As cenas descritas na primeira página de Não verás país nenhum (1981), com pessoas portando “máscaras obrigatórias” e caminhões despejando carregamentos de cadáveres, já introduzem a grande força do romance: sua assustadora profecia de um futuro em que o Brasil já não conta com uma única árvore, pois até a Amazônia foi devastada completamente. O autor, Ignácio de Loyola Brandão, já havia publicado o principal livro feito de sua carreira, o romance Zero (1975), mas causou sensação no mercado editorial com o enorme sucesso dessa fábula distópica.
Não verás… é narrado em primeira pessoa por Souza, um ex-professor de História que sobrevive na São Paulo do século XXI (ano provável da ambientação, 2015), tempo em que tudo é rigorosamente regrado e todas as mercadorias são racionadas, especialmente a água, a maior parte da qual é obtiva a partir de urina reciclada. Todos os rios do Brasil secaram, não existe mais agricultura e a comida “factícia” arruína o organismo humano, assim como a contaminação por elementos radiativos.
Esse panorama sombrio, que prolonga a opressão ditatorial para um período situado depois dos “Abertos Oitenta”, quando o apocalipse ecológico, mais do que o desenvolvimento da tecnologia, levou ao poder classes que têm nomes claramente inspirados no panorama político-social do Brasil sob o regime militar: “civiltares”, Novo Exército, “militecnos”. O cenário vai sendo composto à medida que Souza conta sua desventura particular, desencadeada a partir do surgimento de um furo na mão, em seguida ao qual ocorrem a fuga da mulher do protagonista, nunca explicada, e a ocupação de seu apartamento por especuladores de gêneros alimentícios comandados por um capitão corrupto. Não por acaso o título do livro parodia famosos versos de Olavo Bilac.
A narração é feita com recurso a digressões do protagonista, entremeadas de diálogos rápidos que lembram teatro de má qualidade (sem quaisquer pausas, hesitações ou mudanças de direção). Antes de perceber esse defeito da prosa do escritor, a gente até poderia imaginar que está diante de um Ray Bradbury ou de um George Orwell brasileiro; mas precisaremos nos contentar com os grandes acertos da profecia desoladora, pois os tropeços estilísticos (e até simploriamente gramaticais) da escrita rebaixam a classificação do romance para o leitor mais exigente.
Não verás país nenhum, se elaborado com maior capricho, poderia ser uma obra-prima da ficção brasileira. Da forma como saiu, salva-se pela antevisão de vários aspectos da tragédia brasileira do (então) futuro. Deve a essa antevisão o seu sucesso, não à perícia técnica do ficcionista. Uma pena, mas o apuro formal é mesmo raro na literatura brasileira posterior ao Modernismo.
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