
Como abordado no texto da semana passada (03/04), os povos indígenas no Brasil são compostos por uma imensa diversidade de etnias e línguas, presentes em todo o território nacional. Em Minas Gerais, não é diferente. Segundo a Agência Minas Gerais (2022), portal de notícias oficiais do Estado vinculado ao SECOM – Secretaria de Estado de Comunicação Social:
“As etnias indígenas que vivem no estado são Pataxó,
Pataxó Hã Hã Hãe, Pankararú, Xukuru-Kariri, Kiriri,
Maxakali, Mokuriñ, Kaxixó, Krenak, Tuxá e Xakriabá.
Elas estão localizadas em 20 municípios mineiros:
Açucena, Araçuaí, Bertópolis, Buritizeiro, Caldas,
Campanário, Carmésia, Coronel Murta, Guanhães,
Itacarambi, Itapecerica, Ladainha, Martinho Campos,
Resplendor, Santa Helena de Minas, São João das
Missões, Teófilo Otoni, São Joaquim de Bicas, Presidente
Olegário e Esmeraldas.”
Contudo, essa afirmação, feita em 2022, leva em consideração apenas os povos indígenas aldeados, desconsiderando uma grande parcela da população indígena que vive em contextos urbanos, muitas vezes escondida atrás da categoria “pardo”.
Há presença indígena em muito mais cidades do que as vinte listadas acima, uma realidade que reflete processos de desterritorialização, deslocamentos e retomadas, por diversas motivações. Dados do Censo de 2022 revelam que há cerca de 31.885 pessoas indígenas no estado de Minas Gerais. Só em Belo Horizonte, vivem pelo menos 2.486 pessoas indígenas. Nos municípios onde a UNIFAL possui campus, também há presença indígena: 66 pessoas em Alfenas, 94 em Poços de Caldas e 79 em Varginha.
Abril, marcado pela celebração do Dia dos Povos Indígenas (19/04), tornou-se um mês simbólico de luta e visibilidade para os povos originários. As comemorações não são apenas institucionais, mas também promovidas pelas próprias comunidades indígenas, que realizam festas em seus territórios, onde compartilham aspectos de sua cultura, espiritualidade, culinária, vestimentas, reivindicações e modos de vida.
O Povo Kiriri do Acré, residente na zona rural de Caldas, no sul de Minas Gerais — com quem mantenho relação devido as minhas pesquisas acadêmicas, mas sobretudo pela amizade — realiza anualmente, no mês de abril, uma grande celebração. A festa convida a comunidade externa a visitar o território, conhecer o povo e suas expressões culturais. Há brincadeiras tradicionais, comidas típicas, venda de artesanato e inauguração de espaços na aldeia, fruto das conquistas políticas do grupo. Os músicos da aldeia se apresentam, tornando o evento uma oportunidade única de conhecer o povo Kiriri para além dos estereótipos ainda tão presentes no imaginário social.
Assim como no caso Kiriri, outras comunidades indígenas em Minas Gerais e no Brasil, também realizam celebrações em abril. O mês, que se consolidou como um período de visibilidade para os povos indígenas, é uma excelente oportunidade de se aproximar da diversidade, aprender com o outro e conhecer realidades que, muitas vezes, estão tão próximas de nós, ainda que invisibilizadas em muitos momentos.
Nesse contexto, vale lembrar do texto de Rafaella Dotta, publicado no Brasil de Fato em setembro de 2021, que apresenta a história de três mulheres indígenas que vivem e lutam em Minas Gerais: Toá Kãnynã Pankararu, Cacica Apinaera Pataxó e Carliusa Francisca Ramos Kiriri. O texto foca na resistência dessas lideranças diante do Marco Temporal, tese jurídica que restringe os direitos territoriais indígenas dos povos que não estivessem ocupando suas terras na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Evidentemente esta tese ignora os processos históricos de violência, expulsão e deslocamento forçado sofridos pelos povos indígenas no Brasil desde a invasão colonial — e, por isso, é amplamente criticada e considerada inconstitucional. As histórias dessas mulheres e das comunidades que resistem nos mais diversos cantos de Minas Gerais nos lembram que a luta indígena é atual, viva e cotidiana. Reconhecê-la, ouvi-la e valorizá-la é um passo essencial para a construção de uma sociedade mais justa, plural e verdadeiramente democrática.
Este texto faz parte da série “Abril Indígena”, um convite a todas as pessoas, dentro e fora da academia, a olhar para as questões levantadas por sujeitos indígenas e a compreender o papel que temos, enquanto sociedade, na garantia dos direitos dos povos indígenas, que vêm sendo atacados desde sempre no Brasil. Ao longo do mês de abril, semanalmente, serão compartilhados textos sobre essa temática. Fica o convite para a leitura do próximo!
Referências
Agência Minas Gerais (2022). Minas já vacinou 100% da população indígena com mais de cinco anos que vive em aldeias. Disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-ja-vacinou-100-da-populacao-indigena-com-mais-de-cinco-anos-que-vive-em-aldeias
APIB. Marco Temporal. Disponível em: https://apiboficial.org/marco-temporal/
Censo 2022. Panorama do Censo 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/
DOTTA, Rafaella (2021). Conheça a história de mulheres indígenas de MG que foram à Brasília contra o marco temporal. Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/09/01/conheca-a-historia-de-mulheres-indigenas-de-mg-que-foram-a-brasilia-contra-o-marco-temporal/

Maria Carolina Arruda Branco é egressa do curso de Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) da UNIFAL-MG. Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP), é também mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Sociocultural da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD/MS). Desde 2020, desenvolve pesquisas com o povo Kiriri do Acré, no Sul de Minas Gerais. Durante o mestrado, estudou questões de liderança feminina junto a esse povo, e no doutorado, pesquisa a relação entre Mulheres, Plantas e Encantados no Toré do povo Kiriri do Acré. É pesquisadora vinculada aos seguintes grupos de pesquisa: Humanimalia – Antropologia das Relações Humano-Animais (UFSCar), Etnografia, Linguagem e Ontologia – ELO (UFSCar), Etnologia e História Indígena (UFGD), Grupo de Estudos em Antropologia: Modos de Existência e suas Variações (UEMS) e OIRO – Observatório de Inovações, Redes e Organizações (UFOP).
Leia também: Abril Indígena: Povos Indígenas no Brasil e o dia 19 de abril
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