“Com as mudanças climáticas em curso, os caminhos das chuvas podem sofrer alteração, diminuindo, aumentando ou concentrando a precipitação em determinados lugares”, afirma o climatologista Paulo Henrique de Souza em entrevista para o Jornal UNIFAL-MG

Prof. Paulo Henrique de Souza - climatologista do Instituto de Ciências da Natureza. (Crédito da imagem: (Reprodução/EPTV)

O estado da Bahia teve o mês de dezembro mais chuvoso em 32 anos. Mais de 815 mil pessoas foram atingidas pelas fortes chuvas, de acordo com informações da Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec), divulgadas nesta quarta-feira, 5/1. Algumas cidades do estado de Minas Gerais também estão sofrendo as consequências das chuvas intensas, sobretudo, municípios da região norte. A Defesa Civil Nacional reconheceu a situação de emergência em 65 cidades mineiras. Mas afinal, por que está ocorrendo tantas chuvas concentradas em determinadas regiões? A grande intensidade das chuvas em certos lugares pode ser considerada um reflexo das mudanças climáticas? Qual é a previsão para o Sul de Minas?

Para ajudar a compreender melhor esses eventos, a equipe da Diretoria de Comunicação Social (Dicom) conversou com o climatologista e professor de Geografia do Instituto de Ciências da Natureza, Paulo Henrique de Souza

Confira a entrevista a seguir.


— Especialistas apontam que o volume de chuva na região sul da Bahia é atípico e parece ter como causa uma anomalia climática conhecida como La Niña. Do que se trata esse fenômeno, professor Paulo Henrique?

(Fonte: Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos)

O fenômeno conhecido como “La Niña” é identificado pelo resfriamento das águas do oceano Pacífico nas proximidades da costa do Equador e Peru, e, aumento da temperatura nas proximidades equatoriais próximas à Indonésia e Austrália, provocando mudanças na circulação atmosférica habitual que repercutem na distribuição e deslocamento das massas de ar pelo planeta. Com isso, lugares que habitualmente ficam privados de ventos úmidos e ajustam suas características a essa condição semiárida, são surpreendidos com uma conjuntura úmida e o aporte de maior precipitação que aumenta o nível de seus riachos e córregos sofrendo com alagamentos e inundações. Por outro lado, os lugares úmidos também podem ficar privados da passagem de massas de ar úmidas, ressentindo-se com a perda de umidade. Outros lugares sofrem com queda ou aumento de temperatura. Nesse ano, juntou-se a isso uma elevação maior das temperaturas do oceano Atlântico entre a linha do Equador e o Círculo Polar Ártico. Com isso, o corredor de chuva formado pela articulação das evaporações ocorridas na região Amazônica e no oceano Atlântico próximo ao Trópico de Capricórnio (ZCAS – Zona de Convergência do Atlântico Sul) deslocou-se mais ao Norte despejando litros e mais litros de água no Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia, diminuindo levemente sua presença no Centro-Oeste e Sudeste brasileiro.

— Qual é a projeção para a nossa região durante o mês de janeiro, visto que estão ocorrendo chuvas concentradas também aqui em Minas Gerais e mesmo no Sul de Minas?

(Fonte: ClimaTempo)

Com as interferências causadas na circulação atmosférica global pelas mudanças identificadas na temperatura do Pacífico e no Atlântico Norte, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) que habitualmente proporciona chuvas ao Sudeste e Centro-Oeste brasileiro, esse ano avançou mais ao Norte, provocando aguaceiros no Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia em dezembro de 2021. No entanto, para o mês de janeiro de 2022 a precipitação no Norte de Minas e Sul da Bahia vai prosseguir, mas em patamar abaixo do verificado em dezembro e próximo da habitualidade. Já o Sul de Minas Gerais deve ser visitado pelas precipitações elevadas, pois a ação da ZCAS estará presente na região nesse início de ano. Essa condição é desejável em razão de corresponder ao padrão climático da área que tem nos meses do verão seus índices pluviométricos mais elevados e característicos de seu clima Tropical de Altitude. Veja o mapa de previsão de precipitação para janeiro/2022.

— Em relação aos últimos anos, como está o volume de chuvas no Sul de Minas e quais cidades têm registrado chuvas acima do previsto?

O comportamento da precipitação ainda não evidencia uma regularidade, mesmo assim é possível verificar que o nível de precipitação diferiu-se em 2020 frente a 2019 e 2021. Aqui no Sul de Minas Gerais, a precipitação de dezembro de 2021 foi inferior a 2020, conforme os gráficos abaixo (Alfenas e Guaxupé) evidenciam. Por ora, os principais índices estão sendo verificados nas proximidades da Mantiqueira na região percorrida pelo rio Verde. Os dados ainda estão sendo consolidados, mas certamente até o final dessa primeira quinzena de janeiro será possível afirmar com exatidão qual a localidade recebeu o maior índice pluviométrico da região Sul de Minas Gerais. Provavelmente será uma das cidades situadas nessa porção do território mineiro como a cheia do referido rio sinaliza com suas inundações e impactos decorrentes.

(Fonte: Arquivo/Pesquisador)

 

— Como esses eventos podem causar deslizamentos e enchentes, de que forma você orienta a população sobre os riscos que podem ser causados pelos temporais na nossa região? É possível falarmos em medidas de prevenção?

[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”15″] “Por mais que as ações pessoais importem, a prevenção efetiva só ocorre com ações coletivas que propiciem a proteção do solo exposto através do reflorestamento e de obras de engenharia que venham a dissipar e impedir o escoamento concentrado da enxurrada pelo terreno, afirma o especialista sobre medidas de prevenção aos riscos causados pelos temporais.[/perfectpullquote]


Sempre que o índice de chuva for superior à habitualidade e à capacidade de absorção do solo ou de escoamento nas calhas dos rios, haverá risco de deslizamento se há solo exposto e inclinação elevada do terreno (declividade) ou inundações. Por mais que as ações pessoais importem, a prevenção efetiva só ocorre com ações coletivas que propiciem a proteção do solo exposto através do reflorestamento e de obras de engenharia que venham a dissipar e impedir o escoamento concentrado da enxurrada pelo terreno. Também há que se pensar na desocupação de áreas de riscos mediante um programa de preservação de encostas, nascentes e margens de rios. Esse programa deve contemplar um programa habitacional e a ação do Poder Público. No campo das ações individuais, convém o plantio de vegetação, acompanhamento dos alertas emitidos pela Defesa Civil, migração dos locais de risco e a busca de um consenso local de moradores em favor da busca de orientação quanto a área em que estão instalados e estratégias que poderiam ser adotadas para minimizar o impacto da precipitação elevada. É importante ressaltar que os problemas agravam-se em razão do avanço da humanidade sobre as áreas de riscos, pois, como os eventos são “curtos” frente aos 365 dias que o ano possui, muitos consentem com o risco e acabam ocupando esses lugares nos períodos de calmaria que prevalecem; entretanto, esquecem que o dano destas catástrofes pode ser irreparável mesmo que durem 3 ou 4 dias, sobretudo quando ocasionam mortes e a perda dos bens duramente obtidos após meses de trabalho.

— Na sua opinião, a intensidade dessas chuvas pode estar de alguma forma relacionada com as mudanças climáticas? Como você analisa o fenômeno a partir da perspectiva do aquecimento global?

[perfectpullquote align=”left” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”15″]”Infelizmente minha análise não encontra perspectiva futura que seja animadora, pois com o aumento de energia absorvida pelo planeta, seguramente haverá alteração na distribuição da mesma e nos deslocamentos das massas de ar, impedindo que a regularidade e habitualidade que havia no sistema se mantenha”, avalia o professor Paulo Henrique de Souza.[/perfectpullquote]

Sim, está relacionada, pois as chuvas são transportadas pelas massas de ar que respondem à ciclagem da energia por todo o planeta (absorção e distribuição) e organizam as áreas de baixa e alta pressão que são estabelecidas e distribuídas pelo planeta. Com as mudanças climáticas em curso, os caminhos das chuvas (deslocamento das massas de ar úmidas) podem sofrer alteração ou “congestionamento”, diminuindo, aumentando ou concentrando a precipitação em determinados lugares, descaracterizando o padrão climático que a localidade possuía e que já estava muito bem incorporado pela paisagem e seus elementos constituintes. Infelizmente minha análise não encontra perspectiva futura que seja animadora, pois com o aumento de energia absorvida pelo planeta, seguramente haverá alteração na distribuição da mesma e nos deslocamentos das massas de ar, impedindo que a regularidade e habitualidade que havia no sistema se mantenha. Quando digo “habitualidade” ou “regularidade” não estou excluindo as secas e as inundações, ou ainda as friagens e o calor, outrossim, estou ressaltando a perda de previsibilidade. Na habitualidade, eventos dessa natureza ocorriam numa escala cíclica que apesar de impactantes no momento de sua ocorrência, eram assimilados pela sequência de anos com índices dentro da média. O fim dessa habitualidade implica em alteração nesses ciclos e médias que eram estabelecidos por séculos e podem passar a ser alterados em décadas, aumentando o estresse ambiental em razão das oscilações que passarão a ser frequentes e intensas. Talvez o cenário futuro já esteja delineado pelo nível de interferência que a humanidade procedeu sobre os ecossistemas do planeta. O comportamento da atmosfera nos próximos anos irá sinalizar se caminhamos para uma nova conjuntura com a reorganização dos padrões climáticos em nível global. Com isso não estou dizendo que não teremos lugares frios, quentes, úmidos ou secos; tampouco digo que teremos um novo tipo climático dentre aqueles já identificados por Thornthwaite, Strahler, Köppen-Geiger, Martonne etc. em suas classificações climáticas, mas sim que a distribuição dessas características sofrerá mudança dentro daquilo que é possível a partir da altitude, latitude, continentalidade e maritimidade que os lugares possuam. Mudanças mais ágeis que o desejável pela capacidade da paisagem e seus elementos constituintes se ajustarem a elas.

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