pessoas que dele padecem”, comenta.

A partir dessa perspectiva, o pesquisador identificou que a narrativa humanitária é um dos elementos centrais de Os escravos. “Tal obra pode ser também interpretada como uma produção intelectual tributária do discurso sentimental da filosofia moral iluminista, sobretudo dos seus valores filantrópicos derivados do conceito de humanidade”, detalha Alisson Eugênio.

Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871) foi um poeta, dramaturgo e advogado brasileiro, considerado o principal representante da terceira geração do romantismo no Brasil. (Foto: Reprodução)

O professor pontua que Castro Alves organiza uma abordagem histórica da escravidão dispersa ao longo dos poemas, que, quando reunidos, compõem uma espécie de narrativa histórica versificada.

Para interpretar a obra, Alisson Eugênio partiu do pressuposto de que a literatura é uma prática cultural fruto tanto da iniciativa individual quanto das condições sociais de sua época.

Utilizando proposições do historiador Quentin Skinner, para quem os textos podem ser compreendidos como formas de intervenção política e social, o pesquisador mostra que os textos podem ser interpretados como uma forma de seus autores intervirem no mundo social, motivados por questões enfrentadas pelas sociedades nas quais atuam e almejando determinados fins.

“Foi possível abordar a coletânea de poemas Os escravos como um meio, utilizado por Castro Alves, para comover a opinião pública sobre o sofrimento da vida agrilhoada pela escravidão e para tentar ajudar a despertar na sociedade a compaixão pela triste condição dos indivíduos submetidos a essa perversa forma de organização social do trabalho”, assinala.

Segundo o pesquisador, os resultados contribuem para o campo de estudos literários ao oferecer uma nova perspectiva de análise. “Essa abordagem abre novas possibilidades para estudar obras, do Romantismo, que abordaram a escravidão, ao apresentar mais uma chave de compreensão da elaboração estética e da estratégia política de Castro Alves em sua coletânea de poemas Os escravos”, ressalta.

O artigo sobre o estudo publicado na revista Almanack pode ser acessado na íntegra aqui.

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