
Nos últimos meses, a Reforma Administrativa voltou a fazer parte do debate público brasileiro, com a criação de um Grupo de Trabalho (GT) encarregado de construir uma proposta sobre o tema na Câmara dos Deputados. Instalado em 27 de maio, o GT realizou audiências públicas e reuniões, com o objetivo declarado de ouvir diversos setores da sociedade.
Na prática, entretanto, a ampla maioria das opiniões levadas aos parlamentares veio de especialistas, políticos e representações empresariais favoráveis à Reforma, que tiveram amplo espaço para reafirmar o argumento de que seria necessário “modernizar” o Estado para torná-lo mais “eficiente” na prestação de serviços públicos. As entidades sindicais de servidores e servidoras, por outro lado, tiveram espaço bastante reduzido, podendo se manifestar em apenas uma audiência pública, pelo tempo de três minutos.
Modernizar ou precarizar os serviços públicos?
A Constituição de 1988, elaborada em um momento de forte mobilização sindical de servidores e servidoras, resultou na estruturação de uma administração pública profissional, cuja principal tarefa era a efetivação dos direitos sociais. Para tanto, foi criado o Regime Jurídico Único (RJU), que estabeleceu a contratação por concurso público, a estabilidade funcional e a existência de planos de carreira. Tais elementos são fundamentais para garantir o recrutamento de profissionais qualificados, a independência dos servidores frente a pressões políticas e a continuidade da prestação dos serviços, independentemente dos governos de ocasião.
Estes princípios vêm sendo sistematicamente atacados por diferentes propostas de Reforma Administrativa desde então. A mais recente delas, a PEC 32 – derrotada pela mobilização de servidores e servidoras em 2021 -, tentava acabar com a estabilidade da maioria das carreiras, incluindo professores e servidores técnico-administrativos em educação (TAEs). Além disso, modificava a Constituição para inserir o conceito de “Estado subsidiário”, estabelecendo que a prestação de serviços públicos deveria ser feita, principalmente, por entidades privadas.
Embora os parlamentares que fazem parte do GT da Reforma Administrativa tenham adotado o discurso de que a proposta atual é diferente da PEC 32, vários elementos apontam para o mesmo efeito: fragilização da estabilidade, precarização do trabalho de servidores e servidoras e diminuição da capacidade do Estado na prestação de serviços.
A Reforma Administrativa e as Universidades Públicas
O GT encerrou seus trabalhos em meados de julho. Quase um mês depois, o relatório e as peças legislativas resultantes de seu trabalho ainda não são conhecidas do público, embora tenham circulado em eventos de lobby empresarial e reuniões privadas de políticos com representantes do mercado. Apesar disso, já é possível antecipar algumas medidas pelos pronunciamentos e entrevistas de parlamentares integrantes do grupo: ampliação de contratos temporários, que podem ter duração de até dez anos; flexibilização das formas de contratação, reduzindo o número de concursos públicos para o recrutamento de servidores estáveis; unificação de tabelas salariais, atacando os planos de carreira; e regulamentação da demissão por avaliação de desempenho.
Caso aprovada desta maneira, a Reforma Administrativa teria enorme impacto no funcionamento das universidades públicas, que, para que possam cumprir bem seu objetivo – produzir ensino, pesquisa e extensão de forma pública, gratuita e com qualidade -, precisam de um corpo de TAEs e docentes estáveis. A produção científica não é feita sob demanda, just-in-time, como querem os defensores da adoção da lógica empresarial pelo Estado. Exige planejamento e ações de médio e longo prazo, condições que só podem ocorrer através do trabalho de servidoras e servidores que permaneçam por um longo período na instituição, fazendo ali suas carreiras.
Além do mais, a experiência recente nos mostrou como restrições orçamentárias impostas por governos podem ter impacto significativo no funcionamento das universidades, chegando a quase inviabilizá-lo. O que garantiu que continuassem de portas abertas foi a estabilidade dos servidores, que continuaram a fazer ensino, pesquisa e extensão em seu cotidiano, apesar de todas as dificuldades.
Diante de tudo isso, a resposta à pergunta que dá título a esse texto é: sim, precisamos nos preocupar com a Reforma Administrativa! Dados todos os possíveis impactos em nosso cotidiano e em nossas perspectivas futuras, é fundamental que a comunidade universitária acompanhe sua tramitação e se mobilize para participar dos debates.

Rafael Martins Neves é técnico em assuntos educacionais da UNIFAL-MG, lotado na Agência de Inovação e Empreendedorismo (i9). Graduado em História e mestre em Educação, o servidor integra o movimento “Taes na Luta”.
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