Segundo o Ministério da Saúde, o índice médio de vacinação no Brasil está em 67%. Esse número, abaixo do ideal, reforça a necessidade de conscientização sobre a eficácia das vacinas, que contribuem para a saúde pública ao proteger crianças, jovens, adultos e idosos. Para falar sobre o assunto, a Diretoria de Comunicação Social conversou com o professor Leonardo Augusto de Almeida, do Instituto de Ciências Biomédicas, e com o médico Evandro Monteiro de Sá Magalhães, do Centro Integrado de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho (CIAST), ambos coordenadores da Liga Acadêmica de Alergologia e Imunologia (LAAI). A entrevista aborda temas como movimento antivacina, reações à imunização, tecnologia na produção de vacinas e Plano Nacional de Imunizações (PNI). Confira:
A pandemia de covid-19 colocou algumas questões relacionadas à imunização em pauta, como a eficácia das vacinas e de um “movimento” antivacina. Essa resistência em se vacinar é algo que ocorre apenas em relação à vacina contra a covid-19?
Leonardo Augusto de Almeida: Não. Infelizmente, esse movimento já acontece há anos. Em 1880, em Londres, foi fundada a Sociedade de Londres para a Abolição da Vacinação Obrigatória, que contava com mais de 10.000 membros. No Brasil, em novembro de 1904, houve a Revolta da Vacina contra a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Contudo, nos últimos anos, esse movimento tem tomado força com a propagação de informações rápidas e de longo alcance, que são, muitas das vezes, erradas ou mal interpretadas por grupos específicos antivacinas.
Vemos sempre campanhas de vacinação para crianças com destaque nos meios de comunicação e em unidades de saúde. É importante que os pais acompanhem a vacinação dos filhos regularmente? Por quê?
Evandro de Sá Magalhães: A história da imunização pode ser considerada um dos mais importantes capítulos da medicina preventiva, principalmente na área pediátrica. Diante do sucesso consolidado por forte evidência científica, ao longo das décadas prevenindo milhares de mortes, a vacinação tornou-se um dever do Estado e Direito das crianças. Assim, os pais possuem um papel fundamental nesse processo, ao acompanhar e seguir o programa Nacional de Imunização, garantindo e mantendo atualizada a carteira vacinal de seus filhos.
[perfectpullquote align=”left” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=””] As vacinas são disponibilizadas gratuitamente na rede de imunização pública, e a negação desta estratégia sem dúvida gera recrudescimento de doenças e, infelizmente, aumento de morbimortalidade por doenças preveníveis”, explica o médico Evandro de Sá Magalhães. [/perfectpullquote]
É importante estar atento à vacinação de pessoas adultas? Ou, quando comparado com as crianças, a vacinação é mais restrita mesmo?
Evandro de Sá Magalhães: A implementação de programas de imunização em adultos, principalmente na faixa geriátrica, vem sendo progressivamente incentivada e entendida para que se possa chegar ao sucesso tal qual acontece com a população pediátrica. Torna-se cada vez mais necessário expandir esse conceito de que a imunização do adulto é uma estratégia fundamental para reduzir a morbimortalidade de doenças preveníveis nessa faixa etária.
Por que, em alguns casos, não há oferecimento de vacinas para pessoas adultas? A vacina contra meningite, por exemplo…
Evandro de Sá Magalhães: Os programas de imunização também levam em consideração a vacinação em situações especiais em virtude dos aspectos imunológicos específicos dessa população. Como exemplo, podemos citar os programas de vacinação em adultos e idosos, gestantes, viajantes, profissionais da área de saúde e imunossuprimidos.
Em sua experiência em consultório problemas e doenças originadas por conta da falta de vacinação são frequentes?
Evandro de Sá Magalhães: Todos os médicos, ou melhor, todo profissional da área de saúde, seja no ambiente de rede pública, seja na rede privada, devem sempre aproveitar toda oportunidade possível para reforçar a necessidade da vacinação em todas as faixas etárias. As vacinas são disponibilizadas gratuitamente na rede de imunização pública, e a negação desta estratégia sem dúvida gera recrudescimento de doenças e, infelizmente, aumento de morbimortalidade por doenças preveníveis.
[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=””] “A vacinação é um processo de imunização ativa que faz com que nosso sistema imunológico seja capaz de agir ao agente estranho”, explicou o Prof. Leonardo Augusto de Almeida [/perfectpullquote]
Há algum problema em se vacinar mais vezes do que o indicado?
Leonardo Augusto de Almeida: Como qualquer tipo de profilaxia, as vacinas possuem recomendações, tanto dos fabricantes quanto das agências reguladoras, que em ensaios clínicos definem a quantidade de doses/reforços e o tempo entre elas para manutenção da memória imunológica de proteção à doença.
A tecnologia utilizada para produção de vacinas é a mesma?
Leonardo Augusto de Almeida: Com o advento das novas tecnologias no setor biotecnológico, as vacinas podem ser produzidas utilizando diversas estratégias. São elas:
- O microrganismo causador da doença inteiro morto ou inativado: coqueluche, poliomielite (Salk), influenza, raiva, hepatite A e atualmente algumas contra a covid-19;
- O microrganismo vivo atenuado: tuberculose (BCG), poliomielite (Sabin), varicela, sarampo, caxumba e rubéola (constituintes da vacina tríplice viral), contra o Ebola vírus e contra a febre amarela;
- As vacinas de toxóides, em que a toxina do microrganismo é isolada e modificada para não causar a doença: difteria e tétano;
- As vacinas de vetores virais recombinantes, em que um vírus não patogênico carrega uma porção de outro microrganismo causador da doença: vacinas recombinantes para hepatite B e para Neisseria;
- As vacinas de DNA e RNA, em que a parte do DNA ou o RNA do agente causador da doença é usada para transportar às células as instruções de partes capazes de induzir a resposta imune protetora. Com o avanço do financiamento das pesquisas, devido à pandemia causada pelo novo coronavírus, hoje há vacinas comerciais de RNA mensageiro que carrega a informação da proteína Spike do vírus.
É normal ter alguma reação quando tomamos alguma vacina? Quais reações são mais comuns?
Leonardo Augusto de Almeida: Toda vacina deve prover alguma reação no nosso organismo. A vacinação é um processo de imunização ativa que faz com que nosso sistema imunológico seja capaz de agir ao agente estranho. Essa reação pode ser despercebida em alguns casos. Algumas formulações vacinais precisam de adjuvantes que são componentes importantes para aumentar a intensidade da resposta imunológica, proporcionando um melhor direcionamento do tipo de resposta que a vacina deve nos dar. Esses adjuvantes podem aumentar as reações, sendo as mais comuns dor no local da aplicação, vermelhidão e febre baixa.
A vacinação é garantia de não contrair a doença? Ou isso pode ocorrer, mesmo em pessoas vacinadas?
Leonardo Augusto de Almeida: De forma alguma. As vacinas nos protegem para que, quando o causador da doença entra no nosso corpo, tenhamos os componentes imunológicos necessários para não desenvolvermos a doença. Muitas vezes a resposta ocorre e nem percebemos, mas o causador da doença tentou nos infectar sem sucesso devido à eficiência da vacina em gerar uma resposta protetora.
Podemos dizer que brasileiro já possui uma cultura de se vacinar e vacinar os filhos?
Evandro de Sá Magalhães: Sem dúvida a cultura de se vacinar foi construída e fortalecida através de décadas de ciência e tecnologia, e principalmente no reconhecimento de sua importância pela maioria da população.
O que é o Plano Nacional de Imunizações (PNI)? Por que é importante se atentar a este cronograma e manter a caderneta de vacinação atualizada?
Evandro de Sá Magalhães: O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi formulado e instituído na década de 1970 por determinação do Ministério da Saúde, sendo responsável pelas diretrizes e planejamento descentralizado das ações das redes estaduais e municipais de vacinação.
É considerado um dos maiores e bem sucedidos programas de imunização do mundo, oferecendo mais de 40 diferentes tipos de imunizantes. Assim, é fundamental orientarmos que se mantenha atualizada a carteira de vacinação em todas as faixas etárias.
Como fortalecer estratégias e campanhas informativas sobre vacinação para todas as faixas etárias? As universidades têm um papel significativo nesse processo?
Leonardo Augusto de Almeida: Com informações verdadeiras no combate às fake news. Essas fake news são espalhadas de forma muito rápida e contundente, levando a população a acreditar em mentiras. Uma estratégia de fortalecimento da cultura de informar verdadeiramente sobre as vacinas deve começar no nosso próprio meio, na nossa própria casa. Discussões saudáveis e busca por respostas sérias em agências de renome na área de imunologia e vacinologia devem guiar para sanar nossas dúvidas. A universidade é um local onde se deve discutir sobre os assuntos, e projetos de pesquisa e extensão devem ser criados para acessar as comunidades de dentro e de fora da universidade para que as dúvidas sejam sanadas sobre a vacinação.