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"Nossa cultura democrática ainda tem um longo caminho para percorrer até se consolidar", afirma o pesquisador Alisson Eugênio da UNIFAL-MG | Jornal UNIFAL-MG

“Nossa cultura democrática ainda tem um longo caminho para percorrer até se consolidar”, afirma o pesquisador Alisson Eugênio da UNIFAL-MG


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Em recente artigo publicado na revista Território e Fronteiras, o professor e historiador Alisson Eugênio, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG, traz à tona uma análise intrigante sobre as origens do autoritarismo e os embates culturais que delineiam a trajetória da democracia no Brasil.

Intitulado “A cultura política nas sociedades ibero-americanas: tradições autoritárias e os esforços de democratização no Brasil”, o texto é fruto de uma pesquisa de longo prazo, que o pesquisador vem desenvolvendo junto ao grupo de pesquisa Cultura e poder na História, do CNPq, bem como das atividades docentes relacionadas à disciplina obrigatória História do Brasil, que ministra há 14 anos na UNIFAL-MG, junto ao curso de Geografia.

Alisson Eugênio – historiador e professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras  da UNIFAL-MG. (Foto: Arquivo Pessoal)

“O artigo foi motivado pela crise política de nosso país, inaugurada pela queda do governo Dilma, e pelas ameaças que nossa democracia sofreu durante o governo Bolsonaro”, acrescenta. Segundo ele, as discussões que deram forma ao conteúdo do artigo ganharam corpo, inicialmente, com a pesquisa que fez e também com a mesa-redonda que organizou em setembro de 2022, dedicada às comemorações dos 200 anos de Independência.

Conforme o professor, a pesquisa que originou o texto é fundamentada no diálogo entre a História Cultural, a Ciência Política, as Ciências Sociais e a Filosofia para explicar a gênese do autoritarismo brasileiro, sua reprodução no tempo, suas adaptações em diversas épocas de nossa história e o surgimento da democracia.

“Trata-se de uma abordagem original fundamentada também nos esforços da democracia para superação de nossa cultura autoritária, refletindo sobre nossa experiência histórica para explicar os conflitos políticos nacionais, em particular os que surgiram com a crise do governo Dilma e a experiência bolsonarista e o retorno de do lulopetismo”, detalha.

Os conceitos-chave de “cultura” e “política” foram explorados meticulosamente como pontos de partida metodológicos. A cultura política autoritária, enraizada desde a colonização do Brasil, foi examinada à luz da dialética entre princípios, permitindo ao pesquisador analisar o confronto entre essas duas culturas políticas no cenário contemporâneo.

“Tais conceitos permitiram analisar a dialética, a partir da qual foi possível analisar os conflitos entre a cultura política autoritária e a cultura política democrática no Brasil, utilizando vasto material historiográfico e farta documentação, principalmente midiática, para observar os confrontos contemporâneos entre essas duas concepções”, explica.

Formação da cultura autoritária brasileira e a experiência histórica da democracia no país

Ao analisar como a cultura autoritária brasileira foi formada, o pesquisador fala da influência das características fundamentais da visão de mundo e do comportamento dos colonizadores, bem como do modo como eles colonizaram o espaço posteriormente batizado de Brasil.

“O autoritarismo é fruto de uma cultura que se formou a longo prazo, ao ser enraizada pelas possibilidades criadas pela configuração social de uma sociedade que, como de resto nas demais, não havia divisão de poder (isso surgiu com a Revolução Francesa), marcada por forte paternalismo (que na essência significa concentração de poder e um modo autoritário de exercê-lo) e fundamentada na escravidão”, pontua.

De acordo com o historiador, quando a escravidão acabou, as elites herdeiras das velhas elites escravistas procuraram adaptar o autoritarismo, do qual se beneficiavam politicamente, ao longo de nossa experiência republicana. “Foi durante tal experiência que, de forma importada e adaptada à nossa sociedade, os valores democráticos foram surgindo, criando raízes e começando a se confrontar com os valores autoritários, à medida que as condições históricas internacionais (a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial, por exemplo) e nacionais (a consolidação do capitalismo, a urbanização e, com ela, a formação e expansão da classe média, da educação e de direitos diversos) favoreceram a difusão, embora ainda limitada, da ideia de cidadania”, explica.

(Foto: Reprodução/Observatório do Terceiro Setor)

Alisson Eugênio ressalta que os embates entre autoritarismo e democracia no Brasil evoluíram gradualmente à medida que os valores que sustentam a cultura democrática foram se fortalecendo, tanto internamente quanto no contexto internacional.

 “No final dos anos 1980, quando a Guerra Fria estava praticamente no fim (o Muro de Berlim caiu em 1989) e uma nova constituição (1988), ainda vigente, foi promulgada em nosso país, abrindo amplas oportunidades para nossa sociedade desenvolver uma cultura democrática que, como vimos, recentemente foi gravemente ameaçada por grupos que se identificam com o que se conhece como extrema-direita, após a crise de governabilidade, econômica e financeira que levou à queda do governo Dilma e à eleição de Bolsonaro, cujo governo foi marcado por diversos ataques às instituições democráticas brasileiras, particularmente ao Supremo Tribunal Federal, à Imprensa e às Universidades”, relembra.

A partir desse resgate histórico, o pesquisador conclui que a cultura autoritária no Brasil persiste em uma parte significativa da população, que essa mesma cultura autoritária encontra espaço tanto em momentos de crise governamental como em instituições nacionais e externas.

Entretanto, para o professor, apesar dos ataques intensos à democracia, ela demonstrou resiliência, resistindo inclusive a eventos como a invasão extremista das sedes dos poderes em janeiro de 2022, que buscava fomentar uma intervenção militar.

 “Mesmo diante dessa resistência vitoriosa da democracia, nossa cultura democrática ainda tem um longo caminho para percorrer até se consolidar, dada a força que a cultura autoritária mostrou nos últimos anos”, enfatiza.

A sociedade brasileira e os desafios políticos que o Brasil ainda enfrenta

Ao ser indagado sobre como avalia a sociedade brasileira e quais os desafios políticos que o Brasil ainda enfrenta, o historiador afirma que como todas as demais sociedades, a sociedade brasileira tem virtudes. “Conseguimos construir uma sociedade relativamente estável, apesar de tantas diferenças étnicas, regionais e culturais, e assumimos a miscigenação como uma de nossas marcas identitárias mais expressivas, e fizemos isso em plena ascensão do nazi-fascismo”, comenta.

(Imagem: Reprodução da obra “Operários” (1933), de Tarsila do Amaral)

Mas o pesquisador também observa os defeitos dessa sociedade. “Somos uma das sociedades mais desiguais e violentas do mundo”, ressalta.

Alisson Eugênio retoma o artigo para explicar que, do ponto de vista da cultura política, um dos maiores desafios da sociedade brasileira é consolidar sua democracia. “Para isso demos um passo enorme, com a eleição de uma liderança que, apesar de suas limitações, está comprometida com os ideais da democracia, com a promulgação da nova Lei nº 14.197, instituída em 1º de setembro de 2021, que acrescentou o título XII, dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, ao Decreto Lei n. 2848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e revogou a Lei n. 7170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional), e com a forte atuação da Justiça em investigar e julgar os responsáveis pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2022″, contextualiza.

Para ele, a superação deste desafio é uma tarefa coletiva, dentro e fora das instituições, e precisa ser fomentada nas escolas, nas quais ele afirma ser o principal lugar de formação dos princípios ordenadores dos modos de perceber e de agir), a partir da qual a cultura democrática poderá ampliar sua assimilação e enraizamento sociais.

“Do ponto de vista da política governamental, nosso grande desafio é conciliar crescimento econômico, defesa do meio ambiente e combate às desigualdades sociais, a fim de promover o desenvolvimento sustentável ambiental, econômico e socialmente de acordo com as exigências da época atual, na qual, aos poucos, vem crescendo o entendimento de que é necessário equilibrar as demandas materiais com a preservação ambiental e a justiça social”, assinada.

O pesquisador complementa que sem essa articulação, a consolidação da nossa cultura democrática pode encontrar limitações, uma vez que está fundamentada em bases amplas, incluindo o crescimento econômico, a redução da pobreza e a preservação de um ambiente saudável, elementos essenciais para sua estruturação e sucesso.

O artigo pode ser acessado na íntegra neste link ou na página da revista aqui.

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