As práticas agrícolas sustentáveis adotadas pelos pequenos agricultores contribuem para a preservação do meio ambiente e para a segurança alimentar, fornecem alimentos saudáveis livres de agrotóxicos e auxiliam na manutenção da biodiversidade e na regulação do clima. No entanto, as recompensas financeiras recebidas pela adoção dessas práticas são limitadas e, muitas vezes, insuficientes para cobrir os custos adicionais de produção. Na tentativa de mudar esse cenário, uma pesquisa da UNIFAL-MG propõe criar um modelo de recompensa econômica justa aos agricultores sustentáveis.
Tal modelo integra o projeto Créditos Ambientais e Balanço Social e Ambiental (BSA) na Agricultura do Sul de Minas, desenvolvido pela doutoranda Gabriela Azevedo Rocha, sob a orientação do professor Rafael de Oliveira Tiezzi, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA). O trabalho teve início em 2018 e conta com a colaboração do Grupo de Valorização Econômica da Sustentabilidade, o Grupo VES, uma organização externa à Universidade. Apesar de estar em estágio intermediário de desenvolvimento, o projeto já alcançou resultados significativos.
Um desses resultados foi o Protocolo de Intenções Nº 23/2023 firmado por meio de parcerias estratégias como o IFSULDEMINAS, o Instituto Origem, o Sistema de Serviços e Assessorias Ambientais (SISAM), Rede Simasa e o Instituto Ambienta. Recentemente, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e as superintendências do Ministério do Desenvolvimento Agrário do estado de São Paulo e Minas Gerais, bem como a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio (Fundepag) também se uniram à iniciativa, ampliando a rede de apoio. Os primeiros beneficiários selecionados são os cafeicultores das instituições Orgânicos Sul de Minas (OSM) e Escola Família Agrícola de Cruzília-MG.
O projeto apresenta como diferencial o desenvolvimento do Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS), que classifica as práticas agrícolas quanto à sustentabilidade, abrangendo aspectos ambientais, sociais, agronômicos, econômicos e de governança. “O desenvolvimento de um índice multicritério de sustentabilidade permite que as fazendas sejam avaliadas e classificadas em termos de sustentabilidade, o que pode trazer reconhecimento e novas oportunidades de mercado para os produtores”, explica a pesquisadora.
Segundo ela, quanto maior o IMS, mais avançada é a prática agrícola em relação à sustentabilidade, uma vez que esse índice mede o quanto o agricultor incorpora práticas que reduzem impactos ambientais, protegem os recursos naturais e contribuem para o bem-estar social e econômico da comunidade local.
“A valorização econômica dos serviços socioambientais prestados pelos pequenos agricultores do Sul de Minas Gerais, através da quantificação, precificação e comercialização desses serviços, pode proporcionar uma nova fonte de renda, ao mesmo tempo em que incentiva práticas agrícolas responsáveis e favorecem a permanência do sujeito no campo”, afirma.
Gabriela Rocha também comenta que outros pesquisadores da área podem aplicar os dados e as metodologias desenvolvidas pelo projeto para a análise de sistemas agrícolas sustentáveis e para o desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a sustentabilidade e a conservação ambiental. “Isso pode fortalecer o campo da economia ecológica, contribuindo para um diálogo mais amplo sobre agricultura sustentável e mudanças climáticas”, argumenta.
Na visão da pesquisadora, os resultados têm o potencial de criar um impacto positivo tanto no meio ambiente quanto na qualidade de vida dos pequenos agricultores, visto que estimula um modelo de produção mais justo e responsável e acima de tudo a permanência do agricultor no campo.
Envolvimento dos agricultores
O projeto inclui a participação direta dos agricultores em oficinas e seminários voltados para práticas sustentáveis e créditos ambientais. Além de seminários realizados no campus Poços de Caldas da UNIFAL-MG e no IFSULDEMINAS nos anos de 2022 e 2023, com a participação de Takashi Yamauchi, especialista em normas de responsabilidade socioambientais e presidente da Rede Simasa, também foram promovidas reuniões e imersões presenciais.
Junto a dados coletados em entrevistas realizadas com 30 cafeicultores do Sul de Minas Gerais sobre as principais ações de responsabilidade socioambiental praticadas por esses trabalhadores, tais eventos contribuem para o desenvolvimento do Índice Multicritério de Sustentabilidade, que atualmente está dividido em cinco grandes critérios: Ambiental, Social, Agronômico, Econômico e Governança.
A pesquisadora informa que no mês de dezembro de 2024 serão realizadas oficinas com 22 cafeicultores do Sul de Minas, oportunidade em que será aplicado o IMS para classificar os produtores em diferentes níveis de sustentabilidade. Atualmente, o projeto testa um aplicativo de gestão rural para auxiliar no rastreamento e comercialização dos créditos socioambientais. “Esse aplicativo possui o intuito de facilitar a aplicação do IMS, além de auxiliar na gestão, no rastreamento e na comercialização dos títulos socioambientais”, detalha Gabriela Rocha.
Sobre o Índice Multicritério de Sustentabilidade
O IMS conta com informações quantitativas e qualitativas. As quantitativas são consideradas tangíveis e se baseiam na Norma Brasileira de Contabilidade (NBC T-15), a qual estabelece procedimentos para a divulgação de informações de natureza social e ambiental. Já as informações qualitativas, tidas como intangíveis, são abordadas conforme os princípios da Economia Ecológica, uma ciência interdisciplinar que integra aspectos da economia, da ecologia e de outras ciências naturais e sociais.
Para o aprimoramento das informações quantitativas (tangíveis), o projeto contou com a colaboração de contabilistas da Universidade de Santa Catarina. Já para o aperfeiçoamento das informações qualitativas (intangíveis), houve a contribuição de economistas da Universidade de Campinas (Unicamp).
Repercussão no meio acadêmico
Todo o desenvolvimento do projeto tem gerado trabalhos acadêmicos. Conforme a autora, o trabalho intitulado Percepção dos pequenos agricultores do sul de Minas Gerais acerca de práticas agrícolas sustentáveis e dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU (ODS) foi apresentado no 20º Congresso Nacional de Meio Ambiente de Poços de Caldas-MG, realizado em setembro de 2023.
Outro trabalho, em parceria com as pesquisadoras Edna Parente, Elisete D. Pfitscher e Tainá Bimbati, foi apresentado no 14º Congresso UFSC de Controladoria e Finanças (7th UFSC International Accounting Conference), promovido em junho de 2024, na UFSC, sob o título Balanço Social e Ambiental para pequenos produtores rurais.
Além disso, o paper científico intitulado Sustainability in the coffee sector: A multidimensional analysis of recognized certifications in the brazilian scenario, foi submetido à Revista Brasileira de Ciências Ambientais, no mês de outubro de 2024.
Vitoria Gabriele Souza Geraldine é acadêmica do curso de Medicina da UNIFAL-MG e bolsista do projeto +Ciência, cuja proposta é fomentar a cultura institucional de divulgação científica e tecnológica. A iniciativa conta com o apoio da FAPEMIG por meio do Programa Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia para desenvolvimento.
*Texto elaborado sob supervisão e orientação de Ana Carolina Araújo