
Recentemente, um político da direita brasileira, apontado por muitos como pré‑candidato à presidência da república em 2026, afirmou, ao anunciar a expansão do ensino técnico no ensino médio, que “o diploma cada vez tem menos relevância”. Para sustentar sua tese, ele listou uma série de competências e habilidades, todas requeridas para quem deseja concluir uma graduação, que seriam, segundo ele, mais valorizadas pelo mercado do que a formação de nível superior. Embora não tenha indicado nenhuma fonte de dados da realidade é plausível supor que estivesse apenas ressoando interpretações simplificadoras de notícias publicadas na imprensa sobre trajetórias de bilionários dos EUA.
Se for esse o caso, é uma leitura rasa, má interpretação de texto e contexto, que ao contrário de provar a tese do autor da irrelevância do diploma, apenas comprova como é essencial estudos mais avançados que a educação básica. Em 2015, a Forbes noticiou que um número considerável de bilionários dos Estados Unidos não cursou a educação superior ou, mesmo tendo acesso a ela, não concluiu a graduação. Nomes como Bill Gates e Mark Zuckerberg, que frequentaram universidades de prestígio, mas não obtiveram diploma, são frequentemente citados nesse debate. Contudo, esses bilionários e a Forbes, ainda que aplaudam opções alternativas de percurso profissional, no contexto de suas afirmações sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos, ambos defendem que ter uma formação universitária, ainda que não seja, garantia e o único caminho para o sucesso, continua a ser um diferencial importante para as empresas.
O que o chamado mercado e a opinião pública costumam criticar não é a formação de nível superior enquanto tal, mas a inflexibilidade dos currículos que se distanciam das necessidades do tempo atual. Também apontam como fragilidade do sistema o distanciamento entre universidade e empresas que reduz as oportunidades dos estudantes conhecerem o mundo onde irão atuar antes de concluir sua formação. De fato, mesmo para quem observa o problema de dentro da universidade percebe a massificação e a padronização do ensino universitário, que podem tolher a criatividade e iniciativa dos estudantes ao privilegiar formatos técnicos rígidos. O afastamento da academia das empresas, ao menos no caso brasileiro, merece uma autocrítica do empresariado que, regra geral, trata a universidade como seu departamento de P&D, mas sem os investimentos básicos. Busca, salvo as raras exceções que confirmam a regra, apropriar recursos públicos na forma de mão de obra especializada e laboratórios tecnologicamente sofisticados para seus interesses privados. Essa forma de relação promove desconfiança de parte a parte produzindo esse distanciamento danoso para ambos os lados.
No contexto brasileiro, a declaração, feita por um detentor de diploma de curso superior, revela as contradições do debate atual. Aqueles, como o autor da frase “diploma cada vez tem menos relevância” que, nas últimas décadas, promoveram a redução da presença das humanidades na educação, em favor de uma formação mais técnica, rápida e orientada pelo mercado, agora exigem profissionais com competências que historicamente são cultivadas pelas áreas humanísticas: pensamento crítico, capacidade de síntese, comunicação, tolerância às diferenças e vocação para aprendizado contínuo. Essas competências e habilidades só podem ser providas por uma formação humanística universal, pelo aprendizado de um segundo idioma e a prática da arte e cultura desde a educação básica. Aqueles que no passado defendiam a expulsão das humanidades dos currículos sob o argumento de que se precisava aprender coisas úteis, agora se dão conta que o excesso de “coisas úteis” acabou por formar uma geração com baixa resiliência e incapazes de se adaptar as mudanças tecnológicas, uma geração de trabalhadores, de certo modo, “inútil” para o mercado.
Ainda sobre o tema da formação holística provida pelo estudo das humanidades é preciso relembrar a etimologia da palavra universidade usada para referir a formação de nível superior. Na sua gênese, tais instituições, foram concebidas para uma formação universal, abrangente e integrada, não apenas a técnica de uma área específica da ciência. O objetivo clássico sempre foi formar pessoas capazes de “aprender a aprender”, ou seja, com autonomia intelectual para se desenvolverem em atividades e campos que muitas vezes sequer existiam quando ingressaram na vida acadêmica ou se aprofundarem naquilo que já eram bons antes da vida universitária. Em um país com desafios tecnológicos e sociais como o Brasil, negar a relevância da formação superior sem um debate rigoroso sobre qualidade, integração com a sociedade e atualização curricular é um desserviço, sobretudo se isso serve apenas para inflar narrativas simplificadoras, sem base na realidade, sobre emprego e produtividade.
Na atual conjuntura brasileira, marcada por baixos índices de produtividade e baixo crescimento econômico, ao invés de confrontar formação técnica e universitária, a agenda do Estado brasileiro deveria estar direcionada em como combinar o melhor dos dois níveis imprescindíveis de formação. As questões centrais para países com fragilidades sociais e desvantagens tecnológicas como o Brasil são: como fortalecer a articulação entre empresas, escolas técnicas e universidades para promover currículos que integrem saberes técnicos e humanísticos? Qual volume de investimento necessário para melhorar a qualidade da educação básica à superior? Quais políticas públicas precisam ser implementadas para garantir acesso e permanência de qualidade na educação básica, ensino técnico e educação superior? Sem responder a esses problemas, de fato o diploma, no Brasil, perderá relevância, não porque seja irrelevante, mas porque o país, pela sua elite política e econômica, terá optado por se manter no atraso social e tecnológico.
Se prevalecer, nas decisões econômicas e políticas dos governantes, a falsa dicotomia entre financiar a educação básica e investir no ensino superior, o país tenderá a um futuro marcado pela estagnação econômica e pelo retrocesso social e tecnológico. Infelizmente, essa postura parece prevalecer no Congresso Nacional e entre as principais federações empresariais. Nesse cenário, é representativo o debate sobre o fim da escala 6×1, jornada composta por seis dias consecutivos de trabalho e um dia de descanso, ainda vigente em muitos setores. Em vez de iniciar a discussão convocando a academia para apresentar estudos técnicos de impactos e promovendo o diálogo entre governos, empresas, sindicatos e universidades para planejar a transição, inclusive com programas de apoio para os setores em que estudos preliminares identifiquem risco de insolvência ou redução drástica de produtividade, houve, em contrapartida, por parte de deputados, senadores e empresários, a rejeição imediata de qualquer debate.
O fim da escala 6×1 não é um ideal abstrato. Não se trata da descoberta do fogo ou a invenção da roda. É algo concreto em muitos países com dados de ganho de produtividade sustentável que deveriam apontar o horizonte para todas as sociedades que ainda não deram o primeiro passo nessa direção. A extinção da escala 6X1 e o estabelecimento de um programa de produtividade sustentável é uma oportunidade para reconciliar eficiência econômica com dignidade no trabalho. Pensar, debater e encontrar alternativas para viabilizar um programa dessa magnitude exige pesquisa aplicada, formação de competências e habilidades, apropriação e desenvolvimento de novas tecnologias e vontade política para repartir custos e ganhos. A explicação simplista de que a proposta deve ser rejeitada porque a média de produtividade do trabalhador brasileiro é muito baixa, e que supostamente diminuiria ainda mais com a redução da jornada, não só é descolada da realidade do mercado de trabalho como também é injusta para com os trabalhadores.
A palavra escola tem origem na palavra grega skholé que significa tempo livre. Então como os que exigem aumento de produtividade para reduzir a jornada de trabalho querem que isso aconteça sem os trabalhadores terem tempo livre para sua qualificação? Sem melhorar as competências e habilidades dos trabalhadores não haverá aumento da produtividade média e isso não será conquistado por quem só tem um dia ou dois da semana como tempo livre. Além disso, é cruel e desumano negar acesso à formação, inclusive no nível superior, e usar isso depois como pretexto para não promover uma jornada digna de trabalho.
Entretanto, um exercício hipotético simples, porém bem próximo dos fatos, desconstrói esse argumento falacioso. Na construção civil, no Brasil, cem trabalhadores, com jornada de 44h semanais, conseguem construir um prédio de vinte andares em média entre três ou quatro anos. Se pegássemos, esses trabalhadores e, por hipótese, os transportássemos para a Holanda, com jornada de 36h semanais, eles construiriam um prédio de vinte andares em média entre 1,5 ou 2 anos. Qual a magia que os torna mais produtivos na Holanda que no Brasil? Parafraseando uma feiticeira de comercial de televisão dos anos noventa do século XX, “não é magia, é tecnologia”. Na Holanda a construção civil adota maquinaria e processos de trabalho articulados com a indústria que entrega insumos padronizados e prontos para instalação. A infraestrutura de transporte integra modais que fazem os suprimentos indispensáveis chegar sem atraso nos canteiros de obras. Esse exercício de comparação serve para mostrar que nem sempre trabalhar mais horas significa produzir mais. Nos países que reduziram a jornada de trabalho a produtividade média se manteve estável e em alguns setores até aumentou. Conseguiram chegar a esse patamar com investimentos contínuos em educação, ciência e tecnologia.
Na verdade, as jornadas exaustantes praticadas no Brasil produzem fadiga crônica, sofrimento físico e mental que levam a faltas constantes ao trabalho e afastamentos longos para tratamentos de doenças provocados por esse modo de produção, quando não a incapacidade permanente para o trabalho. Se até as máquinas precisam de manutenção constante e uso racional para que não quebrem e assim produzam prejuízo ao investimento realizado, o que dizer de seres humanos. É fundamental que se coloque na ordem do dia a obrigatoriedade de um programa nacional de produtividade sustentável, baseado no fortalecimento da educação, inovação e novas tecnologias.
Produtividade sustentável é um novo paradigma imposto pelas condições atuais de produção, reprodução e manutenção da vida. Deve ser entendido em dois níveis. Um nível sistêmico, que se relaciona com a maneira como usamos os recursos naturais de modo a preservar a matéria-prima disponível para que as futuras gerações possam continuar a desenvolver tecnologias e novas formas de produção que garantam a sustentabilidade planetária. O outro nível é o pessoal que diz respeito ao equilíbrio urgente entre o esforço para a manutenção da vida, a constante demanda de formação e o vital convívio familiar e comunitário.
As universidades, associadas com todo o ecossistema de formação técnica e tecnológica dos institutos federais e escolas técnicas do nível estadual e municipal e do sistema S, desde que tenham os investimentos adequados, cumprem um papel primordial na transição do atual modelo para um programa continuado de ganhos de produtividade sustentável. Isso porque são as universidades que podem formar os profissionais e gestores capazes de redesenhar processos, desenvolver tecnologias que reduzam o uso intensivo de esforço humano e criar ambientes de trabalho que valorizem a inovação e bem-estar físico e mental dos trabalhadores e trabalhadoras. As universidades já contribuem e podem se tornar ainda mais relevante na pesquisa e produção de evidências sobre arranjos produtivos locais que adotem formas alternativas de gestão do tempo e inovações sociais que visem o equilíbrio entre tempo de trabalho e tempo livre para formação e convívio comunitário e familiar. Finalmente, as universidades podem se transformar em laboratórios para testar ganhos de produtividade com jornadas reduzidas, semanas comprimidas e alternadas e flexibilização entre tempo presencial e tempo em home office, avaliando seus efeitos sobre eficiência, eficácia, saúde, bem estar físico e emocional e impacto ambiental.
Para entender o contexto leia:
APqC. Tarcísio diz que diploma “vale cada vez menos” e reforça desmonte da carreira de pesquisador. Disponível em: https://apqc.org.br/tarcisio-diz-que-diploma-vale-cada-vez-menos-e-reforca-desmonte-da-carreira-de-pesquisador/
STAHL, Ashley. Por que o diploma não é a única coisa importante para sua carreira? Portal Forbes na internet, 14 ago. 2015. Disponível em: https://forbes.com.br/geral/2015/08/por-que-o-diploma-nao-e-a-unica-coisa-importante-para-sua-carreira/
RIBEIRO, Ketlyn. Não é o diploma! Para Mark Zuckerberg, o mais importante ao contratar funcionário para a Meta é qualidade pouco valorizada. IGNBrasil. 02 ago. 2024. Disponível em: https://br.ign.com/tech/127773/news/nao-e-o-diploma-para-mark-zuckerberg-o-mais-importante-ao-contratar-funcionario-para-a-meta-e-qualid
ALFANO, Bruno. Brasileiro com graduação ganha mais que o dobro de quem só fez ensino médio, diz relatório da OCDE. Portal O Globo na internet. 09 set. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/noticia/2025/09/09/brasileiro-com-graduacao-ganha-mais-que-o-dobro-de-quem-so-fez-ensino-medio-diz-relatorio-da-ocde.ghtml
FENATI. Produtividade no Brasil é pior do que em países com jornada de trabalho menor. Portal FENATI na Internet. 17 fev. 2025. Disponível em: https://fenati.org.br/produtividade-no-brasil-pior-paises-jornada-menor/
CAMARGO, Izabella. Produtividade sustentável: o equilíbrio entre o que seu trabalho exige e o seu corpo precisa. HSM Management. Disponível em: https://hsmmanagement.com.br/produtividade-sustentavel-equilibrio-entre-trabalho-e-corpo/
ANDIFES. Andifes realiza seminário sobre a Política Nacional de Educação Superior. 19 nov. 2025. Disponível em: https://www.andifes.org.br/2025/11/19/andifes-realiza-seminario-sobre-a-politica-nacional-de-educacao-superior/
TEIXEIRA, Marilane; SALIBA, Clara; OLIVEIRA, Caroline Lima de; BOMBO, Lilia. Fim da escala 6×1: O mito de que a economia quebraria. Outras Palavras. 13 nov. 2025. Disponível em: https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/fim-da-escala-6×1-o-mito-de-que-a-economia-quebraria/
NETTO, Maria Jacintha Vargas. Do skholé à preguiça ou das tecnologias de Bem Viver. Actas del Tercer Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación, V. 3, 2015. Disponível em: https://filosofiaeducacion.org/actas/index.php/act/article/view/178

Francisco Xarão é professor de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG. É graduado em Filosofia, com mestrado e doutorado em Filosofia. É líder do grupo de pesquisa Filosofia, História e Teoria Social. Atualmente exerce o cargo de pró-reitor de Extensão e Cultura da UNIFAL-MG. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Política, Ética e Filosofia da Ciência. Atua principalmente nos seguintes temas: política, educação, direitos humanos e metodologia das ciências. É coordenador do XV EPMARX. Currículo lattes.
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