Concisa obra-prima

Lição profunda e tocante sobre a condição humana, A morte de Ivan Ilitch (1886) está muito longe de certas arengas superficiais que andam passando por ficção ultimamente. Seu autor, Liev (= Leão) Tostói, figura entre os maiores escritores de uma literatura que não os deu poucos – a russa. Seus monumentais romances Guerra e paz … Ler mais

O desconcerto Bartleby

Aí estão as mesas digitalizadoras, os scanners portáteis e os programas estatais de renda mínima para mostrar, com quase dois séculos de atraso, que o personagem de Melville não era tão desparafusado como parece ao narrador. Bartleby, protagonista da novela que tem seu nome no título, deve ter compreendido que o trabalho de escrevente não … Ler mais

Nariz extraviado e outros despautérios

Durante a leitura do volume no qual se incluem “O nariz” e “Diário de um louco”, é nítida a sensação de estar lendo Franz Kafka, apesar de os dois contos do russo Nikolai Gógol terem sido publicados na primeira metade do século XIX, ou seja, quase um século antes de surgir a obra do escritor … Ler mais

Desconstrução apressada

Foi muita coragem de Paulo Puterman meter-se a desmontar a noção frankfurtiana de indústria cultural. A ousadia já fica patente no título de seu estudo, que não deixa dúvida: para o autor, o conceito posto em circulação por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento (1947) estava, meio século depois, em “agonia”. Revertamos ao provérbio: … Ler mais

Minimal e desbocada

Quando publicou Az mulerez – grafado assim mesmo, mais um til sobre o l que demanda ginástica impossível ao teclado do notebook – Natércia Pontes contava apenas 24 anos. Formada em radialismo, a escritora cearense é filha de Augusto Pontes, que foi secretário estadual de Cultura em seu Estado e assina o interessante prefácio desse … Ler mais

Um modelo de economia narrativa

Ratos e homens (1937), de John Steinbeck, é um paradigma de eficácia narrativa. O enredo é enxuto e se concentra nos diálogos; os personagens são poucos, cada qual executa seu papel e, por assim dizer, desaparece da cena quando deixa de ser necessário — como numa boa peça de teatro. Nada falta, nada sobra nesse romance … Ler mais

A fé possível aos ateus

Era uma vez um santo comunista. Ainda jovem, deixou de lado as promessas de uma profissão na época rendosa, a odontologia, e dedicou-se de corpo e alma ao jornalismo num periódico mantido por militantes que consideravam o socialismo albanês um bom modelo. Era uma fé questionável como qualquer outra, mas esse rapaz sacrificou seus melhores … Ler mais

Umas prosas de Zeca Baleiro

Mesmo cometendo pecadilhos como chamar suas crônicas de “textículos” – um dia isso terá sido engraçado – e ocasionalmente tropeçando na gramática (mas nada muito grave…), Zeca Baleiro fez um bonito livro quando reuniu em Bala na agulha (2010) o material produzido para o blog publicado em sua página na internet (zecabaleiro.com.br). O volume, atravessado … Ler mais

O canto do cisne afásico

Sarcasticamente, o escritor argentino Julio Cortázar disse numa crônica que Samuel Beckett e outros artistas europeus do pós-guerra estavam “tirando traças do colete” enquanto a imprensa e a academia os consideravam a última palavra em termos de elaboração estética. Com tal opinião parece concordar o segundo narrador da novela Molloy (1951), que a páginas tantas … Ler mais

Gênio dorminhoco

Aos pais que se preocupam com seus filhos que querem dormir até o meio-dia, aqui vai um consolo: René Descartes, um dos filósofos modernos mais importantes, era preguiçoso igual. Isso não o impediu de revolucionar o pensamento ocidental, que andava patinando havia um milênio em comentários e variações sobre as obras de Platão e Aristóteles. … Ler mais

Como desperdiçar uma bela ideia

Alguns podem conhecer Long John Silver de lugares menos recomendáveis, mas a origem do nome é o personagem do livro de aventuras A ilha do Tesouro (1883), do escocês Robert Louis Stevenson. Essa obra, com seus tesouros imaginários enterrados em ilhas remotas e sinalizados por mapas esquecidos em baús, encantou gerações de meninos; foi transposta … Ler mais

A volta ao dia em 80 mundos

Uma homenagem e uma inversão: eis a fórmula do título desse livro do argentino Julio Cortázar, celebrado autor do romance O jogo da amarelinha (1963) e dos contos de Bestiário (1951), pontos altos da vasta obra que transformou o escritor num quase popstar durante os anos 1970. Ambas, inversão e homenagem, remetem ao francês Jules … Ler mais

As origens do “kafkiano”

Quando Franz Kafka tratou da publicação de seu primeiro livro – foram dois projetos de edição malogrados –, previu a reunião de seu primeiro conto importante, “O veredicto”, com a novela A metamorfose mais um terceiro texto. Este, na primeira tentativa editorial, era “O foguista”, e depois mudou para “Na colônia penal”. Como A metamorfose … Ler mais

Enchente de chifres

Que país rural, meu Deus! Há quadrúpedes por toda parte. (Samuel Beckett, em texto de 1951) [/perfectpullquote] Senão primeiro, o goiano José J. Veiga foi dos primeiros escritores a reagir, por meio de uma obra literária, ao golpe militar de 1964. Sua novela A hora dos ruminantes (1966) é uma clara alegoria da captura do … Ler mais

Uma fábula e dois prefácios

Sem ser, do ponto de vista estritamente literário, um grande livro (e seu autor sabia disso), A revolução dos bichos (1946) conquistou lugar indiscutível como clássico da literatura moderna. Chegou a ser incluído pela revista estadunidense Time numa lista dos 100 melhores romances de língua inglesa. Mas isso de listas e eleições, em literatura, nunca … Ler mais

Direito à preguiça, como assim?

Como o Elogio da Loucura (1511), uma das obras mais representativas do pensamento humanista, o famoso panfleto de Paul Lafargue, mestiço nascido em Cuba que se tornou estrela do movimento socialista europeu, tende ao exagero satírico. Outro mestre seu deve ter sido o irlandês Jonathan Swift, que, mais de dois séculos depois da obra de … Ler mais