Pesquisas eleitorais são confiáveis?

Pesquisas eleitorais são confiáveis? Como confiar em investigações sujeitas a, no mínimo, seis conjuntos de riscos à sua fidedignidade? Vejamos.

1- A enquete por amostragem está sujeita a erro amostral. Felizmente, ele pode ser conhecido e minimizado. Nos levantamentos de boca de urna, a margem de erro adotada pelos institutos de pesquisa geralmente é de 2%, a um nível de confiança de 95%, medidas de incerteza que asseguram previsões confiáveis (Agresti, 2012; Barbetta, 2007; Laville; Dionne, 1999; Triola, 2005). Trataremos delas detidamente em outro artigo. 

2- A pesquisa eleitoral é uma fotografia do momento, um termômetro do clima político na semana da coleta. Nada informa sobre movimentos futuros dos eleitores. Assim, a pesquisa não pode ser responsabilizada por eventuais diferenças encontradas entre os achados de cada rodada. O comportamento do eleitorado pode ser influenciado por fatos novos e indeterminados (escândalos, denúncias, fake news, etc). Enquetes mapeiam cenários, não adivinham o futuro. 

3- Eleitores, às vezes, mentem. Que o digam candidatos a vereadores derrotados, cujos áudios de decepção e indignação viralizam no zap. Eleitores mentem na entrevista porque 1) sentem-se embaraçados em admitir que ignoram o tema, 2) querem colaborar com o trabalho da entrevistadora, 3) sentem estar respondendo a uma prova e, portanto, tentam “acertar” as respostas, 4) têm vergonha do seu candidato, 5) sentem-se ameaçados, em contextos radicalizados e 6) querem sabotar a pesquisa (negacionismo passivo/agressivo). Mentiras são contabilizáveis porque indetectáveis. Como na fotografia: contamos quantos sorriem para a câmera, ignorando quantos sorrisos eram sinceros ou meros clichês fotogênicos. 

4- Há eleitores indecisos cujo posicionamento pode decidir uma eleição. São uma incógnita para as estratégias partidárias. Há evidências de que tendem a se posicionar em torno das candidaturas mais competitivas, para “não se desperdiçar o voto”. De todo modo, ao longo da campanha, seguem um mistério a ser desvendado (e persuadido) pelas coalizões, candidatos e marqueteiros (Almeida, 2008; 2009). 

5- A pesquisa está sujeita a vieses involuntários. Só entrevistamos quem aceita participar da pesquisa. Mesmo estratificando-se a amostra por gênero, faixa etária, escolaridade e bairro, para que ela reflita a composição do eleitorado geral, devemos aceitar o fato de que nem todos os eleitores têm iguais chances de serem entrevistados. Muitas pessoas não aceitam participar da pesquisa porque temem ser golpe, receiam que seja uma estratégia de venda, estão com pressa ou indispostas. Além disso, algumas faixas são inalcançáveis, como moradores de bairros nobres e condomínios fechados. Em entrevistas por telefone, o formulário só é preenchido por quem atendeu à chamada, algo cada vez mais raro atualmente, e, ainda, aceitou responder às perguntas. Como se vê, a amostragem probabilística, nestes casos, é uma utopia. No entanto, deve ser buscada obstinadamente, mesmo que para diminuir os vieses, apenas. 

6- Como toda atividade humana, a enquete eleitoral está sujeita a contingências: pesquisadores faltam ao trabalho, a chuva atrapalha o trabalho de campo, factóides viralizam em plena aplicação do formulário, alguns logradouros são de difìcil acesso, oligarquias locais intimidam eleitores, etc. 

Diante de tantos riscos, desafios e obstáculos, por que deveríamos confiar nelas? 

As tabelas abaixo foram elaboradas a partir de duas pesquisas de boca-de-urna e da apuração dos votos para o primeiro turno das eleições municipais em Belo Horizonte-MG e São Paulo-SP, em 2024. 

 

Os dados falam por si. Observe-se, primeiramente, a convergência entre ambas instituições. Supondo-se que ambas estivessem erradas, como explicar que erram na mesma direção, de maneira análoga e sistemática? Em segundo lugar, como ignorar que ambas investigações convergem com o resultado das urnas? Como negar que anteviram, com bastante precisão, a distribuição real dos votos? Como não reconhecer o potencial da enquete como instrumento para predizer adesões?

Exemplos como estes não faltam. Trouxemos dois, apenas, para ilustrar. Portanto, respondendo à pergunta que dá nome a este artigo, SIM, as pesquisas eleitorais são confiáveis. Obviamente, devem ser lidas com parcimônia, como termômetros e não como bolas de cristal, pois realizam-se em meio a circunstâncias cientificamente incontornáveis, mesmo com toda a perícia das instituições encarregadas. Seus resultados, condizentes com a apuração dos votos, ilustram o poder da técnica, o valor da ciência e a fé na famosa “distribuição normal de probabilidades”, de que falam os estatísticos. São cartões de visita da boa Sociologia, da boa Ciência Política e dos métodos quantitativos nas Ciências Sociais. Desvendar a realidade nunca foi tarefa fácil. Mas a gente tenta e chega bem perto. Viva a formação científica!


Referências

AGRESTI, Alan. Métodos estatísticos para as ciências sociais. 4. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do eleitor: estratégia de campanha, pesquisa e vitória eleitoral. Rio de Janeiro: Record, 2008.

ALMEIDA, Alberto Carlos. Erros nas pesquisas eleitorais e de opinião. Rio de Janeiro : Record, , 2009.

BARBETTA, Pedro Alberto. Estatística aplicada às ciências sociais. 7. ed. rev Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007.

G1 – O portal de notícias da Globo. ([s.d.]). G1. Recuperado 14 de outubro de 2024, de https://g1.globo.com/

LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre; BH: Artmed: Ed. da UFMG, 1999.

TRIOLA, Mario F. Introdução à estatística. 9.ed Rio de Janeiro, RJ: LTC, 2005.

 



Thiago Antônio de Oliveira Sá é professor do curso de Ciências Sociais do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UNIFAL-MG. Dedica-se às áreas de Teoria Sociológica, Sociologia da Educação e Pensamento Social Brasileiro.

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