A alface foi usada por pesquisadores da UNIFAL-MG como modelo para investigar como o pH influencia a toxicidade do resíduo de mineração de ferro. Os resultados do estudo indicam a necessidade de monitorar e corrigir o pH em áreas impactadas por rejeitos de mineração para garantir condições mais favoráveis para programas de reflorestamento e recuperação ambiental.
O trabalho foi conduzido por Fabrício José Pereira, professor e pesquisador da área de Fisiologia Vegetal do Instituto de Ciências da Natureza (ICN), e repercutido no mês de fevereiro na revista internacional Environ Sci Pollut Res. O artigo Iron mining tailing toxicity is increased by lower pH affecting lettuce seed germination, seedling early growth, and leaf anatomy (A toxicidade do resíduo de mineração de ferro é aumentada pelo baixo pH afetando a germinação, crescimento das plântulas e anatomia foliar de alface) contou também com a autoria dos biólogos formados pela UNIFAL-MG Fellipe Silva Gomes, Poliana Noemia da Silva e Carlos Henrique Goulart dos Reis (atualmente mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Botânica Aplicada na UFLA), e pelos acadêmicos Marcelo Ramos de Anchieta, Amanda Coletti Santolino e Kauê Shindi Dias Nakamura, do curso de Biotecnologia.
Desenvolvimento do estudo

Fabrício Pereira explica que quando falamos sobre os elementos químicos presentes no solo, não basta saber a quantidade total desses elementos ali. O que realmente importa para as plantas é a disponibilidade desses elementos, ou seja, o quanto as plantas conseguem absorvê-los. Isso porque os elementos podem estar retidos nas partículas do solo, tornando difícil para as raízes captá-los.
No caso do ferro (Fe) e do alumínio (Al), um fator que aumenta muito sua disponibilidade é um pH baixo (em torno de 5 ou menos), o que significa que o solo está um pouco ácido. Com isso em mente, o pesquisador formulou a hipótese de que, se o pH fosse reduzido, isso poderia alterar a toxicidade do resíduo estudado (que tem um pH em torno de 6). Ao testar essa ideia com a alface, os resultados confirmaram essa relação.
Para chegar aos resultados, o grupo realizou dois experimentos: um comparando a toxicidade do resíduo de mineração com areia (substrato inerte) e outro testando diferentes valores de pH. A fim de alterar o pH do resíduo, foram utilizados calcário (para aumentar o pH) e ureia (para reduzir o pH), substâncias de baixo custo e amplamente usadas na agricultura.
“Nós utilizamos uma variedade comum de alface usada para horticultura como modelo e utilizamos quatro valores de pH sendo 4, 5, 6 e 7. Foi necessário realizar exaustivos pré-testes para verificar como alterar o pH normal do resíduo (6) para reduzi-lo ou aumentá-lo”, comenta.
Principais achados

Os pesquisadores identificaram que o resíduo de mineração de ferro tem baixa toxicidade para a alface (Lactuca sativa L.) quando o pH é 6, que é considerado normal. No primeiro experimento, não houve impacto significativo na germinação das sementes nem na maioria dos aspectos do crescimento da planta, em comparação com a areia. A única exceção foi um ligeiro comprometimento do crescimento das raízes, mas, por outro lado, algumas características das folhas jovens (cotilédones) até apresentaram melhorias.
No entanto, quando as sementes foram expostas a pHs mais ácidos (4 e 5), elas não germinaram, ou seja, o crescimento foi completamente bloqueado. Já em pH 7 (levemente alcalino), algumas medições do crescimento das mudas foram reduzidas, mas não por toxicidade, e sim porque a disponibilidade de nutrientes essenciais diminui quando o pH passa de 6,5.
Esses resultados mostram que quanto mais ácido o ambiente, maior a toxicidade do resíduo de mineração de ferro. Isso acontece porque, em pHs mais baixos, certos metais presentes no resíduo, como ferro (Fe), alumínio (Al), cádmio (Cd) e chumbo (Pb), se tornam mais disponíveis e podem afetar negativamente as plantas.
Implicações ambientais

Conforme Fabrício Pereira, os achados do estudo são importantes para a recuperação de áreas degradadas pela mineração, pois indicam que antes de qualquer projeto de reflorestamento, é fundamental medir o pH do solo e do resíduo presente no local. “Em locais impactados por este tipo de poluente deve-se avaliar o pH antes de qualquer programa de reflorestamento e pode ser necessário corrigir”, afirma.
Os resultados mostram que é possível corrigir o pH de resíduo de mineração de ferro usando ureia ou calcário, algo inédito para este tipo de material: se o pH estiver abaixo de 6 (muito ácido), ele pode ser corrigido com calcário, ajudando a tornar o ambiente mais adequado para as plantas; da mesma forma, se o pH estiver 7 ou maior, pode ser reduzido com ureia, pois nesse caso alguns nutrientes essenciais se tornam menos disponíveis para o crescimento vegetal.
“É importante ressaltar que chuvas e matéria orgânica podem reduzir o pH dos solos e, se isso ocorrer com o resíduo de mineração, haverá um problema para ser corrigido nestes locais. Portanto, além de conhecimento básico, nosso artigo traz também aplicações reais para a recuperação ambiental”, complementa o pesquisador.
O pesquisador comenta que, possivelmente, os resultados também podem ser aplicados a resíduo de mineração de ferro de locais, como Brumadinho, por exemplo. “Usamos o resíduo de Mariana apenas como modelo e porque já trabalhamos com este poluente desde 2016, contudo, no caso de artigos científicos, temos que ser muito cuidadosos para não especular em cima dos dados. Nossa discussão e conclusão no artigo, são limitadas aos dados que possuímos e não sugerimos nada além, por considerarmos isso especulativo”, alerta.
Relevância
A pesquisa integra pesquisas anteriores do grupo voltados para os rejeitos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG. Intitulado Ecofisiologia de espécies vegetais com potencial para revegetação de áreas impactadas por rejeitos de mineração em função de variações em fatores ambientais secundários, o projeto foi aprovado na Demanda Universal da FAPEMIG, em 2021, com financiamento no valor de R$ 79.359,49.
“Este projeto foi essencial pois adquirimos vários equipamentos necessários para o estudo. Entretanto, para estabelecer o protocolo de redução do pH, tivemos que fazer estes experimentos com alface antes de iniciar o experimento com aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolia Raddi) que estava prevista no projeto”, detalha.
Ao comentar como o estudo pode influenciar políticas ambientais, o pesquisador destaca a atuação da FAPEMIG no apoio ao projeto, bem como o investimento em bolsas de IC dos discentes envolvidos (da FAPEMIG, CNPq e institucionais da própria UNIFAL-MG), além da bolsa de produtividade em pesquisa concedida pelo CNPq.
“Este artigo demonstra como é importante o investimento em pesquisa para se entender estes fatores e impactos dos desastres ambientais, bem como desenvolvermos tecnologias para corrigir tais problemas. Devo destacar o quanto tais órgãos e instituições são importantes para a ciência e tecnologia no Brasil e que repercutem em nível mundial, como demonstrado pela publicação do nosso artigo em uma revista de excelência. Somos gratos a estas instituições e esperamos um investimento cada vez maior do governo e dos gestores para continuarmos produzindo ciência de relevância mundial”, finaliza.
Para conferir o estudo na íntegra, acesse neste link, o artigo publicado na revista internacional Environ Sci Pollut Res