“Sophie levou as mãos ao rosto, perguntando-se o que o homem tinha olhado com tanto horror. Então sentiu as rugas macias e profundas. Olhou para as mãos. Também estavam enrugadas e esqueléticas, com veias grossas no dorso e nós dos dedos salientes. Ela levantou a saia cinza e olhou os tornozelos e pés magricelas e decrépitos, o que deixara frouxos seus sapatos. Aquelas eram as pernas de alguém com uns 90 anos, e pareciam bem reais.”
O Castelo Animado conta a história de Sophie, uma jovem de 18 anos que, após ser amaldiçoada pela temida Bruxa das Terras Desoladas, é transformada em uma senhora de 90 anos. Em busca de quebrar o feitiço, encontra refúgio no misterioso castelo do mago Howl, conhecido por sua beleza e pela terrível fama de devorar os corações das belas jovens que o encontram. Agora ela precisa enfrentar os desafios de sua nova condição, desvendar os segredos do excêntrico mago e navegar pelos perigos e mistérios de um mundo repleto de magia durante uma guerra que a cerca.
Se uma palavra pudesse resumir este livro, seria “sutileza”. Diana Wynne Jones apresenta personagens multidimensionais e um enredo que brinca com as percepções e expectativas do leitor através da visão da protagonista. Cada situação e acontecimento deste universo é apresentado de forma gradual, mas profundamente impactante. Um dos maiores exemplos são suas irmãs que, de início, captamos personalidades clichês vistas em contos de fadas, mas logo somos surpreendidos com novas opiniões. A protagonista é um reflexo de dualidades: insegura e ousada, imperfeita e cheia de força. Sua jornada não é apenas física, mas também emocional, revelando como a coragem e a autodescoberta podem surgir das circunstâncias mais inusitadas.
A narrativa também subverte convenções de contos de fadas tradicionais. Howl, por exemplo, não é o típico herói; ele é vaidoso, dramático e cheio de contradições: inseguro, destemido, covarde, mas ao mesmo tempo profundamente humano. Esse equilíbrio entre humor, magia e emoção faz do livro uma obra encantadora, que transcende o público juvenil e cativa os leitores de todas as idades.
Por sua vez, o castelo também desempenha um papel crucial na narrativa. Com seus mistérios e pernas que permitem vagar pelas terras de Porthaven, ele não é apenas uma estrutura encantada, mas também um elo entre diversas partes do mundo. Por meio de uma porta e poucos quartos, o castelo revela conexões inesperadas e uma história profundamente ligada a Howl e ao significado de família, adicionando uma sensação de acolhimento e segurança ao leitor. E, não menos importante, nele habitam dois seres maravilhosos: um demônio engraçado, que é o coração do castelo, e convence Sophie a um acordo bem inusitado, e um adolescente de 15 anos, lindo e bem debochado, mas muito gentil, chamado Michael (é meramente impossível não amar esses dois).
Ao ler cada capítulo, vemos um menino transformar-se em um homem decidido e centralizado; a cada birra e pirraça, detectamos traumas e camadas mais complexas, vendo as dificuldades de expor sentimentos e responsabilidades amadurecendo lindamente. Durante os capítulos, Howl precisa aprender a lidar com Sophie (ela consegue bagunçar a cabeça e o castelo de Howl, o que me deixou diversas vezes suspirando), que diferente de todas as pessoas que o conhece, ela tem o dom de decifrá-lo e isso o assustou e encantou.
“O que foi que você fez desta vez? — Ele continuou a fitá-la, enquanto Sophie explicava. — Um espantalho? Calcifer concordou em mover o castelo mais velozmente por causa de um espantalho? Querida Sophie, por favor, me diga como você força um demônio do fogo a ser tão prestativo. Eu adoraria saber! […] — Sinto muito, mas vai ter de ir — disse Howl. — Você assusta Sophie e não dá para saber o que ela é capaz de fazer quando está assustada. Pensando bem, você me assusta também.”
O Castelo Animado é construído lentamente, mas muito bem pensado, fazendo com que fiquemos admirados e surpresos pelas situações que vão se desenvolvendo. O livro é curto: rapidamente, você se dá conta de que está acabando, mas ainda assim consegue construir personagens cativantes, críticas sociais e ter aquela vontade de gritar para o Howl: tire a maldição de Sophie e vá beijá-la agora!
De início, a ideia de contos de fadas, tais como Cinderela ou Branca de Neve, é posta à mesa e isso é genial, porque em menos de segundos, percebemos que essas ideias estão apenas na mente de Sophie e que a história não é sobre o que ela pensa, mas sim de seu desenvolvimento. Assim como Howl, assistimos a todos mudarem e a se desenvolverem.
Paratexto editorial Resenha Crítica, produzido no âmbito da disciplina “Introdução à Editoração”, ministrada pela professora Flaviane Faria Carvalho, em parceria com os projetos +Ciência (FAPEMIG/UNIFAL-MG) e Laboratório de Estudos Editoriais (PROEC/UNIFAL-MG).
Edvando Cesar Santana Oliveira é estudante do 2º período do curso de Letras/Bacharelado em Língua Portuguesa da UNIFAL-MG.
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