Estudo confirma a importância das comissões de verificação para garantir a legitimidade das políticas afirmativas nas universidades públicas

Levantamento feito em dissertação de mestrado em Administração Pública da UNIFAL-MG aponta queda nas tentativas de fraude após criação de bancas de heteroidentificação
Imagem ilustrativa. (Foto gerada por IA/Plataforma DALL·E 3)

A criação de comissões responsáveis por verificar a autodeclaração racial de candidatos em universidades públicas têm mostrado resultados expressivos no combate a fraudes nas cotas raciais. Uma pesquisa desenvolvida na UNIFAL-MG demonstrou que a Comissão de Aferição da Veracidade da Autodeclaração (CAVANE) foi decisiva para tornar o sistema mais confiável e transparente.

Paulo Henrique Santos Pereira – autor da pesquisa. (Foto: Arquivo Pessoal)
Jackson Wilke da Cruz Souza – professor que orientou o trabalho. (Foto: Arquivo Pessoal)

O trabalho intitulado Sob a pele: o processo de heteroidentificação na graduação da Universidade Federal de Alfenas é de autoria do acadêmico Paulo Henrique Santos Pereira, desenvolvido sob a orientação do professor Jackson Wilke da Cruz Souza , que integrou o corpo docente do Mestrado Profissional em Administração Pública (Profiap) oferecido pela Universidade no campus Varginha, e hoje faz parte do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTI) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A CAVANE, comissão responsável por essa validação, foi criada em 2018 na UNIFAL-MG e, para Paulo Henrique Pereira, foi um divisor de águas na Universidade. “O resultado mais impactante é a drástica queda no percentual de matrículas indeferidas”, compartilha. Ele informa que, no início do processo, em 2018, 52% das autodeclarações analisadas eram rejeitadas, número que caiu para apenas 11% no segundo semestre de 2020. Segundo o acadêmico, isso sugere que a existência da comissão diminuiu tentativas de fraude, tornando o processo mais robusto e transparente.

Apesar do sucesso da comissão, o pesquisador aponta alguns desafios, como a dificuldade de engajamento e a necessidade de capacitação contínua da banca, importante para evitar injustiças, principalmente na classificação de pessoas pardas.

Os detalhes de como a política de cotas raciais é colocada em prática na UNIFAL-MG foi compreendida cruzando a análise de documentos oficiais, com os dados numéricos e o que outros pesquisadores já sabiam da área. Segundo o autor do estudo, a pesquisa contribuiu para a legitimação e defesa das políticas de cota. “Em um cenário de constantes ataques e desinformação sobre as ações afirmativas, estudos como este fornecem dados concretos que demonstram que as universidades estão, sim, criando mecanismos eficazes para combater fraudes. Isso fortalece a política de cotas perante a opinião pública e oferece argumentos sólidos para sua defesa e manutenção”, argumenta.

Para ele, a pesquisa promove um letramento racial, uma vez que conduz a comunidade acadêmica e sociedade a discutirem o que é ser negro no Brasil. Na sua visão, isso ajuda a desconstruir a ideia de que o Brasil é uma “democracia racial”, visto que raça é uma construção social, que a partir de traços físicos,  expõe pessoas a desigualdades. “O processo move o debate da esfera privada da autoidentificação para a esfera pública da heteroidentificação, que é como o racismo opera”, esclarece.

O trabalho também contribui para o aperfeiçoamento da Gestão Pública, pois ao detalhar o processo da UNIFAL-MG, com seus acertos e desafios, oferece um roteiro que pode ser adaptado e aprimorado por outros órgãos que implementam cota racial, como concursos públicos, citados pelo pesquisador.

“Para os jovens negros que são o público-alvo da política, a existência de uma comissão robusta garante essa segurança”, afirma, acrescentando que a garantia de sua vaga e da segurança contra os fraudadores aumenta a confiança no sistema.

O próximo passo do pesquisador é levar a discussão para além do ambiente universitário. Em seu doutorado, ele pretende investigar o uso de cotas raciais em concursos públicos da magistratura federal, com o objetivo de ampliar o debate sobre justiça e igualdade de oportunidades no serviço público.

Como a pandemia de covid-19 impactou na Comissão de Heteroidentificação na UNIFAL-MG

Os impactos da pandemia de covid-19 também foram avaliados. Para Paulo Henrique Santos Pereira, a doença trouxe tanto desafios quanto oportunidades. Com a necessidade de distanciamento social, a UNIFAL-MG e outras instituições precisaram adaptar um processo que depende da observação de características físicas, como cor da pele, textura do cabelo e formato do rosto, o que levou à implementação de entrevistas por videoconferência.

Além de manter a continuidade do processo, o formato remoto permitiu que candidatos que moram longe dos campi da Universidade participassem sem precisar arcar com custos de viagem. Para o pesquisador, essa experiência mostrou que o modelo híbrido pode tornar o sistema mais acessível e inclusivo, e ampliar as oportunidades para estudantes de diferentes regiões.

Para mais informações, acesse a dissertação Sob a pele: o processo de heteroidentificação na graduação da Universidade Federal de Alfenas, disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UNIFAL-MG.

Rafael Martins da Silva Afeto é mestrando em Ciências Ambientais na UNIFAL-MG e bolsista do projeto +Ciência, cuja proposta é fomentar a cultura institucional de divulgação científica e tecnológica. A iniciativa conta com o apoio da FAPEMIG por meio do Programa Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia para desenvolvimento.

*Texto elaborado sob supervisão e orientação de Ana Carolina Araújo

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