Abril Indígena: As Línguas Indígenas

Povos Indígenas no Brasil. (Imagem: Instituto Socioambiental-ISA)

O século XXI tem sido marcado por um crescente movimento global de valorização e revitalização de línguas ameaçadas, impulsionado por iniciativas internacionais como a Década Internacional das Línguas Indígenas (IDIL), proclamada pela Organização das Nações Unidas em 2019, e estabelecida para o período de 2022 a 2032. Essa iniciativa chama atenção para a situação crítica de muitas línguas indígenas ao redor do mundo e mobiliza esforços para preservar, revitalizar e valorizar a diversidade linguística dos povos.

No Brasil, esse marco se materializa por meio da Década das Línguas Indígenas no Brasil, organizada pelos grupos de trabalho “GT Nacional das Décadas das Línguas Indígenas”, “GT Nacional das Línguas de Sinais Indígenas” e “GT Nacional do Português Indígena”. O objetivo central é contribuir para o:

“aperfeiçoamento de políticas de línguas no âmbito linguístico, cultural,
educacional e social visando a garantia do direito dos Povos indígenas
no Brasil no uso de suas línguas” (Década das Línguas Indígenas –
Proposta do GT Nacional)

Esse movimento evidencia o protagonismo indígena no processo de fortalecimento e manutenção das línguas originárias. No Nordeste do Brasil, essa mobilização assume contornos específicos, diferentes de outras regiões do país, principalmente devido ao contexto de vitalidade das línguas, muitas das quais são oficialmente consideradas “extintas”. No entanto, como a vasta literatura antropológica tem demonstrado, essas línguas nunca desapareceram de fato.

Sabemos que, no Brasil, o Português e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) são as línguas oficiais. Porém, além das 274 línguas indígenas faladas e de tantas outras em processo de retomada e fortalecimento, temos também o Braslind, termo que se refere ao português falado por povos indígenas, que incorpora estruturas e características das línguas indígenas, “resultando em um português indigenizado” (RUBIM, 2024). Há ainda as Línguas Indígenas de Sinais (LIS), nascidas de um processo perspicaz de observação e vivência dos povos indígenas, descritas da seguinte forma:

“Cada ser da natureza tem sua própria forma de se expressar, e, assim
como eles, os povos indígenas desenvolveram suas línguas de sinais,
inspirados por esses movimentos, criando uma comunicação rica em
simbologia, cultura e identidade.” (RUBIM; SANTOS, 2024)

Fortemente engajados no reconhecimento das línguas indígenas, os povos originários têm também proposto a cooficialização das línguas — o reconhecimento de que uma língua falada em determinada região é oficial juntamente com o Português e a LIBRAS. Assim, a língua passa a ter:

“status jurídico que garante seu uso em serviços públicos, educação,
comunicação oficial e outros âmbitos da
vida social e administrativa da região onde é cooficializada” RUBIM, MELGUEIRO, KLEPPA, 2024:
12)

Diante desse cenário, é instigante o protagonismo dos povos indígenas com suas línguas — orais, de sinais ou indigenizadas — e como resistem não apenas como instrumentos de comunicação, mas como expressões de mundos, saberes e modos de existência. Ao reconhecer sua importância e garantir políticas públicas que assegurem seu uso e fortalecimento, não estamos apenas salvaguardando patrimônios linguísticos, mas afirmando o direito dos povos indígenas de existirem plenamente em sua diversidade

Os conteúdos produzidos por indígenas e pesquisadores, que vêm sendo incorporados aos materiais da Década das Línguas Indígenas no Brasil, são ricos e potentes para aqueles que buscam conhecimento e aprofundamento sobre a diversidade linguística dos povos indígenas no país.

Este texto faz parte da série “Abril Indígena”, um convite a todas as pessoas, dentro e fora da academia, a olhar para as questões levantadas por sujeitos indígenas e a compreender o papel que temos, enquanto sociedade, na garantia dos direitos dos povos indígenas, que vêm sendo atacados desde sempre no Brasil. Ao longo do mês de abril, semanalmente, serão compartilhados textos sobre essa temática. Fica o convite para a leitura do próximo!

Referências

DÉCADA DAS LÍNGUAS INDÍGENAS. Propostas do GT Nacional da Décadas das Línguas Indígenas para subsidiar o Departamento de Línguas e Memória Indígena. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1_3hZIZpoltrPh_dc2gTsgEzmeUW236jh/view

RUBIM, Altaci Correa. 2024. Braslind: o caminho para as linguas ancestrais. 1.ed. Brasília, DF: Ed. dos autores. Disponível em: https://www.decadalinguasindigenasbr.com/wp-content/uploads/2025/04/BRASLIND-CARTILHA-DIGITAL-1.pdf

RUBIM, Altaci Corrêa; MELGUEIRO, Edison Martins; KLEPPA, Lou-Ann (ORG.). 2024. Cartilha de cooficialização de línguas indígenas. 1.ed., Brasília, DF: Ed. dos autores. Disponível em: https://www.decadalinguasindigenasbr.com/wp-content/uploads/2025/04/Cartilha-de-Co-oficializacao-BRASIL.pdf

RUBIM, Altaci Corrêa; SANTOS, David Kaique Rodrigues dos (ORG.). 2024. Línguas Indígenas de Sinais (LIS) – Brasília, DF. (Campanha de Promoção da Década Internacional das Línguas Indígenas; 4). Disponível em: https://www.decadalinguasindigenasbr.com/wp-content/uploads/2025/04/Cartilha-Linguas-Indigenas-de-Sinais-LIS-DIGITAL-4.pdf

Maria Carolina Arruda Branco é egressa do curso de Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) da UNIFAL-MG. Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP), é também mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Sociocultural da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD/MS). Desde 2020, desenvolve pesquisas com o povo Kiriri do Acré, no Sul de Minas Gerais. Durante o mestrado, estudou questões de liderança feminina junto a esse povo, e no doutorado, pesquisa a relação entre Mulheres, Plantas e Encantados no Toré do povo Kiriri do Acré. É pesquisadora vinculada aos seguintes grupos de pesquisa: Humanimalia – Antropologia das Relações Humano-Animais (UFSCar), Etnografia, Linguagem e Ontologia – ELO (UFSCar), Etnologia e História Indígena (UFGD), Grupo de Estudos em Antropologia: Modos de Existência e suas Variações (UEMS) e OIRO – Observatório de Inovações, Redes e Organizações (UFOP).  

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:: Abril Indígena: Povos Indígenas no Brasil e o dia 19 de abril

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