Violência no ambiente de trabalho doméstico também é violência doméstica, alerta pesquisa de mestrado em Gestão Pública e Sociedade

Violência praticada por empregadores contra trabalhadoras domésticas pode ser interpretada como violência doméstica conforme a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
Imagem ilustrativa. (Foto: Reprodução/Canva Education)

O Brasil está entre os países com o maior número de pessoas empregadas no trabalho doméstico remunerado, e esta atividade é marcada por profundas relações de classe, raça e gênero. Ao abordar as situações de violência enfrentadas por trabalhadoras domésticas em seus ambientes de trabalho, pesquisadoras da UNIFAL-MG identificaram relações de exploração, precarização, desvalorização e opressão. “Esses são aspectos que remontam ao período colonial e que ainda se manifestam nas dinâmicas contemporâneas de trabalho”, afirmam.

Aline Lourenço de Oliveira – pesquisadora e professora que orientou o estudo, e Patrícia Marques de Oliveira – acadêmica que desenvolveu a pesquisa de mestrado. (Foto: Arquivo/ Patrícia Oliveira)

A investigação faz parte da pesquisa intitulada Análise do relato de uma trabalhadora doméstica de Varginha sobre as violências que sofreu no ambiente de trabalho da acadêmica Patrícia Marques de Oliveira, desenvolvida em sua dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade (PPGPS) da UNIFAL-MG, sob a orientação da professora Aline Lourenço de Oliveira.

O trabalho integra o projeto de pesquisa com interface em extensão “Escrevivências Femininas: Traçando Linhas em Educação, Direitos Humanos e Políticas Públicas em Varginha-MG“, promovido pelo Grupo de Pesquisa de Gênero pela Não Intolerância (GENI-UNIFAL/MG) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Conforme a autora, em 2024, o GENI promoveu oficinas de extensão no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Varginha. Por meio das interações, foi possível identificar, entre as participantes, uma que possuía uma trajetória de vida marcada pelo trabalho doméstico remunerado. Com a finalidade de preservar a real identidade dessa mulher, ela foi identificada na pesquisa como “Nina Simone”, em alusão à cantora, compositora, pianista e ativista estadunidense de mesmo nome, cuja trajetória foi marcada pela resistência e superação.

O relato de “Nina Simone” foi registrado em uma entrevista semiestruturada, em março de 2025. Em seu depoimento, foram identificadas as condições de trabalho e as situações que vivenciou quando atuou como trabalhadora doméstica. Aos 72 anos, está aposentada e reconhece ter sofrido violência sexual no ambiente de trabalho. Contudo, outras violências, como a patrimonial, foram veladas por vínculos afetivos estabelecidos com os empregadores.

Nina Simone – cantora, compositora, pianista e ativista estadunidense, que inspirou o nome dado à trabalhadora doméstica de Varginha na pesquisa. (Imagem: Reprodução/The Official Home of Nina Simone)

A narrativa de “Nina Simone” foi complementada com outros dados, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A partir disso, foi possível perceber que a violência sofrida no ambiente de trabalho não é um fenômeno isolado, mas uma consequência direta da forma como as estruturas sociais e econômicas se organizam e se reproduzem historicamente.  “O fato de ‘Nina Simone’ ser mulher, negra e estar em situação de vulnerabilidade socioeconômica a expôs às mais variadas formas de violência”, salientam as pesquisadoras.

O estudo colabora com as pesquisas sobre o trabalho doméstico no Brasil, uma vez que denuncia e categoriza as atitudes de empregadores como violência doméstica, com base no exposto pela Lei Maria da Penha.

“Isso é importante para aumentar a proteção dessas mulheres, enquanto uma categoria profissional, as quais tiveram seus direitos trabalhistas negados por tanto tempo e encontram-se ainda expostas a múltiplos abusos naturalizados e ocultados pela afetividade. Ou seja, a ideia de que a trabalhadora ‘é como se fosse da família’ faz parecer que há uma situação igualitária de afetividade e correspondente ajuda mútua, o que, na prática, serve para encobrir relações de exploração”, explicam.

Segundo as pesquisadoras, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) consiste no principal mecanismo de defesa e de combate à violência contra as mulheres no Brasil. Esta é uma legislação recente, visto que as mulheres passaram a contar com esse dispositivo legal apenas a partir de 2006. As formas de violência tipificadas são as violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. “Essas violências se manifestam de maneira particular no contexto das trabalhadoras domésticas, pois são praticadas pelo empregador ou por membros de sua família, como: empurrões e tapas no caso da violência física; enquanto humilhações e xingamentos são violência psicológica; gestos obscenos ou cantadas entram como violência sexual; controle sobre salários, documentos e pertences da trabalhadora configuram violência patrimonial; e por fim, a violência moral, que ocorre quando a trabalhadora sofre ofensas e difamações”, detalham.

As pesquisadoras destacam também a importância da pesquisa como instrumento de conscientização e fortalecimento da capacidade de essas trabalhadoras reconhecerem seus direitos e buscarem proteção. “Esta pesquisa colabora com a sociedade ao se posicionar como uma ação de enfrentamento da violência contra as mulheres por meio da divulgação do potencial que a Lei Maria da Penha tem para proteger trabalhadoras domésticas”, pontuam, ao acrescentar que ações dessa natureza possibilitam que a rede municipal de proteção às mulheres seja acionada para amparar trabalhadoras domésticas e punir empregadores, para além das questões trabalhistas.

Registros de oficinas promovidas pelo Grupo de Pesquisa de Gênero pela Não Intolerância (GENI) da UNIFAL-MG, oportunidades que permitiram identificar a trajetória da participante da pesquisa. (Fotos: Arquivo/Patrícia Oliveira)

O primeiro desdobramento desta pesquisa, para Patrícia Marques de Oliveira, foi a conclusão do seu curso de mestrado no PPGPS. A autora considera que o mestrado foi uma importante conquista que tem contribuído fortemente para o seu desenvolvimento profissional.  Atualmente, Patrícia Oliveira atua como professora de educação básica vinculada à Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e à Cooperativa de Ensino e Cultura de Três Corações. Ela ingressou no PPGPS por meio do programa do Governo do Estado de Minas Gerais, Trilhas de Futuro, voltado aos servidores da educação do Estado de Minas Gerais (Resolução SEE nº 4834/2023).

Outros desdobramentos desse trabalho envolvem a apresentação dos resultados da pesquisa em eventos acadêmicos e publicações em periódicos científicos da área.

Vitoria Gabriele Souza Geraldine é acadêmica do curso de Medicina da UNIFAL-MG e bolsista do projeto +Ciência, cuja proposta é fomentar a cultura institucional de divulgação científica e tecnológica. A iniciativa conta com o apoio da FAPEMIG por meio do Programa Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia para desenvolvimento.

*Texto elaborado sob supervisão e orientação de Ana Carolina Araújo

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