Em nossa segunda entrevista com participantes do evento Divulgação Científica em Pauta, o Jornal UNIFAL-MG conversou com o jornalista Ricardo Sangiovanni, chefe da Assessoria de Comunicação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O jornalista é doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com período sanduíche na Texas State University (EUA), e mestre em Artes e Humanidades pelo programa Erasmus Mundus, com passagens por instituições de Portugal, Itália e Reino Unido. É graduado em Jornalismo pela UFBA, onde também atuou como assessor de comunicação da Reitoria entre 2019 e 2024.
Além do trabalho no jornalismo, o entrevistado é poeta, cronista e autor do livro “Aos trinta, síndico, Carlos e outras crônicas escolhidas”, premiado no IV Selo João Ubaldo Ribeiro da Fundação Gregório de Mattos, da Prefeitura de Salvador. Conheça a produção literária do entrevistado em Escrita Secreta.
Com essa formação e experiência vasta, o convidado participou das mesas “Divulgar é preciso: mídia e a divulgação da ciência” e “A divulgação da ciência no combate à desinformação e ao negacionismo” e trouxe reflexões sobre os desafios da comunicação pública da ciência no Brasil, o papel das universidades e da imprensa, e a necessidade de fortalecer estruturas institucionais de comunicação científica.

Recentemente, você participou do evento Divulgação Científica em Pauta, o qual colocou em pauta a importância da divulgação da ciência para sociedade. Qual a sua percepção sobre essa necessidade de ampliar o debate sobre divulgação pública da ciência nas Universidades até mesmo para o fortalecimento da democracia e da cidadania?
Ricardo Sangiovanni: Realizar esse debate, de modo geral, é fundamental em tempos de avanço de discursos negacionistas, nos quais a ciência é ora ignorada, ora descredibilizada, ora falsificada, sempre visando suscitar incertezas e incompreensões na população, especialmente nas pessoas mais vulneráveis do ponto de vista cultural, educacional e humanístico – gente que se pode encontrar em todas as classes sociais, não somente nas mais pobres. E realizá-lo nas universidades é sobremaneira importante, por duas razões. Primeiro, porque é preciso repelir todo tipo de dúvida acerca da relevância social da formação científica que as universidades oferecem à juventude, reafirmando o papel do pensamento crítico e do projeto de sociedade amparada no conhecimento que essas instituições representam. Segundo, porque, se as universidades são responsáveis por cerca de 95% do conhecimento produzido no país, a sociedade precisa e merece saber que conhecimento é esse e como ele se materializa, impacta ou dialoga com seu cotidiano.
Como você é jornalista da UFBA, portanto, com vivência do contexto das Universidades Federais, quais são os maiores desafios para a institucionalização da comunicação pública da ciência nas universidades?
Ricardo Sangiovanni: Entendo que o desafio maior é nivelar o status e o grau de prestígio das áreas de comunicação social nas estruturas administrativas das universidades. Toda universidade tem estruturas robustas de pesquisa, ensino, extensão, planejamento, administração; mas o mesmo não se verifica no caso das estruturas de comunicação. Para avançar concretamente nesse aspecto, seria interessante a realização de um estudo técnico indicando qual a configuração básica de um serviço universitário de comunicação social – quantos profissionais? Quais especialidades? quais serviços e equipamentos necessários? – , bem como um dimensionamento do investimento adequado para se atingir um patamar mínimo de solidez e entregas das áreas de comunicação. Hoje, as universidades têm estruturas de comunicação muito desiguais: algumas poucas são exemplares, com muitos profissionais, especialidades e grande respeito por parte de suas reitorias e comunidades; outras tantas, lamentavelmente, deixam a desejar, com pouca ou nenhuma autonomia, sobrecarga de tarefas, falta de especialidades e escassez de equipamentos. Nivelar essas estruturas seria uma medida fundamental para se criar um verdadeiro sistema universitário de comunicação pública da ciência.
Durante o evento, você participou da mesa “Divulgar é preciso: mídia e a divulgação da ciência”. Na sua visão, como os veículos de imprensa podem contribuir para uma divulgação científica mais acessível e de qualidade?
Ricardo Sangiovanni: A imprensa já é uma grande parceira das universidades em termos de divulgação científica, mas certamente é possível incrementar essa relação. Da UFBA, onde atuei até abril do ano passado, já era possível notar um aumento da procura por pesquisadores de fora do eixo Sudeste-Sul para entrevistas – um movimento salutar e que, a meu ver, partia muito mais da consciência dos colegas jornalistas do que propriamente da orientação de seus empregadores. Essa descentralização deve aumentar ainda mais, pois há cientistas de qualidade espalhados por todo o país. Mas a contribuição mais importante da imprensa seria um movimento de recuperação das editorias de ciência, cultura e arte dos veículos regionais e locais, de modo a ampliar o escopo de interesse e a regularidade do noticiário sobre ciência – que não pode se resumir a repercutir as grandes descobertas científicas, mas sim deve buscar acompanhar e noticiar o cotidiano da atividade científica.
É perceptível o distanciamento entre a linguagem acadêmica e a linguagem jornalística. Como jornalistas e cientistas podem se aproximar para construir narrativas mais compreensíveis ao público geral?
Ricardo Sangiovanni: Entendo que essa diferença de linguagem é natural, tendo em vista tratar-se de dois universos ancorados em objetivos bem diferentes. A linguagem acadêmica ou científica tem como principal objetivo a validação de realizações e descobertas científicas pelos pares acadêmicos – ou seja, um paper em um periódico científico é feito para que a comunidade científica de uma determinada área do conhecimento leia, compreenda e valide ou não o que está dito nele, com certo grau de profundidade e, consequentemente, de “ciframento”, atributos por vezes necessários para se avançar nas fronteiras do conhecimento. A linguagem jornalística aplicada à ciência serve a outro propósito: ela parte do conhecimento cientificamente validado (ou seja, dos papers ou artefatos científicos afins) para tentar comunicar aqueles resultados ao máximo de pessoas possível, independentemente da área de atuação ou grau de formação. São desafios diferentes, e cientistas e jornalistas ganham mais se entenderem que eles são complementares. O jornalista precisa estar disposto a comunicar de forma acessível, mas sem empobrecer ou desprezar o rigor da ciência que deseja comunicar; e o cientista precisa estar disposto a sair da chamada “torre de marfim”, e se colocar à disposição para tentar explicar mais uma vez seu trabalho aos jornalistas e, no limite, à sociedade. Logo, cientistas e jornalistas precisam uns dos outros.

Uma fala sua no evento chamou a atenção, em linhas gerais, você disse que os pesquisadores, eles próprios, não devem ser os responsáveis pela divulgação de suas pesquisas, além da comunicação científica por meio de artigos. Essa percepção não vai na contramão das atuais propostas de divulgação científica?
Ricardo Sangiovanni: Na sequência da resposta anterior, entendo que os pesquisadores não devem ser “os” responsáveis – no sentido de “os únicos” ou “os principais” responsáveis – por comunicarem suas pesquisas a públicos mais amplos, justamente porque entendo que a atividade comunicacional é mais específica do que se costuma fazer parecer. É claro que se um/a pesquisador/a tiver carisma, talento, vontade e tempo para se tornar um influencer nas mídias sociais ou cultivar relações com profissionais da imprensa, isso deve ser aplaudido e estimulado. Mas, ora, não é justo cobrar carisma, talento, vontade e tempo para essa atividade de 100% dos pesquisadores – por outro lado, devemos, sim, esperar que 100% de suas pesquisas sejam potencialmente objeto de divulgação científica. Então, do ponto de vista da gestão pública, parece-me muito mais razoável pretender que as instituições fortaleçam suas estruturas de comunicação social e garantam que haverá equipes jornalísticas suficientes em quantidade e competência para cobrir toda a pauta científica de uma universidade ou de uma agência de fomento, do que pretender que todos os cientistas se qualifiquem como comunicadores e assimilem mais essa atividade – além das tantas que já desempenham. Além do mais, parece-me que nesse discurso de que “todo cientista tem que se tornar um divulgador” está embutida uma indesejada naturalização de que o trabalho de divulgar ciência pode ser feito por qualquer um – um argumento usado inclusive para justificar o baixo investimento na profissionalização da comunicação, que tanto reclamamos. O papel fundamental e obrigatório do cientista é pesquisar; em termos de divulgação, sua obrigação é de se colocar à disposição de profissionais e estruturas institucionais de comunicação social, não necessariamente de ter uma atividade própria, regular e eficaz de divulgação científica.
Na sua experiência, que tipos de formatos ou abordagens midiáticas têm mais sucesso na popularização da ciência? De que forma o CNPq tem incorporado a comunicação pública da ciência em suas diretrizes e políticas institucionais? O CNPq tem apoiado financeiramente iniciativas de divulgação científica? Há editais ou programas específicos voltados à comunicação pública da ciência?
Ricardo Sangiovanni: Popularização da ciência é uma ideia ampla e que desemboca em ações das mais diversas. O maior instrumento de popularização da ciência é, a meu ver, a iniciação científica realizada pelas universidades e institutos de pesquisa, em larga medida por meio de bolsas oferecidas pelo CNPq – as quais, aliás, respondem por cerca de metade de todo o orçamento investido anualmente em bolsas de todas as modalidades pelo órgão. Digo isso por entender que a efetiva popularização da ciência está no estímulo contínuo à atração de jovens talentos das escolas e universidades à carreira científica. Infelizmente, essa é uma ação menos “midiática” do que deveria, se lembrarmos que, no triênio 2024-2027, o CNPq vai investir cerca de R$ 1 bilhão na oferta de aproximadamente 40 mil bolsas de iniciação científica em todo o país – uma ação que poucos países no mundo realizam. Outras ações mais midiáticas são também fundamentais: as olimpíadas do conhecimento, que têm apoio do CNPq em mais de 50 modalidades; feiras e eventos acadêmico-científicos, objeto de chamadas anuais do CNPq; equipamentos públicos, como planetários e museus, que costumam também ser alvo de chamadas. Em relação à comunicação pública da ciência realizada por meio do jornalismo, reconheço aí uma lacuna, que o CNPq pretende preencher por meio de uma ação articulada com parceiros de mídia do jornalismo independente e do jornalismo universitário voltada a ampliar substancialmente a produção de notícias sobre resultados das pesquisas – e as narrativas humanas por trás delas – financiadas pelo Conselho. Essa ação está sendo desenhada e dependerá de disponibilidade orçamentária para ser realizada.
Como o CNPq tem trabalhado para valorizar a atuação de comunicadores e jornalistas que se dedicam à divulgação científica?
Ricardo Sangiovanni: O CNPq mantém uma relação amistosa e de abertura a comunicadores e profissionais da imprensa. Recentemente, temos investido em comunicar chamadas públicas, do lançamento aos resultados, com maior riqueza de dados e análises, variáveis importantes para quem vive de noticiar ciência. Temos ampliado nossa presença nas redes sociais, especialmente no Instagram, e criamos um canal de notícias no Whatsapp, onde todos os conteúdos são postados. E por fim, não podemos esquecer que o primeiro e maior prêmio à divulgação científica no Brasil é realizado desde 1978 pelo CNPq: o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, que está na 45ª edição e premia anualmente instituições e profissionais que se destacam na área.