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A civilização pelo corno


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Mesmo quem não é grande admirador de Jorge Amado precisa reconhecer-lhe uma qualidade: o escritor baiano foi capaz de notável evolução desde seus primeiros romances, apoiados sobre bisonhos esquemas ideológicos atrelados ao realismo socialista ditado pela política “cultural” de Stálin e de seu ministro Jdanov, o congênere soviético de Goebbels. Recordemos que Amado, mesmo tendo chegado a ser amigo de José Sarney e Roberto Marinho, inicialmente granjeou fama como autor identificado ao Partido Comunista, pelo qual foi eleito deputado federal para a Constituinte de 1946.

Gabriela, cravo e canela (1958), seu maior sucesso, talvez represente o ponto de equilíbrio de uma carreira literária marcada por concessões excessivas ao gosto dos leitores pouco dispostos à concentração exigida pela grande literatura. Nesse romance campeão de adaptações para o cinema e a TV, publicado em dezenas de países e já perto da centésima edição brasileira, Jorge Amado fez convergirem suas principais qualidades e ainda conseguiu eliminar alguns – não todos: o estilo continua um tanto relaxado – de seus antigos defeitos. O enredo faz justiça ao subtítulo “crônica de uma cidade do interior”, entrelaçando na Ilhéus natal do escritor as intrigas políticas da região cacaueira situada no sul da Bahia e uma curiosa história de amor.

O aposto que define Gabriela refere-se ao cheiro de seu corpo e à cor de sua pele. São eles que fazem o “árabe” Nacib (de fato um descendente de sírios) envolver-se sentimentalmente com a retirante que lhe aparecera, suja e, à primeira vista, feia, como candidata a cozinheira depois da deserção de Filomena, velha que lhe abastecia o bar de doces e salgados, além de preparar-lhe as refeições. Para surpresa de Nacib, a moça se revela – depois de tomar banho – uma verdadeira gata borralheira e autêntica fada ao fogão. O modesto bar Vesúvio começa a prosperar, e Gabriela mostra-se muito receptiva na primeira vez em que Nacib resolve meter-se em sua cama. Tornam-se amantes, começando um período de indizível felicidade para o comerciante.

Como a elite municipal frequenta o Vesúvio, logo se arma em torno da ventura doméstica de Nacib a rede de intrigas típica de uma cidade interiorana: fofocas sobre as vidas alheias, disputas políticas, esboços e tentativas de amores lícitos e ilícitos. Um dos primeiros fatos a galvanizar a opinião pública ilheense, nesse enredo, é o assassinato, por um dos coronéis do cacau, da mulher e do amante desta. Esse episódio está destinado a demarcar, no ambiente agronegocial (para cometermos um anacronismo) congenialmente machista, a fronteira entre a mentalidade antiga de Ilhéus e os novos tempos, em que um forasteiro capitalista ousa questionar o poder tradicional dos velhos plantadores de cacau, estabelecidos desde o “tempo dos barulhos” anteriormente tematizado pelo escritor baiano em Terras do Sem Fim (1943) e São Jorge de Ilhéus (1944), quando a posse do latifúndio cacaulista era obtida por meio de assassinatos encomendados e “caxixes”, ou seja, grilagem legalizada por agentes públicos corrompidos.

Nesse tabuleiro político, o principal pomo da discórdia se torna a insistência de Mundinho Falcão em providenciar a dragagem da barra de Ilhéus, que permitiria atracarem no porto da cidade navios de grande calado e, como consequência, tornaria possível a exportação direta do cacau produzido na região, cujos lucros ficavam, na maior parte, para a cidade da Bahia – hoje, Salvador. A discussão sobre a dragagem da barra opõe a visão moderna de Mundinho, moço de família paulista e cafeicultora, ao conservadorismo do principal líder político da região, Ramiro Bastos, cujos interesses convergiam com os do governo do Estado, ao qual interessava manter inviável a exportação do cacau a partir de Ilhéus.

Permeando os dois dramas, a vidinha miúda daquela cidade no ano de 1925, quando a abundante produção cacaueira, bem como os preços altos do produto, faziam prosperar a região e abundarem os adultérios de vária classificação. Mas, como regra, os adúlteros eram exemplarmente castigados, especialmente se se tratava de mulher casada, e no mínimo os amantes pilhados em flagrante tinham suas cabeças raspadas a navalha e eram expulsos da cidade. Toleravam-se, é claro, as teúdas e manteúdas de casas montadas pelos fazendeiros endinheirados, assim como pululavam as prostitutas de todos os preços.

O idílio de Nacib começa a declinar quando ele resolve casar-se com Gabriela. A moça, cuja simplicidade às vezes resvala o déficit intelectual, reluta em adaptar-se ao papel de mulher do comerciante em ascensão; para começar, odeia oprimir com sapatos os pés acostumados à longa marcha de retirante. Ouvir conferências proferidas por literatos de vocabulário incompreensível, então, nem pensar; Gabriela preferia ir ao circo com o preto Tuísca, empregado de Nacib, ou desfilar na folia de Reis.

Quanto ao marido, sua vaidade de pretendente a cacaulista o impede de compreender que a moça era uma potencial Bovary cabocla. O amor entre eles esfria na exata proporção do sucesso do bar Vesúvio, e Nacib um dia tem notícia de seus próprios chifres, logo em seguida pilhando Gabriela na cama com Tonico Bastos, emérito mulherengo e ninguém menos que seu padrinho de casamento, além de responsável por falsificar a certidão de nascimento de Gabriela, que não possuía sobrenome nem documentos. Contrariando seu furioso impulso inicial, Nacib apenas esbofeteia o comborço e expulsa de casa a adúltera. Mais tarde, um engenhoso amigo inculca-lhe a maneira eficaz de anular o casamento e, em vista disso, ninguém mais na cidade considera corno ao “turco”, pois as núpcias haviam deixado, retroativamente, de existir.

Entretanto, resta o problema de conseguir uma nova cozinheira, e esse novo conflito se alterna, no interesse do narrador, com o desenrolar das intrigas políticas do município com vistas à próxima eleição. No final, tudo dá certo para quase todos, voltando até mesmo Nacib e Gabriela à antiga paixão, e o mando político de Ilhéus passa pacificamente às mãos do progressista Mundinho Falcão. Os mais recentes cornudos municipais abrem mão de assassinar as traidoras, numa demonstração de que a mentalidade da região cacaueira ia evoluindo. E, significativamente, o livro termina com um pós-escrito que informa sobre a condenação do Coronel Jesuíno, primeiro homem na história local a ser sentenciado pelo assassinato de uma mulher e do amante. Na expressão sarcástica do narrador, por meio do qual Jorge Amado ironiza o provincianismo de seus conterrâneos, deixava de ser a maior das injúrias pertencer à “Confraria de São Cornélio”.

 

Título: Gabriela, Cravo e Canela
Autor: Jorge Amado
Gênero: Romance
Ano da edição: 2023
ISBN: 9786559213818
Selo: Companhia das Letras

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