Em referência ao Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, celebrado no dia 23 de junho, a equipe de comunicação conversou com Jéssica Ferreira Borges, professora do curso de Engenharia Civil do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da UNIFAL-MG Poços de Caldas, oportunidade em que ela falou sobre os desafios e progressos das mulheres na área.
A docente enfatizou o crescimento da participação feminina na Engenharia e compartilhou experiências pessoais e profissionais, revelando, por exemplo, as barreiras culturais e sociais que ainda precisam ser superadas. Dentre as barreiras, a entrevistada apontou a resistência de trabalhadores em aceitar ordens de mulheres e o preconceito enfrentado nas atividades de campo.
Jéssica Borges também destacou a influência positiva que mentoras e líderes femininas têm na inspiração das novas gerações, e expressou a esperança de que, nos próximos anos, haja uma maior equidade de tratamento no mercado de trabalho e um aumento no número de mulheres em posições de liderança na Engenharia.
Confira a entrevista na íntegra a seguir:
De que forma você avalia a participação das mulheres na Engenharia hoje?
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“A participação das mulheres na Engenharia têm aumentado a cada ano, mas ainda somos um percentual de apenas 20% de engenheiras do total de engenheiros cadastrados nos conselhos de classes.” [/perfectpullquote]
Jéssica Ferreira Borges: Bom, a participação das mulheres na Engenharia têm aumentado a cada ano, mas ainda somos um percentual de apenas 20% de engenheiras do total de engenheiros cadastrados nos conselhos de classes. Como desde 2017 atuo na docência, noto que o percentual de mulheres nos cursos de Engenharia têm aumentado cada vez mais, portanto o percentual de engenheiras tende a aumentar nos próximos anos. Mas a profissão de Engenharia demanda muito planejamento, visão futura dos processos, função de ser multitarefa e de observação, sendo que essas características estão atreladas a maioria das mulheres pelo seu papel “multiusuário”. Mas enfrentamos muitos julgamentos pela sociedade, por exemplo na instrução de um processo executivo para um pedreiro, até pegarem confiança, eles apresentam repulsão às nossas instruções. Tudo isso é conquistado com o tempo, mas a profissional precisa estar preparada.
Na sua opinião, quais são as principais barreiras culturais que dificultam a entrada e a permanência das mulheres na Engenharia?
Jéssica Ferreira Borges: Culturalmente há inúmeros desafios a serem vencidos, como por exemplo a aceitação pela sociedade das mulheres atuarem na gestão ou até serviços considerados “arriscados”. Aproveito para compartilhar uma experiência que tive quando atuava como engenheira civil, onde era responsável por manutenções prediais, função a qual temos que realizar análise do problema para propor as soluções corretas, só que ao chegar em prédios algumas pessoas estranhava, e até me desmotivaram a fazer, o meu papel de vistoriar telhados pelo perigo de subir neles, aconselhando que delegasse essas tarefas a alguém que me passaria as informações de como estava lá em cima porque eu era mulher e não deveria fazer este serviço, ainda mais na época tendo apenas 23 anos. Todos comentavam como eu tinha coragem de fazer isso, sendo que estava dentro da minha função. E inúmeras outras barreiras, como perguntarem como é a minha alteração de humor no período pré-menstrual em uma entrevista de emprego, o assédio sexual vivenciado diariamente, o que acredito que não impacte apenas na carreira da Engenharia, e sim em quase todas as carreiras que as mulheres procuram atingir cargos de direção e gestão.
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“Enfrentamos muitos julgamentos pela sociedade, por exemplo na instrução de um processo executivo para um pedreiro, até pegarem confiança, eles apresentam repulsão às nossas instruções.”[/perfectpullquote]
Você acha que a percepção das mulheres na Engenharia está mudando? Caso sim, de que forma você percebe isso?
Jéssica Ferreira Borges: Sim, acho que o aumento significativo de engenheiras no mercado têm contribuído para a melhoria da percepção da sociedade. Isso pode ser confirmado com a maior participação de mulheres no mercado de Engenharia, com o aumento do número de discentes nos cursos e também com a quebra de alguns estigmas da sociedade de que as mulheres são símbolos de fragilidade e delicadeza. Mas a maioria destes estigmas de atuação de gênero na profissão são transferidos de geração em geração e por não verem cotidianamente mulheres atuando nessas profissões. Mas, historicamente, há grandes feitos na Engenharia que foram proporcionados por mulheres, fruto de muito esforço para conquistarem seu espaço. Uma história interessante é sobre a construção da ponte do Brooklyn, onde a mulher do engenheiro chefe pela construção da ponte teve que assumir o papel dele após o mesmo ficar doente, o que não foi bem visto pela sociedade no período, mas que ela provou que havia competência para essa responsabilidade, pois sempre estudou Engenharia com o marido, mesmo não podendo frequentar uma Universidade na época. Então após a conclusão da obra conseguiu se formar em Engenharia, pois após o trabalho foi aceita na universidade.
Como o ambiente acadêmico e profissional pode influenciar a presença das mulheres na Engenharia?
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“O ambiente acadêmico tem suma importância para formar essas alunas com competência comportamental perante os desafios da sociedade que são muitos, referente a sua postura em reuniões e ações de grupo. Além, é óbvio, de uma boa formação técnica para que ela se destaque e conquiste seu espaço no mercado.”[/perfectpullquote]
Jéssica Ferreira Borges: Acredito que o ambiente acadêmico tem suma importância para formar essas alunas com competência comportamental perante os desafios da sociedade que são muitos, referente a sua postura em reuniões e ações de grupo. Além, é óbvio, de uma boa formação técnica para que ela se destaque e conquiste seu espaço no mercado. No âmbito profissional, há inúmeros pontos, mas o principal deles é a equidade salarial, de funções e atribuições. Além do que, muitas vezes as mulheres precisam provar que possuem bem mais competências para alcançarem melhores atribuições do que o homem, e ainda ouvir falar que só alcançaram tal função por ser bonita, ou por ficar de “papo” com chefe.
Qual a importância da presença de mentoras e líderes mulheres para inspirar as novas gerações?
Jéssica Ferreira Borges: Acredito que isso seja primordial, como citei anteriormente a quebra de estigmas na sociedade com a função da mulher em posição de liderança é quebrada quando isso se torna comum. Então, quanto mais exemplos tivermos melhor será. Hoje temos a Society of Women Engineers, da qual faço parte, que faz este papel de interligar as engenheiras com as estudantes para este papel de mentoria para a vida profissional. Mas também podemos nos inspirar com histórias antigas, como a retratada no filme “Estrelas além do tempo”, onde trata bem do roteiro das dificuldades da confiança em métodos realizados por mulheres, aconselho que todos assistam.
Como a diversidade do gênero pode impactar positivamente a inovação e a resolução dos problemas na Engenharia?
Jéssica Ferreira Borges: Bom, a diversidade de gênero é interessante em todas as áreas, mas na Engenharia onde é necessário elaborar estratégias, solucionar os problemas e tentar melhorias nos processos, as percepções de mundo diferentes trarão bons resultados. Então como os pontos de visão masculino e feminino são diferentes haverá contribuição de ambas as partes, pois cada um enxergará as suas peculiaridades de resolver o problema ou de inovar.
Existem desafios específicos para as mulheres no que diz respeito a alcançar posições de liderança na Engenharia? Como você enxerga essa questão da carreira das engenheiras?
Jéssica Ferreira Borges: Se levantarmos a porcentagem de mulheres em cargos de direção é muito inferior à de homens, haja vista que nós mulheres precisamos encaixar junto do desenvolvimento profissional a rotina familiar, como a rotina do seu lar, decisão de ter filhos, pois isso restringe os horários de dedicação ao trabalho e a disponibilidade para viagens. Acho que isso é um dos principais desafios ao assumir posições de liderança, ainda mais em cargos de Engenharia. Acredito que como a engenheira sempre será líder de uma equipe a jornada dupla familiar é um dos fatores limitantes para essa atuação e aceitação no mercado.
Quais mudanças você gostaria de ver ocorrer nos próximos anos?
[perfectpullquote align=”left” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”17″] “Desejamos sempre uma equidade de tratamentos, onde no trabalho sejamos vistas como pessoas, sem prévios julgamentos devido ao gênero como existe. Desejo ver o mercado mais equilibrado entre os gêneros e que surja mais referências de engenheiras.” [/perfectpullquote]
Jéssica Ferreira Borges: Em si, desejamos sempre uma equidade de tratamentos, onde no trabalho sejamos vistas como pessoas, sem prévios julgamentos devido ao gênero como existe. Desejo ver o mercado mais equilibrado entre os gêneros e que surja mais referências de engenheiras.
Quais dicas daria para jovens mulheres que têm o desejo de se tornarem engenheiras?
Jéssica Ferreira Borges: Bom, se você gosta de desafios, de planejamento, de matemática e física e ainda gosta de sistematizar os passos futuros venha fazer Engenharia, se empenhe e dedique na sua formação. Com boa postura e sua bagagem técnica você conseguirá ingressar no mercado, e com a percepção multitarefa, característica feminina, você sobressairá aos demais.