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Coordenadores do mestrado em Gestão Pública e Sociedade analisam a atuação, os estigmas e as transformações tecnológicas no universo do servidor público

Uma recente pesquisa realizada pelo DataFolha, a pedido de especialistas na pauta de lideranças e gestão de pessoas que integram o Movimento Pessoas à Frente, apontou que a maioria dos brasileiros reconhecem a falta de valorização e as dificuldades enfrentadas pelos servidores públicos. Os dados do documento “Opinião dos brasileiros sobre funcionalismo público e lideranças” foram divulgados na semana em que se comemorou o Dia do Servidor Público, em 28 de outubro, e estão disponíveis neste link.

Para compreender melhor as complexidades e nuances do papel do servidor público no Brasil, a equipe conversou com os professores do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG Varginha, Gabriel Rodrigo Gomes Pessanha e Ana Carolina Guerra, pesquisadores da área de Administração, que atualmente coordenam o Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade (PPGPS).

Na conversa, os professores explicam as origens do serviço público brasileiro, passando pelos desafios enfrentados pelos profissionais, até as percepções culturais que muitas vezes distorcem a realidade do funcionalismo público. Além disso, os pesquisadores discutem como a inovação e a tecnologia estão moldando a eficiência dos serviços públicos e como os servidores estão se adaptando a essas mudanças, especialmente diante dos desafios impostos pela pandemia.

Confira a seguir:


 Qual é a definição para servidor público e como esse conceito surgiu?

Prof. Gabriel Pessanha: Existem diversas definições para servidor público, mas na minha visão, a melhor definição está pautada na sua importante função no serviço à população. São pessoas que trabalham para a administração direta, autarquias ou fundações de natureza federal, estadual ou municipal e que promovem a cidadania e o fortalecimento da democracia. O servidor público é um profissional que garante o direito dos brasileiros de terem acesso a serviços públicos de qualidade independente de qual partido esteja no poder, são os servidores os agentes que garantem que o Estado cumpra seu papel institucional e democrático de servir à população. O serviço público brasileiro surgiu no século XIX com a chegada da Família Real. A data em que o dia do servidor público é celebrada foi instituída no Governo Vargas.

[perfectpullquote align=”left” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”16″]“São os servidores os agentes que garantem que o Estado cumpra seu papel institucional e democrático de servir à população”, explica o professor Gabriel Pessanha.[/perfectpullquote]

Como coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade da UNIFAL-MG, que entre seus objetivos busca a articulação entre os setores público e privado, de que forma vocês percebem as semelhanças e as diferenças na atuação de profissionais do serviço público em comparação com os profissionais da iniciativa privada?

Profa. Ana Carolina Guerra: Acho que uma questão fundamental que precisa ser destacada é a diferença entre os objetivos dos profissionais do setor público e do setor privado. No setor privado o objetivo da organização está na maximização de seus rendimentos, do seu lucro, o que relaciona diretamente com os interesses do dono da organização. Isso difere dos objetivos de uma organização pública. Nesta, o objetivo é o interesse público, coletivo, o bem comum. Então, não necessariamente um serviço com menor custo, por exemplo, será o que traria melhor retorno para a população, o que resolveria um problema público. Dito isso, é importante salientar que esse direcionamento de foco é o que condicionará diretamente a atuação dos profissionais. Em termos de ferramentas técnicas, gerenciais, a atuação dos profissionais dos dois setores é bastante similar. Entretanto, o profissional do setor público precisa também lidar com questões relacionadas à participação popular, conflitos de interesse, escassez de recursos, decisões coletivas, questões políticas, culturais, sociais etc. 

[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”16″]”No setor privado o objetivo da organização está na maximização de seus rendimentos, do seu lucro, o que relaciona diretamente com os interesses do dono da organização. Isso difere dos objetivos de uma organização pública. Nesta, o objetivo é o interesse público, coletivo, o bem comum”, detalha a professora Ana Carolina Guerra.[/perfectpullquote]

Quais são os principais desafios que os servidores públicos enfrentam ao desempenhar suas funções?

Profa. Ana Carolina Guerra: Acho que os principais desafios estão mais no campo do discurso, dos mitos de que temos muitos servidores públicos, que ganham muito, trabalham pouco, e sem qualidade. Isso é um estigma que muitas vezes é difundido no imaginário coletivo da população brasileira e que é muito distante da realidade, como ressaltamos aqui em estudos recentes acerca da quantidade de servidores e dos seus salários. E ainda existem outros estudos que demonstram os crescentes casos de doenças ocupacionais em servidores públicos, em especial devido ao excesso de trabalho. Atrelado a tudo isso, outros desafios estão relacionados a escassez de recursos para a implementação de políticas públicas, burocracia excessiva em muitos setores, dificultando a execução dos serviços, e mesmo entraves políticos partidários. 

Existem percepções culturais que ajudam a alimentar certo estigma sobre o servidor público. Vocês podem comentar os fatores que contribuem para que ainda exista esse estigma em torno da categoria?

Profa. Ana Carolina Guerra:  Por estarmos inseridos dentro de um modelo econômico neoliberal, há uma difusão de uma percepção que o setor privado é mais eficiente que o setor público, e que o Estado Brasileiro está “inchado” de servidores públicos. Mas esses mitos, nada mais são do que mitos mesmo. Um estudo recente do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] demonstrou recentemente, que ao contrário do que se diz, o Brasil possui menos servidores públicos comparativamente a países como os Estados Unidos e algumas nações europeias, por exemplo. Ainda segundo o estudo, dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão atuando no setor público com diferentes tipos de contratação, representando 12,45% do total. Essa porcentagem está bem atrás de países de referência como a Noruega (30,22%) e a Suécia (29,28%). Além disso, um fator importante a ser destacado também são as políticas públicas de cada país. O Brasil possui políticas de universalização da saúde e da educação, por exemplo, o que demanda mais profissionais públicos. Entretanto, apesar disso, ele está no nível intermediário na comparação com outros países, em termos do efetivo de servidores públicos.

De que forma a inovação e a tecnologia estão sendo incorporadas para melhorar a eficiência dos serviços públicos e como os servidores estão se adaptando a essas mudanças? Vocês identificam essas mudanças na realidade da UNIFAL-MG? Comentem.

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“Percebe-se nos últimos anos uma tentativa de fortalecimento de uma cultura orientada a dados, eu, particularmente, vejo isso com bons olhos dada a quantidade de dados disponível e o potencial poder analítico para a formulação de políticas públicas cada vez mais eficientes, eficazes e que priorizem as reais necessidades dos cidadãos“, aponta o professor Gabriel Pessanha.[/perfectpullquote]

Prof. Gabriel Pessanha: Além dos inúmeros desafios trazidos pela pandemia de covid-19, percebeu-se a ocorrência de um processo de disrupção tecnológica gerado, principalmente, pelo isolamento social imposto pela crise sanitária que vivemos. Neste contexto, especialmente, no setor público, a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) foram imprescindíveis para a manutenção de algumas atividades laborais. É importante ressaltar que as TICs são consideradas pela ONU um dos meios para se atingir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Agenda 2030.
Independente e anteriormente à crise sanitária recente, já vivíamos momentos de produção acelerada de dados, incremento da capacidade computacional e evolução da inteligência artificial e do aprendizado de máquina profundo. A combinação destes fatores trouxe inúmeros desafios, mas também muitas oportunidades para as instituições públicas.
Uma das oportunidades se refere ao incremento da digitalização de dados e processos para melhorar a acessibilidade, rapidez e precisão de serviços públicos. Aliado à digitalização está a automatização de processos que pode, potencialmente, reduzir custos e liberar pessoas de atividades operacionais para que se concentrem em atividades mais complexas e forneçam um atendimento ao público cada vez mais humanizado.
Percebe-se nos últimos anos uma tentativa de fortalecimento de uma cultura orientada a dados, eu, particularmente, vejo isso com bons olhos dada a quantidade de dados disponível e o potencial poder analítico para a formulação de políticas públicas cada vez mais eficientes, eficazes e que priorizem as reais necessidades dos cidadãos. Além da formulação, o acompanhamento e monitoramento também se torna mais efetivo com uma cultura orientada a dados.
Em termos acadêmicos, os pesquisadores da UNIFAL-MG também têm desenvolvido muitas pesquisas tecnológicas que contribuem muito para a geração de conhecimento e tecnologias capazes de transformar a sociedade, especialmente no contexto pandêmico recente. 

De que maneira os servidores públicos podem promover a transparência e a responsabilidade na administração pública?

Prof. Gabriel Pessanha: Na minha visão, a transparência é um tema importante para todos nós. É comum confundirmos os termos transparência e publicidade, entretanto, é válido ressaltar que os conceitos são diferentes e, em certa medida, complementares. Tornar público dados e informações não implica necessariamente em transparência. A transparência está relacionada à possibilidade de acesso e compreensão de informações. Neste sentido, é importante que os servidores públicos sejam agentes difusores de informações úteis e prontas para serem consumidas pelos cidadãos. 

Especialistas avaliam que a proporção de servidores públicos no Brasil é relativamente menor que em outros países comparáveis, no entanto, o funcionalismo público brasileiro é um dos mais caros do mundo. Por que os gastos com o funcionalismo público são tão elevados no Brasil?

[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=”16″]”Embora tenhamos no país uma classe privilegiada entre os servidores públicos, conhecidos por altos salários e privilégios na carreira, essa não é a realidade da grande maioria dos servidores públicos no Brasil”, esclarece a professora Ana Carolina Guerra. [/perfectpullquote]

Profa. Ana Carolina Guerra: Essas informações não são realmente coerentes com a verdade. Embora tenhamos no país uma classe privilegiada entre os servidores públicos, conhecidos por altos salários e privilégios na carreira, essa não é a realidade da grande maioria dos servidores públicos no Brasil. Há uma base de dados realizada pelo República.org, que é um instituto que possui como objetivo o aprimoramento da políticas de gestão de pessoas no serviço público brasileiro, com informações apuradas por diferentes fontes oficiais, como o Atlas do Estado Brasileiro do Ipea e a Rais (Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho e Emprego). Nesta base, os números desmistificam muito do que se propaga. Eles demonstram, por exemplo, que metade dos servidores públicos do país recebe cerca de R$ 3.400 por mês, ou seja, menos de três salários mínimos, que hoje está fixado em R$ 1.320. Ampliando um pouco o escopo, 70% do total recebe mensalmente até R$ 5.000.

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