Marcos de Carvalho, poeta e professor do curso de Letras UNIFAL-MG é um dos autores de “Os Bugíadas”, livro que será lançado esta semana em Alfenas. Em entrevista para a equipe de comunicação, o poeta compartilhou momentos de sua trajetória poética, oportunidade em que falou sobre a criação de uaicais e suas expectativas para o futuro da poesia. O autor revelou detalhes sobre sua relação com a forma poética do haicai, a influência da vida acadêmica em sua produção literária e sua visão sobre o papel social da poesia.
Com uma dezena de livros de poesia publicados, Marcos de Carvalho assina algumas obras em parceria com o colega Eloésio Paulo, também professor do curso de Letras da Universidade, seu parceiro de longa data na poesia. Dentre as publicações que dividem estão: Tempoesia (1983); Troços, Traços e Troças (1986), Decurso – poemas praxinesver (1989); UAICAIS com ensaios de nocaute (2021); Todo pombo é correio (2023) e Os Bugíadas.
Confira a entrevista na íntegra a seguir:
O haicai é difundido como uma forma poética de origem japonesa caracterizada por três versos: o primeiro e o terceiro com cinco sílabas cada e o do meio com sete. Nos últimos anos, você e o Eloésio Paulo têm produzido coletâneas usando as possibilidades do haicai, termo que foi adaptado por “uai”, por vocês. Por que a opção por essa forma poética? O que a singulariza e por que o atraiu?
[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”17″] “A minha poesia, penso que também a do Eloésio, é marcada por este estilo que prioriza a brevidade, a síntese e, também, o bom humor.”[/perfectpullquote]
Marcos de Carvalho: Há na tradição poética brasileira, desde Oswald de Andrade, o costume de se valorizar poemas curtos, com linguagem ágil e, não raro, salpicados de humor e ironia. A minha poesia, penso que também a do Eloésio, é marcada por este estilo que prioriza a brevidade, a síntese e, também, o bom humor. Então, penso que não há exatamente uma opção pelo haicai, mas que a minha maneira de enxergar a poesia já está muito próxima do que caracteriza essa forma poética.
É importante dizer que eu não me considero um haijin (poeta que escreve haicais) no sentido corrente. Não por outro motivo, preferimos, eu e o Eloésio, nomear nossos poemas de uaicais, uma variante amineirada e despretensiosa do termo original. Isso não quer dizer que não admiramos o haicai japonês, mas que aceitamos a impossibilidade de ter uma vida despojada como pede a cultura oriental.
Qual a sua história com o haicai? E com a poesia em geral?
Marcos de Carvalho: O contato com o haicai vem de quando comecei a me interessar por poesia, em meados da década de 1980. Pode-se destacar a leitura de Paulo Leminski e, sobretudo, os estudos de Haroldo de Campos, que aproximavam os leitores brasileiros da estética oriental, como marcadores dessa aproximação.
Desde aquela época escrevo alguns poemas de três versos que, com algum reparo, poderiam ser classificados como uaicais. A aproximação definitiva, no entanto, veio da leitura de poetas importantes e que escreviam haicais, como o uruguaio Mario Benedetti, o beatnik Jack Kerouac e o sueco Thomas Tranströmer. Com eles foi possível observar que o haicai, mesmo que desprovido da filosofia oriental, abria uma porta interessante para se escrever poemas com a disciplina dada pela forma, mas com inúmeras possiblidades expressivas.
Por que não escrever ficção ou teatro, por exemplo?
Marcos de Carvalho: Pergunta difícil. Sabe que são raríssimos os poetas que se dão bem na prosa e vice-versa. Mas posso resumir assim: o que me interessa dizer só pode ser dito pela poesia. Ou melhor, é a maneira de dizer da poesia que me interessa e que me atrai.
Quanto ao teatro, mesmo com as ricas manifestações amadoras que houve em Alfenas, fui muito mais leitor de peças: Ibsen, Beckett… Não tinha, portanto, o entendimento cênico do palco. Além disso, sempre admirei demais o Waldir de Luna Carneiro, para me aventurar na praia dele (risos).
O trabalho na Universidade influiu e influi de algum modo na sua produção literária?
Marcos de Carvalho: Todos sabem que a universidade é um espaço de troca constante. Trabalho muito poesia com os alunos e posso, desse modo, perceber como eles interagem de maneira positiva ou negativa com o que leem. Isso, é claro, acaba fazendo com que esteja sempre imerso no universo da poesia e que me sinta instigado a também escrever e ser lido.
Outro aspecto interessante, quando se fala da universidade, é a possibilidade de observar e ajudar a desenvolver a produção poética dos próprios alunos. Chegam timidamente, com receio de mostrar o que já escreveram, mas depois viram parceiros. Houve caso de eu ficar empolgado com o que escreviam.
[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”17″] “Quando se fala da universidade, é a possibilidade de observar e ajudar a desenvolver a produção poética dos próprios alunos. Chegam timidamente, com receio de mostrar o que já escreveram, mas depois viram parceiros. Houve caso de eu ficar empolgado com o que escreviam.”[/perfectpullquote]
Parece que pouca gente lê poesia hoje. Por que acha que isso ocorre?
Marcos de Carvalho: O poeta Paulo Leminski, num texto teórico também lá dos anos de 1980, foi muito feliz ao classificar a poesia como um “inutensílio”. O que queria dizer é que ela realmente não tem um valor de uso, não serve, em tese, para nada. Veja que outras artes se tornaram bastante rentáveis: muita gente ganha dinheiro com música, pintura, cinema e até teatro. Sobre isso, brinco com os alunos que alguns dos nossos grandes sambistas, no tempo do Noel Rosa, vendiam um samba para comprar o almoço. E sugiro que tentem vender um poema…
Sobre as pessoas lerem pouco poesia, há alguns aspectos a considerar. Com a Internet e as redes socias, há jovens poetas que têm leitores aos milhares. Já a tiragem de livros de poetas consagrados dificilmente chega aos mil exemplares. Então, penso que o problema, de fato, é o exaurimento da capacidade de as pessoas consumirem arte de qualidade. As pessoas leem pouco poesia como ouvem pouco música boa, assistem pouco a bons filmes, leem pouco bons romances… Há um enorme esfacelamento, uma desconstrução do edifício artístico e cultural erguido pela humanidade. Reconheço que isso até possa ser sintoma de renovação, mas me reservo o direito ao pessimismo.
Você vê alguma função social para a poesia? Considera que essa função mudou, ultimamente?
[perfectpullquote align=”left” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”17″] “Penso que a poesia não tem de ter uma função social, ela pode exercer uma função social, segundo a intenção consciente ou inconsciente daquele poeta. Portanto, fico meio acabrunhado com a centralidade impositiva do social, do político (ou qualquer outra) quando se refere às manifestações poética e artística em geral.”[/perfectpullquote]
Marcos de Carvalho: Eu e o Eloésio fizemos há tempos uma revista literária, “Pós-tudo”, e entrevistamos o concretista Augusto de Campos, hoje o maior poeta vivo brasileiro. Perguntamos o que um poeta podia fazer para ajudar a melhorar o mundo e recebemos uma resposta bem dura: “os poetas não têm de melhorar o mundo, têm de escrever poesia”. Demorei a concordar com isso, mas, hoje, penso que a poesia não tem de ter uma função social, ela pode exercer uma função social, segundo a intenção consciente ou inconsciente daquele poeta. Portanto, fico meio acabrunhado com a centralidade impositiva do social, do político (ou qualquer outra) quando se refere às manifestações poética e artística em geral.
Sobre se há alguma mudança na poesia hodierna quanto à participação política ou quanto à tentativa de intervir socialmente, penso que sim. Tivemos uma chamada “geração de 1990” na poesia, cujos valores se voltaram para a elaboração linguística, para uma maneira muito contida e rigorosa no trato com as palavras. Isso alijou bastante a discursividade pedida pelos temas sociais, políticos ou mesmo identitários. Vemos aflorar em nossos dias, em espaços alternativos e na Internet, uma poesia do discurso e da expressividade. Os slam de poesia são um bom exemplo disso.
O que espera da publicação de “Os Bugíadas” e que projetos tem, relacionados à produção literária, para o futuro?
Marcos de Carvalho: Os uaicais são uma espécie de conversa montada a posteriori, quer dizer, nenhum dos poemas foi escrito como resposta a outro, por isso penso que o diálogo implícito na leitura se torna ainda mais vivo e intrigante. O que pretendo com a publicação é que os possíveis leitores entrem nessa conversa, tomem partido, xinguem, deem risada.
Não sei quanto ao Eloésio, mas a minha necessidade de escrever poesia é maior do que a de publicar. Sou um daqueles inveterados poetas de gaveta (ou de HD, em tempos mais recentes). Apesar disso, tenho, sim, alguns livros que pretendo ver impressos. O tempo dirá.
Conheça a obra de Marcos de Carvalho acessando aqui.
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