Diante da difusão massiva de discursos e ações de setores conservadores do país que rejeitam a realidade, os avanços científicos e os direitos humanos, pesquisadores do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG realizaram um debate público em 2019, no combate ao negacionismo, propondo revisar a história de conflitos e traumas no país, causados, por exemplo, pela escravização e ditadura. A iniciativa resultou no livro “Revisionismos: a universidade esclarece”, lançado pela editora Mentes Abertas.
Sob a organização da historiadora Marta Gouveia de Oliveira Rovai, que também é autora de um dos capítulos, a obra reúne ao longo de 212 páginas, as discussões promovidas nos dois dias de evento, que contou com a participação do público acadêmico e comunidade alfenense. A proposta foi transformar cada afirmação encontrada nas redes sociais ou em falas negacionistas e revisionistas, em questões argumentativas fundamentadas em estudos acadêmicos.
“O livro propõe que os pesquisadores convidados apresentem argumentos a partir de seus estudos, com a finalidade de que o senso comum que naturaliza a intolerância e o desconhecimento não prevaleça”, afirma Profa. Marta. Segundo ela, o livro pretende ser uma “celebração ao conhecimento e à democracia”. “As falas negacionistas que se difundem, com uma rapidez impressionante, por meio de Fake News e do senso comum vazio de debate democrático, precisam ser desconstruídas por uma posição responsável e ética por parte da Universidade.”
Sem a pretensão de negar a importância do que a organizadora chama de “multiplicidade de linguagens” de pessoas e de comunidades que podem acessar e fazer uso das tecnologias para reforçarem suas identidades e se fazerem reconhecer, a obra se configura como uma ótima opção de leitura não apenas para estudantes de História, mas a toda população interessada em construir um país mais democrático. “O que se faz é uma necessária crítica a discursos e ações negacionistas e revisionistas por parte de setores conservadores no país, que pretendem confundir, propositalmente, e evitar enfrentamentos com o passado doloroso do país, assim como assumir posturas autoritárias e substituir considerações e contribuições da ciência”, explica.
Para cumprir a proposta, o livro trata de temas fundamentais sobre a história, a educação, a arte e a diversidade brasileira, que têm hoje tomado conta das redes virtuais e de debates muitas vezes acalorados, mas desprovidos de conhecimentos científicos. Além de ser prefaciado pelo professor Fernando Nicolazzi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o livro conta com a contribuição dos pesquisadores:
- Marcelo Hornos Steffens, Mário Danieli Neto e Walter Francisco Figueiredo Lowande (História);
- Adriano Pereira Santos e Carmem Lúcia Rodrigues (Ciências Sociais);
- Renata Nunes Vasconcelos, Geovania Lúcia dos Santos, Natalino Neves da Silva, Alexandre Rodrigo Nishiwaki Silva, Ana Cristina Gonçalves Abreu Souza, André Luiz Sena Mariano e Ronaldo Auad Moreira (Educação e Arte).
Autor do capítulo “As políticas de Ações Afirmativas no Ensino Superior são um problema?”, Prof. Natalino explica o tema tratado. “O capítulo busca situar que as Políticas de Ações Afirmativas se constituem, nesse século XXI, como um importante marco histórico a favor da promoção da equidade socioeconômica, étnico-racial e de gênero. Para esse entendimento, é preciso reconceitualizar imaginários do poder-saber colonial.”
Os ataques do atual discurso negacionista, dirigidos ao educador Paulo Freire e à sua obra são analisados pela professora Geovania, no capítulo “Paulo Freire destruiu a educação?”. “Os ataques são analisados em uma perspectiva desconstrutivista, evidenciando tratar-se de operações discursivas fundamentadas no projeto – de longa duração – de manter o país como uma sociedade pautada pela produção coletiva da riqueza a ser apropriada e usufruída por poucos; razão pela qual uma educação comprometida com a luta pela emancipação do povo, como proposta pelo Patrono da educação brasileira, se mostra perigosa, tornando-se, portanto, alvo, da ação necrofílica por parte da elite que nos governa”, comenta Profa. Geovania.
Sobre o capítulo “O Programa Escola sem Partido não toma partido?”, a pesquisadora Ana Abreu, que dividiu a autoria com o professor André Luiz Sena Mariano, sintetiza: “O capítulo mostra a volta de debates que ‘aparentemente’ haviam sido superados; com a força política da ultradireita no Brasil, têm vindo à tona temas polêmicos que evidenciam o obscurantismo e a negação de conquistas. O artigo aborda uma reflexão contextualizada com recortes legais da proposta de lei e aponta como esse Programa não possui nenhum caráter novo”, diz.
Segundo a autora, no capítulo também são discutidos os impactos pedagógicos do programa “a fim de mostrar os desdobramentos do que significa um projeto de lei que propaga a mordaça de cátedra e exclui de sua construção os aspectos legais, o que evidencia um programa que inviabiliza o direito constitucional e se organiza em ataque às escolas públicas que pregam preceitos plurais, democráticos e emancipatórios.”
“A ditadura brasileira não existiu?” é o tema do capítulo escrito pela organizadora da obra. Em seu texto, Profa. Marta parte do debate da ciência política sobre a definição de autoritarismo e, por meio de fatos estudados e analisados por diferentes historiadores, demonstra como, entre os anos de 1964 e 1984, o país foi regido por uma ditadura civil-militar que criou mecanismos para censurar, perseguir, torturar, exilar e assassinar pessoas. “O texto pretende que o leitor compreenda que a democracia somente pode ser construída a partir da compreensão de conceitos históricos e do enfrentamento a um passado doloroso, combatendo certas permanências no presente”, destaca.
O livro foi lançado em 2020 e desde então tem sido usado por professores em suas aulas na UNIFAL-MG e em outras universidades. Interessados podem adquiri-lo pelo site da Editora Mentes Abertas.
A organizadora apresenta uma resenha sobre a obra no Podcast HistoriCast, acesse aqui para conferir.