A ser verdade – e deve ser – que os livros citados na telenovela Bom sucesso, transmitida em 2019 pela Rede Globo, tinham suas vendas aumentadas, a publicação de Tem um livro aqui que você vai gostar (2020) terá tido efeito semelhante. O título do volume repete a frase que o personagem Alberto, interpretado por Antonio Fagundes, dizia a cada vez que pensava em indicar uma leitura para sua neta Sofia ou para Paloma, personagem interpretada por Grazi Massafera.
Segundo o autor, foi pensando naquele efeito da novela que ele teve a ideia de fazer o livro. E este pode ser mesmo, para quem quer se iniciar na leitura e não sabe por onde, uma boa fonte de indicações. O estilo leve de Fagundes, além de sua notoriedade, pode ser o estímulo que falta para muitas pessoas começarem a se tornar leitores. Além disso, a edição é visualmente arejada e a divisão do volume em seções facilita a, por assim dizer, navegação.
O fato de Fagundes ser um leitor amador tem vantagens e desvantagens. A principal vantagem é que as indicações se fundam no prazer da leitura – pelo menos é o que parece. Mas o livro peca por excessiva ligeireza quando, por exemplo, reduz a poesia a pouquíssimos autores, deixando de fora nomes como Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski. Pior ainda, não tem uma seção sobre contos e crônicas – sendo notório que textos curtos e humorísticos estão entre as principais vias de entrada, sobretudo para crianças e jovens, no mundo da leitura. Há excessiva ênfase nos romances, que, salvo engano, são mais indicados para quem já não tem medo de enfrentar um volume inteiro.
Fagundes começa contando sua própria iniciação na leitura, que se deu por volta dos 7 anos. Essa iniciação ocorreu por meio das histórias em quadrinhos, que eram consideradas “horríveis” por muitos adultos; em seguida, orientado por uma bibliotecária, foi passando para narrativas de aventuras (especialmente, Júlio Verne) e chegou à grande ficção do século XIX ao interessar-se por Os miseráveis, de Victor Hugo. Seu caminho de leituras, diz o ator, trouxe-o à situação dos dias atuais, quando dificilmente lê menos de dois livros por semana.
Faz parte dos atrativos de Tem um livro aqui… a inserção de historinhas anedóticas. Uma delas tem como personagem o livreiro carioca José Sanz, que, perguntado por uma cliente sobre o que havia de novo na loja, respondeu “Dostoiévski”, explicando à mulher que tudo o que ela ainda não havia lido era novo para ela, “independentemente da época em que foi escrito ou publicado” – o acréscimo é de Fagundes.
Outra dessas histórias é sobre a improvável estreia do norte-americano Stephen King, autor de best-sellers de terror:
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Esse autor, antes de ficar famoso, era professor de inglês, escrevia contos e os mandava
para revistas, mas os contos sempre eram recusados, devolvidos com cartinhas de
desculpas, e as revistas nunca publicavam nada. Ele continuou escrevendo e chegou a
terminar um romance, mas acabou o jogando no lixo, achando que não ia dar em nada.
Sua mulher, passando pelo lixo, viu aquele monte de papel, pegou e levou para um
editor. O livro foi publicado e fez o maior sucesso. Seu título era Carrie, a estranha.
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Quando relata a gênese de O nome da Rosa, porém, Fagundes escorrega em sua própria ligeireza: não é verdade que as primeiras 100 páginas do romance de Umberto Eco estão em latim; de fato, elas têm muitos trechos nessa língua, mas eles não atrapalham em nada a leitura do livro, que, afinal de contas, é um thriller policial escrito por um estudioso cultíssimo, tanto que o nome de seu vilão é uma homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges.
O segundo capítulo de Tem um livro aqui… inicia a série de indicações de leitura com o que o ator entende por clássicos da literatura brasileira, mas o primeiro é Livro de uma sogra, que está longe de ser a obra mais representativa de Aluísio Azevedo. Aliás, O cortiço – não só importantíssimo, como uma leitura agradável e fluente – nem entra na lista. Se o critério é o prazer da leitura, ademais, não poderiam faltar nessa lista títulos como Menino de engenho e O grande mentecapto, respectivamente de José Lins do Rego e Fernando Sabino, e tampouco as crônicas de O analista de Bagé, que transformam Luís Fernando Veríssimo em um dos escritores brasileiros de maior sucesso em todos os tempos. É que, coerentemente com sua formação, Fagundes enfatiza o gênero romance e, dentro dele, as obras adaptadas para o cinema e a televisão.
O capítulo dos clássicos universais começa com a Bíblia e, um pouco tardiamente, inclui duas obras de Machado de Assis: O alienista e Memórias póstumas de Brás Cubas. Mostrando que seu critério não é muito rigoroso, Fagundes colocou na mesma seção Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. E, fazendo o elogio de A cidadela, do escocês A.J. Cronin, não informa do que trata o enredo. O mesmo ocorrerá, mais adiante, com O conto da aia, da canadense Margaret Atwood.
Este último está no capítulo “Universos fascinantes”, que lista narrativas de terror e de ficção científica, além de outras tematizando um futuro distópico. Esse capítulo é antecedido daquele que apresenta as preferências do ator na área dos romances policiais.
No sétimo capítulo, o autor dá um jeito de enfiar um livro de Paulo Coelho entre Umberto Eco e Harold Bloom (O cânone ocidental), os três enfeixados como “Favoritos da crítica e do público”. Nada diz sobre nenhum livro do escritor brasileiro, mas aconselha o leitor a “deixar de besteira” – a besteira seria o preconceito dos intelectuais contra livros sabidamente ruins – e “dar uma chance aos nossos best-sellers”, concluindo que “Paulo Coelho é um dos que valem a pena”. Mas será que Fagundes realmente leu o romance cuja capa é recortada ali?
A essas alturas, parece que o ator global já estava cansado de seu livro, como o capítulo pífio sobre poesia havia acabado de sugerir. A série sobre livros para crianças e jovens é igualmente decepcionante: ignora os clássicos brasileiros nessa linha, que não são poucos, de Monteiro Lobato a Ruth Rocha, para restringir-se a obras sobre mitologia e a Harry Potter.
As listas são encerradas com uma série de livros sobre História, indo de Heródoto às autobiografias de Jô Soares e de Fernanda Montenegro, sobre questões contemporâneas (feminismo, drogas, tecnologia) e de autoajuda. Nesta última, ao referir-se a O andar do bêbado, do físico norte-americano Leonard Mlodinov, Fagundes tropeça na tabuada ao dizer que 7 vezes 7 são 48.
É uma seleção discutível, claro, como qualquer outra. Não se pode negar, porém, que tenha o mérito de fazer muitas indicações úteis. Como diz a contracapa: “Pode ter certeza; tem um livro aqui que você vai gostar”.
Título: Tem um livro aqui que você vai gostar
Autor: Antonio Fagundes
Gênero: Não-ficção
Ano da edição: 2020
ISBN: 978-65-5564-101-1
Selo: Sextante