Detector de partículas construído com a colaboração de pesquisadores da UNIFAL-MG identifica as primeiras interações de neutrinos

Após quase uma década em desenvolvimento, o projeto SBND entrou em operação neste mês de setembro
Gustavo Valdiviesso - professor e pesquisador da UNIFAL-MG - utilizando equipamento de metrologia para calibrar o sistema de alinhamento à laser que desenvolveu para SBND em registro feito em 2017. (Foto: Arquivo/Gustavo Valdiviesso)

O novo detector de partículas do Fermilab – laboratório especializado em física de partículas de alta energia do Departamento de Energia dos Estados Unidos – entrou oficialmente em operação, com suas primeiras análises já apontando para observações no campo da física de partículas. Conhecido como SBND (Short-Baseline Near Detector), o projeto de detector de neutrinos vem sendo desenvolvido há quase uma década e envolve uma colaboração internacional de 250 cientistas, dentre os quais pesquisadores da UNIFAL-MG.

Como um dos cientistas do projeto, Gustavo Valdiviesso afirma que a importância do SBND pode ser resumida por sua alta taxa de detecção e pela possível descoberta de um quarto neutrino. Na imagem de 2018, o pesquisador aparece trabalhando no teste vertical, em escala, da eletrônica de SBND. (Foto: Arquivo/Gustavo Valdiviesso)

Desde 2015, a UNIFAL-MG é parte essencial do projeto, contribuindo com simulações e com a descrição geométrica dos componentes do experimento, fundamental para projetar a sua construção. Conforme explica o físico Gustavo do Amaral Valdiviesso, professor do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da UNIFAL-MG Poços de Caldas, e um dos cientistas a integrar a equipe do projeto, a importância do SBND pode ser resumida por sua alta taxa de detecção e pela possível descoberta de um quarto neutrino.

“O SBND é um detector colocado muito próximo de uma fonte de neutrinos muito intensa e muito brilhante, e apesar de toda a dificuldade que nós temos de detectar um neutrino, ali naquele ponto, naquele detector, nós veremos algo entre 3.000 e 5.000 neutrinos por dia”, afirma.

Segundo o pesquisador, normalmente experimentos de física de neutrinos podem funcionar por até 20 anos para acumular cerca de 200 neutrinos, no entanto, o SBND tem capacidade de detecção muito maior. “No primeiro dia de operação, ele detectou já cerca de 5.000 neutrinos e assim vai continuar sendo todo dia de operação dele e nós vamos acumular o maior banco de dados de interação de neutrinos já feito”, destaca.

Exibição de uma interação candidata de neutrino de múons observada pelo detector: quando um neutrino entra no SBND e interage com um núcleo de argônio, ele cria um spray de partículas carregadas que o detector registra. Os físicos podem então trabalhar para trás a partir dessas partículas secundárias para onde a interação com o neutrino ocorreu. (Imagem: Reprodução/ Fermilab)

Para os cientistas, a detecção de neutrinos vai permitir a catalogação de todas as formas com que os neutrinos podem interagir com o núcleo do átomo de argônio, por exemplo, ampliando as possibilidades para que o neutrino seja usado até mesmo para estudar física nuclear.

“Assim como um pesquisador tenta ver células no microscópio óptico, como é feito na Biologia, em que é preciso irradiar luz nas células para poder ver a forma, as organelas de uma célula, nós vamos usar os neutrinos como fonte de luz, por assim dizer, como uma fonte de iluminação para enxergar o núcleo do átomo de argônio. Só isso já é algo incrível que nunca foi feito”, afirma.

Contribuição da UNIFAL-MG

O envolvimento dos acadêmicos da UNIFAL-MG tem sido uma característica marcante do projeto. Marcos Vinicius dos Santos fazia mestrado no Programa de Pós-Graduação em Física da UNIFAL-MG quando foi contemplado com uma bolsa do Fermilab para trabalhar com simulações essenciais para o experimento.

Em seguida, o professor Gustavo Valdiviesso conseguiu um financiamento do Fermilab, o “Intensity Frontier Grant”, que permitiu sua atuação direta no desenvolvimento e testes de partes do SBND. “Isso possibilitou que eu fosse com a minha família toda para lá”, conta Gustavo Valdiviesso. 

Rack com fontes de energia para o teste vertical de SBND em registro feito em 2018. Projeto de Gustavo Valdiviesso, seguindo os requisitos de segurança e de aterramento do experimento. (Foto: Arquivo Pessoal)

Nesse período, o pesquisador também foi contemplado com bolsa de estágio sênior pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)  e permaneceu no laboratório norte-americano. “Moramos dentro do laboratório, que oferece hospedagem de baixo custo para os pesquisadores e suas famílias, por um ano, onde eu pude aplicar os recursos do meu grant no desenvolvimento e testes de partes do SBND”, acrescenta.

Marcos Vinicius dos Santos afirma desfrutar dos aprendizados técnicos e do desenvolvimento pessoal adquiridos durante o tempo no SBND. “Trabalhar presencialmente em um experimento de classe mundial foi uma experiência única”, conta. “Estar no Fermilab, um local incrível, onde nos deparávamos com experimentos históricos a cada esquina, foi muito motivador e me inspirou a seguir com o doutorado em Física”, relata o pesquisador, que após o mestrado na Universidade, fez doutorado em Física pela Unicamp e atualmente é cientista de dados e bolsista de treinamento técnico da FAPESP na empresa InfoPrice.

Outro estudante do Programa de Pós-Graduação em Física da UNIFAL-MG a participar do SBND foi Wallison Luiz Anicézio Campanelli, que trabalhou com a calibração do projeto durante o seu mestrado, no qual utilizou fontes radiológicas para otimizar a detecção de neutrinos. Para ele, fazer parte da colaboração do experimento SBND foi uma experiência transformadora em sua jornada acadêmica.

“Além dos desafios técnicos que enriqueceram meu conhecimento sobre detectores e física de neutrinos, essa oportunidade me permitiu conhecer e colaborar com pessoas de diversas partes do mundo, o que ampliou minha perspectiva sobre como é uma colaboração global”, conta.

Hoje, como doutorando na Universidade de Lisboa (Portugal) e bolsista da Organização Europeia para a Investigação Nuclear, o CERN, Wallison Campanelli comenta que continua aplicando o que aprendeu no SBND, tanto no aspecto técnico quanto no pessoal. “O impacto dessa fase segue presente, inspirando meu trabalho e me preparando para futuros desafios científicos”, salienta.

Durante o mestrado em Física na UNIFAL-MG, Heriques Frandini Gatti  atuou nas colaborações internacionais de SBND. Hoje, o pesquisador é físico na Universidade de Liverpool (Inglaterra). (Foto: Arquivo Pessoal)

Heriques Frandini Gatti também integra o grupo que atuou nas colaborações internacionais de SBND com trabalhos de desenhos mecânicos juntamente aos engenheiros e pesquisadores envolvidos na construção do experimento. O então pesquisador do programa de mestrado em Física da UNIFAL-MG produziu desenhos das X-ARAPUCAs, os detectores de fótons desenvolvidos no Brasil. Atualmente, Heriques Gatti é físico na Universidade de Liverpool (Inglaterra).

“A principal coisa que aprendi no projeto foi enfrentar problemas complexos, além de resolver desafios não triviais e pensar fora da caixa”, compartilha. O seu envolvimento no SBND favoreceu para que aprendesse a lidar com questões inovadoras que, para a maioria das pessoas, parecem incomuns. “Foi desafiador, mas também foi fator essencial no meu crescimento profissional e acadêmico. Essas habilidades continuam a impactar diretamente meu trabalho onde preciso sempre inovar e adaptar conhecimentos no desenvolvimento de detectores”, afirma.

Há seis meses também Tatiana Clarindo de Melo, mestranda em Física, integra o experimento junto ao grupo que estuda interações específicas entre neutrinos e nêutrons no núcleo de argônio. “Esse é um trabalho único, que renderá resultados inéditos, tanto para a SBND quanto para a UNIFAL-MG”, afirma o professor Gustavo Valdiviesso. “Assim como Tatiana e os colegas, outros alunos que virão pela frente terão a oportunidade de trabalhar nesses experimentos internacionais desde o primeiro dia em que chegam ao programa e entram para o nosso grupo de instrumentação, simulação e teoria de física de partículas”, destaca.

Leia também a notícia divulgada pelo Fermilab sobre as primeiras interações de neutrinos detectadas

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