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História Social da Beleza Negra, de Giovana Xavier, por Daniela Freitas e Lívia Monteiro | Jornal UNIFAL-MG

História Social da Beleza Negra, de Giovana Xavier, por Daniela Freitas e Lívia Monteiro


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Mãe do Peri, professora na Faculdade de Educação da UFRJ, ativista científica: é assim que a Professora Doutora Giovana Xavier – @pretadotora, como é conhecida no Instagram – se apresenta em sua rede social, que tem mais de 30 mil seguidores. Em entrevista[1], a professora explica que a expressão Preta Dotora é uma brincadeira com o imaginário da sociedade brasileira. Ao empregar as palavras “preta” e “dotora” (grafada sem a letra “u” de propósito), ela diz juntar dois antônimos: “preta” remeteria a um imaginário de inferioridade e objetificação, enquanto “dotora” seria um título comumente atribuído a um sujeito de conhecimento. O resultado da associação dessas duas palavras, declara Xavier, citando versos de Cristiane Sobral, é provocar no interlocutor a espera do inesperado. A criação dessa identidade, afirma a professora, abre a possibilidade de uma universidade mais representativa das classes trabalhadoras, um espaço que Giovana vem habilmente construindo e ocupando ao longo de sua trajetória.

Preta Dotora surgiu em 2013, quando, um dia depois de ter sido aprovada como professora efetiva de Didática Especial e Prática de Ensino de História da Faculdade de Educação da UFRJ, a historiadora acompanhava um seminário sobre o fim da escravidão no Brasil, Estados Unidos e Rússia, que, apesar do tema, contava com apenas uma pesquisadora negra em sua programação. Foi então que Giovana Xavier decidiu criar um blog onde pudesse denunciar situações semelhantes e propor mudanças. Os textos publicados em “Preta Dotora na primeira pessoa” circularam dentro e fora da comunidade acadêmica, onde viralizaram. Apesar de não ter sido inicialmente concebido com essa intenção, seu blog a alçou à condição de intelectual e historiadora pública, um papel que ela continua desempenhando até hoje na universidade e nas redes.

Fazendo uso criativo da margem que ocupa, Giovana é criadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras UFRJ, é líder apoiada pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras Marielle Franco, do Fundo Baobá de Equidade Racial, e tem diversos livros publicados. Entendendo a contação de histórias como uma importante forma de produção de conhecimento epistêmico para comunidades negras, ela conta histórias do ponto de vista de mulheres negras na produção científica. Seu mais recente livro, História Social da Beleza Negra, foi lançado pela editora Rosa dos Tempos em agosto de 2021. Fruto da sua tese de doutorado, defendida na Unicamp, em 2012, o formato e a linguagem do trabalho foram adaptados pela autora para atender aos seus objetivos de promover discussões que se estendam para além dos muros da universidade. O resultado é uma experiência de leitura arrebatadora.

A partir de documentos pesquisados no Arquivo Schomburg (um dos mais respeitados centros de pesquisa, preservação e exibição de materiais sobre as experiências afro-americanas, africanas e da diáspora africana, localizado no Harlem, em Nova Iorque), Giovana analisa a história da cosmética da beleza negra afro-americana na virada do século XIX e início do século XX, com as presenças e trajetórias marcantes de mulheres negras conhecidas como “empresárias da raça”, como Madam C. J. Walker e Annie Malone, grandes responsáveis pela construção de um mercado de beleza negra nos Estados Unidos naquele período. Ancorado nos debates da história social e em teóricas e teóricos fulcrais, seu livro apresenta produtos, marcas e ferramentas utilizadas pela população negra afro-americana para construir a indústria da beleza negra, frente à sociedade estadunidense marcada pelo racismo, pelas teorias eugênicas e pelos linchamentos existentes na primeira metade do século XX. Alguns desses documentos figuram em um cuidadoso encarte central, com fotografias, recortes de jornais e revistas, selos, anúncios, catálogos dos produtos, manuscritos e outras fontes pesquisadas por Xavier no arquivo estadunidense, comentados e analisados na perspectiva apresentada pela autora, com intuito de explorar o surgimento da indústria cosmética voltada especialmente para a mulher negra nos Estados Unidos.

Longe de se deixar levar por juízos de valor anacrônicos, a historiadora mostra como a proliferação de produtos para clarear a pele, alisar o cabelo e melhorar a aparência, produzidos e vendidos pelas “empresárias da raça” (e das narrativas ambíguas produzidas acerca desses mesmos produtos), apresenta significados mais complexos do que a indicação de um desejo de embranquecimento por parte das mulheres negras da época. Xavier argumenta que, apesar do padrão de beleza construído pela supremacia branca, com a intensificação do sistema Jim Crow de violenta segregação racial, o aumento da produção e do consumo de cosméticos especificamente voltados para mulheres negras se associava à busca dessas mulheres por respeitabilidade e mobilidade social e ao orgulho da beleza negra. Por trás do crescimento dessa indústria, transparecem os desejos que a impulsionam: o desejo do cuidado de si, o desejo de uma aparência que ajudasse mulheres afro-americanas a escapar das políticas eugenistas e segregacionistas da época (e dos riscos de vida que tais políticas representavam), o desejo da autodefinição da própria imagem, identidade e história.

É por isso que a capa do livro é um desenho do espelho de Oxum, orixá cultuada no candomblé, que está no Ori de Giovana. Em entrevista[2], Xavier explica que “a beleza, a beleza negra principalmente, é o domínio do poder de virar o espelho para você e também saber que o espelho precisa ser virado para o outro, para que esse outro possa se ver, talvez de uma maneira que nunca tenha se visto”. Quando prestamos atenção na dança de Oxum, além dos arquétipos, a professora explica, vemos que Oxum “não dança com o espelho parado: ela movimenta o espelho para a gente se ver. Então, eu acho que a beleza negra é o poder simultâneo de se ver e oferecer ao outro essa possibilidade”. A beleza negra seria, assim, “uma beleza de partilha, […] uma beleza física e espiritual também”, porque não é sobre a pessoa ser feia ou bonita, mas é “uma beleza que tem a ver com a liberdade da alma […] sobre alma livre, sobre criatividade, sobre talentos, sobre protagonismo, sobre autoria, que são coisas que todas nós temos dentro da gente”. História Social da Beleza Negra amplia os significados de beleza, revela que beleza é política, poder, partilha, liberdade e muito mais.

[1] https://www.youtube.com/watch?v=5MG06xqatlo

[2] https://www.portalafro.com.br/a-historia-social-da-beleza-negra-com-giovana-xavier/

Onde encontrar:

Editora Rosa dos Tempos. Grupo Record.

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