Fungicidas usados no cultivo de café afetam hormônios e enzimas do fígado de agricultores do Sul de Minas

Pesquisa da UNIFAL-MG aponta para a necessidade de estabelecer limites de exposição a agrotóxicos
A imagem mostra agricultores trabalhando em uma plantação de café, vestidos com roupas de proteção colhendo o café.
Imagem ilustrativa. (Reprodução/Canva Education)

Para verificar o risco da exposição a agrotóxicos na cultura do café, pesquisadores da UNIFAL-MG investigaram amostras biológicas coletadas junto a agricultores da região do sul de Minas. Com o uso de toxicologia computacional, o grupo detectou níveis elevados de fungicidas triazóis na urina dos trabalhadores rurais, bem como alterações celulares e hormonais significativas.

A imagem mostra a foto da professora Isarita Martins Sakakibara sorrindo, com óculos e cabelo castanho claro, sentada em um ambiente fechado.
Isarita Martins Sakakibara – pesquisadora e professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas foi quem coordenou a pesquisa. (Foto: Arquivo Pessoal)

Intitulada “Avaliação do risco da exposição humana aos fungicidas triazóis no Sul de Minas Gerais: conectando biomonitoramento e toxicologia”, a pesquisa foi coordenada pela toxicologista Isarita Martins Sakakibara, pesquisadora e professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), e desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) pelos pesquisadores Luiz Paulo de Aguiar Marciano e Luiz Filipe Costa.

O estudo contou também com a colaboração da pesquisadora Alessandra Cristina Pupin Silvério, professora da UNIFENAS, e da pesquisadora Nicole Kleinstreuer, diretora do NTP Interagency Center for the Evaluation of Alternative Toxicological Methods (NICEATM) do National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos.

Durante o período de agosto de 2019 a agosto de 2024, amostras biológicas, como sangue e urina, foram coletadas e analisadas no Laboratório de Análises de Toxicantes e Fármacos (LATF) da UNIFAL-MG. Além do biomonitoramento tradicional, foram utilizadas ferramentas de toxicologia computacional para avaliar a bioatividade dos triazóis e prever os riscos à saúde humana.

A coleta de dados envolveu 190 voluntários, divididos em dois grupos: 140 trabalhadores rurais, ocupacional e ambientalmente expostos a agrotóxicos, e 50 moradores de áreas urbanas, não expostos ocupacionalmente, que serviram como grupo de controle.

“Três fungicidas triazóis – ciproconazol, epoxiconazol e triadimenol – foram detectados nas amostras de urina de homens e mulheres do grupo rural, através de análise realizada no Laboratório de Análises de Toxicantes e Fármacos”, revela Isarita Sakakibara.

A imagem mostra a foto do pesquisador Luiz Paulo de Aguiar Marciano. Ele usa terno escuro e está ao lado de um pôster científico em uma conferência. O pôster mostra gráficos e dados sobre uma pesquisa.
Luiz Paulo de Aguiar Marciano durante a apresentação do trabalho no evento SOT 63rd Annual Meeting and ToxExpo, em Salt Lake City, Utah, em março de 2024. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo a pesquisadora, com o uso do software ICE, no National Institute National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS), nos EUA, foi verificada bioatividade, in vitro, para os três triazóis detectados na urina dos expostos e para outros três ingredientes ativos das formulações dos agrotóxicos. “Foi verificado aumento na frequência de alterações celulares associadas a efeitos genotóxicos, pelo ensaio do citoma de células de mucosa bucal, desequilíbrio oxidativo, pelos marcadores de estresse oxidativo, e redução nos níveis dos hormônios androstenediona e testosterona, no grupo dos trabalhadores agrícolas”, detalha.

Os ensaios mostraram que a exposição ao fungicida afeta o metabolismo de hormônios esteroides e ocasiona estresse celular e enzimas CYP450, com concentrações relevantes para o ambiente e ocupacionais, confirmando os resultados observados nos agricultores. “Considerando o maior valor detectado de epoxiconazol urinário, foi caracterizado um risco duas vezes maior que o aceitável para a população estudada, o que é significativo para a saúde humana, particularmente pela alta frequência e intensidade da exposição”, afirma.

Contribuições e repercussão

Para a professora que coordenou o trabalho, o estudo caracteriza o risco para agricultores expostos aos agrotóxicos, no cultivo do café, principal “commodity” brasileira. “A partir da pesquisa é possível observar que há necessidade de discutir e estabelecer limites de exposição que protejam a saúde dessa população, uma vez que esses resultados fornecem subsídios para reavaliação das monografias de agrotóxicos no Brasil, pelos gestores públicos, visando o gerenciamento desse risco e, portanto, a prevenção de efeitos tóxicos nos trabalhadores”, pontua.

Isarita Sakakibara ressalta também a aplicabilidade das ferramentas computacionais, como a toxicologia computacional na pesquisa. Conforme ela, a avaliação da toxicidade dos agrotóxicos é atualmente realizada com base em estudos de dose-resposta em animais e o grande número de substâncias químicas a serem avaliadas, assim como a extrapolação dos resultados para humanos apresentam desafios para os pesquisadores, o que torna a toxicologia computacional uma ferramenta digital importante para apoiar pesquisas toxicológicas e avaliações de riscos.

“A toxicologia computacional refere-se ao uso de ferramentas computacionais para apoiar abordagens integrativas para pesquisas toxicológicas e avaliações de riscos químicos, por meio de modelagem preditiva e análises complexas de dados para extrapolação de resultados e predições, particularmente novas metodologias de abordagem (NAMs) baseadas na biologia humana que servem como alternativas aos testes em animais”, salienta.

A imagem mostra um diagrama da ferramenta Integrated Chemical Environment - ICE intitulado "Conectando Biomonitoramento e Toxicologia Computacional", o qual apresenta um fluxo de trabalho de estudo que integra dados de biomonitoramento humano com ferramentas de toxicologia computacional.
Integrated Chemical Environment – ICE. (Imagem: Tese/Luiz Paulo de Aguiar Marciano)

A pesquisa foi financiada pela FAPEMIG, pela CAPES e pelo NIH, o que possibilitou bolsa de doutorado e bolsa-sanduíche ao pesquisador Luiz Paulo de Aguiar Marciano. O fomento concedido ao pesquisador pelo National Institute of Health contribuiu para a complementação da bolsa sanduíche por seis meses, quando esteve nos EUA.

Confira as publicações sobre a pesquisa em periódicos:

Confira também as premiações recebidas pela pesquisa:

  1. Best Abstract Award da Exposure Specialty Section; SOT-Annual Meeting, Estados Unidos, 63rd Annual Meeting of the Society of Toxicology, Estados Unidos, 2024.
  2. Robert J. Rubin Student Travel Award da Mechanisms and Risk Assessment Specialty Sections; 63rd Annual Meeting of the Society of Toxicology, Estados Unidos, 2024. Graduate Students Research Award 2nd Place da Clinical and Translational.
  3. Toxicology Specialty Section, com trabalho intitulado: Risk Assessment of Exposure to Triazole Fungicides by Human Biomonitoring and Mechanistic Data, 63rd Annual Meeting of the Society of Toxicology, Estados Unidos, 2024.
  4. Menção honrosa pela apresentação oral do trabalho intitulado: Exposure assessment of triazole fungicides through human biomonitoring and computational toxicology in Brazilian farmworkers, I International Workshop On Pharmaceutical Research Of UNIFAL-MG, Universidade Federal de Alfenas, 2024.
  5. Menção honrosa pela apresentação oral do trabalho intitulado: Optimization of Mass Spectrometry Parameters for the Determination of Multiresidue Pesticides in Food, III Workshop do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal de Alfenas, 2022.
  6. Menção honrosa pela apresentação oral do trabalho intitulado: Micronucleus Test in Oral Mucosa as a Bioindicator of Effect in The Monitoring of Occupational Exposure to Triazoles, II Workshop do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas/ IX Semana Nacional do Cérebro, Universidade Federal de Alfenas, 2020.

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