Estudo da UNIFAL-MG investiga percepção social sobre mineração de urânio em Caldas e propõe revisão de políticas ambientais

Pesquisa ouviu moradores da zona urbana e rural e foi premiada no 22º Congresso Nacional de Meio Ambiente
Pesquisa da UNIFAL-MG reforça papel da universidade pública na defesa da justiça socioambiental (Imagem: arquivo pessoal)

Um estudo conduzido no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UNIFAL-MG investigou a percepção da população de Caldas (MG) sobre os impactos ambientais, sociais e de saúde causados pela antiga mineração de urânio no município. A pesquisa evidenciou sentimentos como medo do câncer, desconfiança em relação à qualidade da água e um silêncio social construído ao longo de décadas, mesmo diante da convivência com rejeitos radioativos.

Vívian Ariane de Oliveira Costa, egressa do doutorado em Ciências Ambientais da UNIFAL-MG (Foto: arquivo pessoal)

A investigação foi realizada por Vívian Ariane de Oliveira Costa, egressa do doutorado no PPGCA, sob orientação da professora Luciana Botezelli, docente do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), com coorientação do professor Luiz Felipe Silva, da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).

Entre julho e novembro de 2023, foram aplicados questionários com perguntas mistas a 365 moradores com mais de 40 anos, das zonas urbana e rural de Caldas. A amostra foi estatisticamente calculada para representar a população adulta da cidade. A análise foi feita por meio de técnicas quali-quantitativas, utilizando o software IRaMuTeQ, que permitiu interpretar padrões de percepção e aspectos subjetivos dos discursos.

“A pesquisa nasceu do desejo de ouvir as vozes da população e compreender como se expressam as experiências de vulnerabilidade, resistência e esperança em um território que, mais do que palco de exploração mineral, é espaço de vida, memória e busca por justiça ambiental”, explica Vívian. Ela destaca que o caso de Caldas, apesar de mencionado em relatórios técnicos e reportagens pontuais, ainda carecia de estudos que dessem centralidade às percepções da comunidade local.

Luciana Botezelli, docente orientadora do estudo (Foto: arquivo pessoal)

Segundo a autora, as respostas revelaram um cenário marcado pela desinformação, medo e sensação de abandono institucional. “Embora muitos moradores reconhecessem os riscos ambientais, poucos demonstraram consciência crítica sobre os impactos socioambientais da mineração. O medo do câncer e a desconfiança quanto à qualidade da água apareceram como temas recorrentes”, relata.

Um dos pontos mais sensíveis enfrentados durante a pesquisa foi a escuta direta da dor e da incerteza da população. “O maior desafio foi lidar eticamente com a dor das pessoas que convivem com os efeitos de uma contaminação potencial e histórica, mas pouco debatida publicamente. Muitos entrevistados demonstraram desconfiança ou cansaço diante de promessas de monitoramento que nunca se concretizaram”, acrescenta.

Justiça ambiental e transição energética

Localização da área de estudo, em Caldas, MG.
Fonte: Adaptada pelos autores de IBGE (2021)

A mina de urânio de Caldas operou entre 1982 e 1995, sob responsabilidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), e deixou passivos ambientais complexos, como uma cava a céu aberto, uma fábrica de beneficiamento desativada e uma barragem de rejeitos radioativos. Hoje, a mesma região está na mira de empreendimentos interessados na exploração de terras raras, minerais estratégicos para a transição energética.

“A pesquisa aponta a necessidade urgente de revisão das políticas de fiscalização e comunicação de risco, bem como de inclusão efetiva das comunidades nos processos decisórios”, alerta Vívian. Segundo ela, os resultados reforçam que a gestão ambiental não pode se limitar a parâmetros técnicos: é preciso integrar dimensões sociais, de saúde pública e de participação cidadã.

Para a professora Luciana Botezelli, o trabalho revela a importância de ampliar os debates sobre justiça socioambiental a partir da escuta das comunidades. “Os dados mostram que há um déficit de informação ambiental e uma naturalização do risco, o que exige um esforço de políticas públicas mais sensíveis às realidades locais. O estudo de Caldas mostra como a ciência pode contribuir para uma transição energética justa, que não reproduza as desigualdades do passado”, afirma.

Momento da premiação no 22º CNMA em Poços de Caldas (Fonte: site do CNMA)

Reconhecimento nacional 

O estudo foi premiado com o segundo lugar entre os melhores trabalhos do 22º Congresso Nacional de Meio Ambiente (CNMA 2025), realizado entre 7 e 10 de outubro, no Palace Casino, em Poços de Caldas. A pesquisa fará parte do e-book oficial do evento, que reúne as produções científicas de maior destaque.

“A premiação simboliza o reconhecimento de um trabalho comprometido com a realidade local e com a função social da universidade pública. Representa o fortalecimento da extensão crítica e transformadora, que conecta pesquisa científica à defesa dos direitos humanos e ambientais”, afirma Vívian.

A pesquisa recebeu o segundo lugar entre os melhores trabalhos apresentados no 22º Congresso Nacional de Meio Ambiente (CNMA 2025) (Foto: arquivo pessoal)

Luciana Botezelli também valoriza o impacto do reconhecimento. “É uma conquista importante para o PPGCA e para a UNIFAL-MG, pois mostra o potencial de uma ciência engajada, feita com e para as pessoas. É a universidade pública contribuindo diretamente para o debate sobre direitos, ambiente e futuro.”

Vívian destaca que o estudo apresentado no congresso é parte de uma investigação mais ampla e que há planos para expandir a pesquisa. “Há interesse em aprofundar o diálogo com movimentos locais e pesquisadores de outras áreas, construindo uma abordagem interdisciplinar que articule ciência, política e cidadania ambiental”, conclui.

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