Um modelo de economia narrativa

Ratos e homens (1937), de John Steinbeck, é um paradigma de eficácia narrativa. O enredo é enxuto e se concentra nos diálogos; os personagens são poucos, cada qual executa seu papel e, por assim dizer, desaparece da cena quando deixa de ser necessário — como numa boa peça de teatro. Nada falta, nada sobra nesse romance … Ler mais

A fé possível aos ateus

Era uma vez um santo comunista. Ainda jovem, deixou de lado as promessas de uma profissão na época rendosa, a odontologia, e dedicou-se de corpo e alma ao jornalismo num periódico mantido por militantes que consideravam o socialismo albanês um bom modelo. Era uma fé questionável como qualquer outra, mas esse rapaz sacrificou seus melhores … Ler mais

Umas prosas de Zeca Baleiro

Mesmo cometendo pecadilhos como chamar suas crônicas de “textículos” – um dia isso terá sido engraçado – e ocasionalmente tropeçando na gramática (mas nada muito grave…), Zeca Baleiro fez um bonito livro quando reuniu em Bala na agulha (2010) o material produzido para o blog publicado em sua página na internet (zecabaleiro.com.br). O volume, atravessado … Ler mais

O canto do cisne afásico

Sarcasticamente, o escritor argentino Julio Cortázar disse numa crônica que Samuel Beckett e outros artistas europeus do pós-guerra estavam “tirando traças do colete” enquanto a imprensa e a academia os consideravam a última palavra em termos de elaboração estética. Com tal opinião parece concordar o segundo narrador da novela Molloy (1951), que a páginas tantas … Ler mais

Gênio dorminhoco

Aos pais que se preocupam com seus filhos que querem dormir até o meio-dia, aqui vai um consolo: René Descartes, um dos filósofos modernos mais importantes, era preguiçoso igual. Isso não o impediu de revolucionar o pensamento ocidental, que andava patinando havia um milênio em comentários e variações sobre as obras de Platão e Aristóteles. … Ler mais

A mágica da simplicidade aparente

O argentino Mempo Giardinelli, nascido em 1947 na cidade de Resistencia, capital da província de Chaco, é um daqueles escritores imprescindíveis a sua sociedade. Não só produziu uma bela obra literária, composta de duas dezenas de livros de ficção – contos e romances –, mas tem sido um combatente pela justiça social e pelo direito … Ler mais

Como desperdiçar uma bela ideia

Alguns podem conhecer Long John Silver de lugares menos recomendáveis, mas a origem do nome é o personagem do livro de aventuras A ilha do Tesouro (1883), do escocês Robert Louis Stevenson. Essa obra, com seus tesouros imaginários enterrados em ilhas remotas e sinalizados por mapas esquecidos em baús, encantou gerações de meninos; foi transposta … Ler mais

A volta ao dia em 80 mundos

Uma homenagem e uma inversão: eis a fórmula do título desse livro do argentino Julio Cortázar, celebrado autor do romance O jogo da amarelinha (1963) e dos contos de Bestiário (1951), pontos altos da vasta obra que transformou o escritor num quase popstar durante os anos 1970. Ambas, inversão e homenagem, remetem ao francês Jules … Ler mais

As origens do “kafkiano”

Quando Franz Kafka tratou da publicação de seu primeiro livro – foram dois projetos de edição malogrados –, previu a reunião de seu primeiro conto importante, “O veredicto”, com a novela A metamorfose mais um terceiro texto. Este, na primeira tentativa editorial, era “O foguista”, e depois mudou para “Na colônia penal”. Como A metamorfose … Ler mais

Enchente de chifres

Que país rural, meu Deus! Há quadrúpedes por toda parte. (Samuel Beckett, em texto de 1951) [/perfectpullquote] Senão primeiro, o goiano José J. Veiga foi dos primeiros escritores a reagir, por meio de uma obra literária, ao golpe militar de 1964. Sua novela A hora dos ruminantes (1966) é uma clara alegoria da captura do … Ler mais

Uma fábula e dois prefácios

Sem ser, do ponto de vista estritamente literário, um grande livro (e seu autor sabia disso), A revolução dos bichos (1946) conquistou lugar indiscutível como clássico da literatura moderna. Chegou a ser incluído pela revista estadunidense Time numa lista dos 100 melhores romances de língua inglesa. Mas isso de listas e eleições, em literatura, nunca … Ler mais

Direito à preguiça, como assim?

Como o Elogio da Loucura (1511), uma das obras mais representativas do pensamento humanista, o famoso panfleto de Paul Lafargue, mestiço nascido em Cuba que se tornou estrela do movimento socialista europeu, tende ao exagero satírico. Outro mestre seu deve ter sido o irlandês Jonathan Swift, que, mais de dois séculos depois da obra de … Ler mais

O visgo do passado

Como um dos protagonistas de “Zezé e Dinim”, penúltimo dos 38 textos que compõem Inferno provisório (2016), Luiz Ruffato é dono de uma memória incomum. Ela é o principal ingrediente de sua poética narrativa que, posta em movimento com Histórias de remorsos e rancores, em 1998, logo tornou reconhecido o escritor nascido em Cataguases, como … Ler mais

Apóstolo da tolerância

Há muitas qualidades invejáveis no texto do escritor espanhol Fernando Savater, nascido em 1947 e autor de dezenas de obras filosóficas e, às vezes, literárias. Mas a qualidade mais rara, que não está muito em moda hoje em dia, é a tolerância; tanto que Savater, nascido numa cidade basca, jamais se nomeia pelo gentílico identitário, … Ler mais

Enciclopédia antropófaga

Quarenta anos depois de sua publicação, permanece praticamente ignorado pelos leitores e, o que é pior, pelos estudiosos da área, o romance No coração dos boatos, de Uilcon Pereira. O autor, paulista nascido em Tietê, morreu em 1996, sem ver sua obra ser levada a sério a não ser por meia dúzia de amigos e … Ler mais

O escritor antropófago, sem retoques

A melhor maneira de conhecer Oswald de Andrade é lendo sua obra. A segunda melhor maneira é percorrer as 286 páginas da fotobiografia O salão e a selva (1995), de Maria Eugênia Boaventura. O livro, que está a merecer reedição, documenta com dezenas de imagens a vida e a produção artística – além dos “escândalos … Ler mais