
A invasão territorial estrangeira nas terras que hoje conhecemos como Brasil data do século XVI. Com a chegada de povos vindos de outros continentes, como portugueses, espanhóis e holandeses, a ocupação do território – iniciada pelo litoral nordestino – ocorreu por meio de inúmeros conflitos, mas também de alianças com os povos indígenas. Desde então, os povos originários têm lutado para proteger sua existência e a terra que desde sempre os abriga. A história que conhecemos hoje é marcada, sobretudo, por perdas: de vidas, de populações indígenas inteiras, de etnias e de línguas. De fato, o massacre foi imenso e as perdas, incontáveis. No entanto, é fundamental ressaltar que essa história também é atravessada por muita luta e resistência.
Desde os tempos coloniais, os povos indígenas têm se revoltado em resposta às invasões de suas terras. O dia 7 de fevereiro é lembrado como o “Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas“, em memória da liderança Guarani Sepé Tiaraju, assassinado em 1756 por portugueses e espanhóis. “Sepé foi atingido por uma lança portuguesa, recebendo logo depois o tiro do governador de Montevidéu, dom José Joaquim de Viana, que lhe foi fatal” (Prezia, 2017:130). Em seu bolso, Sepé carregava parte de uma carta endereçada ao então governador de Buenos Aires, José Andonaegui, na qual afirmava não querer a vinda do representante do rei de Portugal. Ele enfatizava que, sempre que o “bom rei” precisou, ele e seu povo atenderam ao chamado, mas que o pedido para que deixassem suas terras, seus ervais e seus territórios não seriam atendidos.
Nunca o nosso bom rei quis tiranizar-nos, nem prejudicar-nos, atendendo sempre aos nossos pedidos. E assim não o cremos nunca, quando dizes vós – ‘índios, dai vossa terra e o quanto tendes aos portugueses’. Não o cremos nunca e não há de ser assim. Só se por acaso quiserem comprá-las com o sangue: nós, todos os índios, as havemos de comprar [com nosso sangue]. Vinte aldeias nos juntamos para sair-lhes ao encontro e muita alegria nos entregaremos [pela morte], antes de entregar nossas terras. (Prezia, 2017:129).
Sepé é apenas uma entre tantas outras lideranças indígenas cuja vida foi ceifada pela ganância dos colonizadores. Poderíamos lembrar também de Tibiriça, Guirapikaba, Pinakama, Tujukupapo, Ypaun Assu, Ybiratininga, Zorobabé, Nheençu, Tagaibuna, Mandu Ladino e tantas outras lideranças cujos nomes a história não guardou. Outras, ainda hoje, têm suas vidas atravessadas pela luta e pela resistência, pois nenhum outro cenário é possível em tempos de invasão, assédio e predação capitalista.
Sepé Tiaraju foi homenageado em 4 de novembro de 2005, quando a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul sancionou a Lei nº 12.366, que o declarou “Herói Guarani Missioneiro Rio-Grandense”, instituindo o dia 7 de fevereiro como data oficial para a celebração de sua memória no estado. Em 12 de junho de 2008, por meio da Lei nº 11.696, a data passou a ser reconhecida nacionalmente como o “Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas”. Posteriormente, em 21 de setembro de 2009, Sepé teve seu nome inscrito no “Livro de Heróis da Pátria”, por meio da Lei nº 12.032.
Se a memória e a celebração daqueles que viveram e morreram lutando não podem ser esquecidas, aqueles que ainda hoje seguem resistindo precisam ser nomeados e cada vez mais convocados a ocupar espaços — sejam eles políticos, culturais, universitários, escolares, urbanos, arquitetônicos, rurais, tradicionais ou inovadores. Todos!
Sendo esse movimento fundamental, utilizo este espaço para brindar a luta, a resistência e a vida de todos os povos indígenas — em honra aos que se foram, aos viventes e aos que virão; às matas, às plantas, à Jurema, às ervas e aos seres-outros-que-humanos, aos Encantados, que seguem agindo desde seus planos neste mundo.
Sobretudo, brindo as mulheres que admiro e cujas lutas acompanho por meio de vínculos afetivos, amizades, parcerias, trabalhos e admiração: Carliusa Ramos Kiriri, Roseni Pankaru, D. Alzira Ramos Pankaru, Vitoria Naia Kariri, Jacy Cariz Vera Duarte Guarani, Célia Xakriabá, Joênia Wapixana, Sônia Guajajara, Daiara Tukano, Dayana Molina, Eliane Potiguara, Souto MC, Katu Mirim, Kaê Guajajara, Majur Traytowu — e todas as resistências indígenas neste país que chamamos de Brasil.
LEI Nº 11.696, DE 12 DE JUNHO DE 2008 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11696.htm#:~:text=LEI%20Nº%2011.696%2C%20DE%2012,no%20dia%207%20de%20fevereiro.
LEI Nº 12.032, DE 21 DE SETEMBRO DE 2009 https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12032-21-setembro-2009-591299-publicacaooriginal-116386-pl.html
LEI Nº 12.366, DE 03 DE NOVEMBRO DE 2005. https://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/12.366.pdf
PREZIA, Benedito. História da resistência indígena: 500 anos de luta. 1. ed. -São Paulo: Expressão Popular, 2017.

Maria Carolina Arruda Branco é egressa do curso de Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) da UNIFAL-MG. Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP), é também mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Sociocultural da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD/MS). Desde 2020, desenvolve pesquisas com o povo Kiriri do Acré, no Sul de Minas Gerais. Durante o mestrado, estudou questões de liderança feminina junto a esse povo, e no doutorado, pesquisa a relação entre Mulheres, Plantas e Encantados no Toré do povo Kiriri do Acré. É pesquisadora vinculada aos seguintes grupos de pesquisa: Humanimalia – Antropologia das Relações Humano-Animais (UFSCar), Etnografia, Linguagem e Ontologia – ELO (UFSCar), Etnologia e História Indígena (UFGD), Grupo de Estudos em Antropologia: Modos de Existência e suas Variações (UEMS) e OIRO – Observatório de Inovações, Redes e Organizações (UFOP).
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