Os Griôs são guardiões da memória dos povos africanos. São contadores de histórias e carregam e transmitem os conhecimentos de seus ancestrais por meio da tradição oral. Para transmitir esses saberes eles usam música, contam histórias, acessam genealogias, mitos e tradições ancestrais (Lima e Hernandez, 2010).
Os Griôs preservam e transmitem as histórias sobre reinos, governantes, herói, mitos, entidades, pessoas comuns e nos remetem a nossa essência ancestral. Quando morre um griô, toda biblioteca de um tempo, de um povo, de uma cultura morre com ele, mas seus saberes são passados no decorrer de sua vida aos seus descentes, que têm a missão de continuar a transmissão desses SABERES NEGROS (Lima e Hernandez, 2010).
E a base dos saberes da humanidade é a África. A África é o “berço da humanidade”, onde a evolução dos hominídeos até o Homo sapiens ocorreu, onde foi feita a descoberta de fósseis como o do Australopithecus afarensis. Toda a humanidade é, em sua raiz, africana (Harari, 2015).
Na África foi onde sugiram grandes civilizações que influenciaram a construção de toda ciência e da filosofia da humanidade. Foi no Egito que foram desenvolvidos os conhecimentos fundamentais da matemática, medicina, astronomia, engenharia e escrita. O Egito construiu sistemas de cálculo para a construção, desenvolveu um sistema de agricultura sofisticado, práticas médicas avançadas, além de um calendário solar. Além disso, o Egito influenciou de forma significativa a filosofia da humanidade, embora essa contribuição foi ofuscada pela filosofia grega na narrativa ocidental (Akotirene, 2023).
Os povos africanos, antes da colonização Europeia, já possuíam sociedades complexas e ricas como o Egito, o Império Mali, Zulu, Reino do Congo, dentre outros. Já possuíam tecnologias avançadas em agricultura, metalurgia e ourivesaria (Lopes, 2021). Com a colonização e o transplante transatlântico de pessoas escravizadas, esses saberes foram apagados (Lopes, 2021). Mas esses saberes seguiram para outros continentes dentro de seus Griôs que resistiram e continuaram transmitindo conhecimento para outras gerações (Lima e Hernandez, 2010).
Ao chegarem nas Américas, os africanos escravizados, traziam consigo tecnologias avançadas de mineração, metalurgia, fundição, agricultura, uma cultura diversa e pungente e tudo isso foi essencial para o desenvolvimento econômico das Colônias. Além disso, esses saberes influenciaram profundamente nossa cultura, nossa música, nossa literatura e nossa forma de socialização nas colônias (Lopes, 2021).
Em um processo de luta, resistência e resignação, suportando a dor e lutando contra escravidão, esses saberes continuavam (e continuam) vivos, inclusive na nossa forma de falar, afinal de contas, segundo Lélia Gonzales (2020), nós falamos “pretoguês”.
E esses saberes resistem e entram na academia da margem para centro (Hooks, 2019), ocupando espaços e construindo perspectivas de ciências diferentes, humanistas, inovadoras, tecnológicas e de enfrentamento ao preconceito.
Os netos dos Griôs continuam se movimentando e pensando de forma decolonial, foram criando movimentos como panafricanismos onde defendem a união e a solidariedade entre os povos de origem africana, aqui na diáspora e no continente Africano para lutar contra o racismo e a opressão e expandir cada vez mais esses saberes (NASCIMENTO, 2016).
Os netos dos Griôs continuam buscando e caminhando por esses saberes e construindo novos saberes na ciência, na cultura, na solidariedade, na sociedade. Esses netos constroem um senso de comunidade, autonomia, autodeterminação. Esses descendentes, cada vez mais, se aquilombam e mostram por meio destes saberes que “Eu sou porque nós somos”.
Nós somos os netos dos Griôs e resistimos a colonização, preservamos, comungamos, expandimos e continuamos construindo nossos saberes: Saberes Negros.
Referências:
AKOTIRENE, Carla. É fragrante fojado dôtor vossa excelência: audiências de custódia, africanidades e encarceramento em massa no Brasil. São Paulo: Pólen, 2023
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015
HOOKS, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Tradução de Rainer Patriota. São Paulo: Perspectiva, 2019
LIMA, Heloísa Pires; HERNANDEZ, Leila Leite. Toques do Griô: Memórias sobre contadores de histórias africanas. São Paulo: Melhoramentos, 2010
LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Autêntica, 2021
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectivas, 2016.

Janaina de Mendonça Fernandes é professora do curso de Administração Pública do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG e membra do programa de extensão “Dandara” da Universidade. Graduada em Composição Paisagística pela Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ e em Administração pela Universidade Estácio de Sá, possui mestrado em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ e doutorado em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas. A professora também possui pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UFF. Temas de interesse: políticas públicas participativas, políticas migratórias de refúgio e relações étnico-raciais e de gênero.
				














