Movida pela curiosidade científica e pela vontade de transformar realidades por meio do cuidado, Gabrielly Santos Pereira construiu ainda na graduação em Fisioterapia na UNIFAL-MG uma trajetória acadêmica que a levou a uma conquista de destaque: a aprovação no doutorado direto da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, em um dos programas mais reconhecidos do país na área de Reabilitação e Desempenho Funcional.

Natural de Alfenas-MG, Gabrielly iniciou sua caminhada na pesquisa ainda nos primeiros períodos do curso, ao ingressar no Laboratório de Neurociência, Neuromodulação e Estudo da Dor (LANNED), onde se desenvolveu como jovem pesquisadora sob a orientação do professor Marcelo Lourenço da Silva. Bolsista de iniciação científica da FAPEMIG, ela participou de projetos pré-clínicos e clínicos, publicou em periódicos internacionais, integrou nove artigos científicos ainda na graduação, recebeu prêmios de destaque e consolidou sua vocação para a ciência.
Na entrevista a seguir, Gabrielly compartilha os primeiros passos na pesquisa, os desafios de conciliar graduação, extensão e produção científica, as experiências que marcaram sua formação no laboratório, a emoção ao receber a notícia da aprovação no doutorado, além de refletir sobre a importância da iniciação científica, dos programas de fomento e da presença feminina na ciência.
Confira na íntegra:
Primeiramente, você poderia se apresentar brevemente, contar onde nasceu e comentar o que a motivou a cursar Fisioterapia na UNIFAL-MG?
Gabrielly Santos Pereira: Eu sou filha da Patrícia Figueiredo – minha maior inspiração de vida. Foi ela que me faz acreditar que a dedicação e o amor podem transformar caminhos. Desde pequena fui uma criança sonhadora e alegre. Sou natural de Alfenas, Minas Gerais, e sempre tive uma ligação muito forte com a área da saúde, especialmente com temas relacionados à dor, movimento humano e reabilitação.
A Fisioterapia foi uma escolha pois possibilitava a união de ciência, cuidado e a possibilidade de transformar a vida das pessoas de maneira prática e direta. Quando conheci o curso de Fisioterapia da UNIFAL-MG, percebi que ele oferecia exatamente essa combinação: uma formação sólida, baseada em evidências, com professores altamente qualificados e oportunidades reais de vivência em pesquisa, extensão e clínica.
Além disso, a UNIFAL-MG é referência na região e sempre admirei a seriedade do trabalho desenvolvido na Universidade. Outro ponto que me motivou muito foi a possibilidade de me envolver cedo com pesquisa científica. Hoje, atuando no Laboratório de Neurociência, Neuromodulação e Estudo da Dor (LANNED), vejo que fiz a escolha certa, foi um espaço onde eu consegui unir a curiosidade científica, prática clínica e vontade de contribuir para a área da dor e da neuromodulação.
Qual foi o momento em que a pesquisa começou, de fato, a fazer sentido na sua formação?

Gabrielly Santos Pereira: A pesquisa começou a fazer sentido para mim quando percebi que ela não era algo distante da prática clínica, mas sim a base que sustenta as melhores decisões terapêuticas. Esse entendimento ficou muito claro quando entrei para o LANNED, ainda nos primeiros períodos da graduação. No início, eu via a pesquisa como algo abstrato, muito técnico e trabalhoso. Mas, conforme comecei a participar dos projetos, tanto nos modelos experimentais de dor quanto nos ensaios clínicos envolvendo neuromodulação, percebi que cada dado coletado, cada protocolo construído e cada artigo lido tinha um impacto direto na forma como entendemos o paciente e sua dor.
O momento decisivo foi quando participei das primeiras análises de comportamento em modelos animais e pude ver, na prática, como pequenas intervenções geraram mudanças mensuráveis. Ali eu entendi que a pesquisa não é apenas uma etapa acadêmica, é uma ferramenta de transformação, que nos permite propor algo novo, questionar o que já existe e, principalmente, contribuir para que futuros tratamentos sejam mais eficazes e humanos.
Sempre falei para o meu orientador: “Vamos testar uma coisa rapidinho?”; essa “coisa” acabou virando meu Trabalho de Conclusão de Curso. A partir daí, a pesquisa deixou de ser um complemento e se tornou parte central da minha formação.
Quais desafios você enfrentou ao conciliar graduação, iniciação científica, extensão e produção científica, e como superou esses obstáculos?
Gabrielly Santos Pereira: Conciliar todas essas atividades não foi simples. A graduação por si só já exige bastante, e quando somamos iniciação científica, projetos de extensão e produção científica, a rotina fica realmente intensa. Acho que o maior desafio foi aprender a organizar meu tempo e lidar com a responsabilidade de entregar resultados de qualidade em cada área. Foi assim que eu ganhei o prêmio Aurora do Crefito 4 de estagiária destaque de 2025.

Havia momentos em que as demandas se sobrepunham, coletas no laboratório, reuniões de projeto, eventos de extensão e provas da graduação acontecendo praticamente ao mesmo tempo. A sensação era de estar em várias frentes ao mesmo tempo, e isso exigiu muita maturidade.
O que me ajudou a superar esses obstáculos foi, em primeiro lugar, desenvolver disciplina e planejamento. Eu aprendi a priorizar, a criar rotinas semanais realistas e, principalmente, a comunicar quando algo estava acumulado. Outro fator essencial foi o apoio e a orientação próxima do professor: trabalhar com pessoas que acreditam no meu potencial tornou o processo mais leve.
Também precisei entender meus próprios limites, perceber que produtividade não significa fazer tudo ao mesmo tempo, mas sim fazer bem feito, com constância. Com o tempo, aprendi a transformar essa rotina desafiadora em uma rotina de crescimento. Hoje vejo que esse equilíbrio não só me fortaleceu academicamente, mas também me preparou para desafios maiores, como a entrada direta no doutorado.
Entre os projetos que desenvolveu no Laboratório de Neurociência, Neuromodulação e Estudo da Dor (LANNED), qual experiência mais marcou sua formação e por quê?
Gabrielly Santos Pereira: Entre todas as experiências que vivi no LANNED, a que mais marcou minha formação foi participar dos projetos experimentais envolvendo dor neonatal e dor neuropática, especialmente aqueles que avaliavam comportamento nociceptivo, alterações termográficas e mecanismos de modulação da dor.

Esses projetos me impactaram por dois motivos. Primeiro, porque foram minhas primeiras vivências com um modelo científico realmente completo, no qual eu participei desde a execução das coletas até a análise dos resultados. Isso me fez compreender a complexidade da pesquisa e a importância de cada detalhe metodológico.
Segundo, e talvez o mais importante, porque esses estudos me mostraram o quanto a ciência pode revelar sobre como experiências precoces moldam o sistema nervoso ao longo da vida. Ver na prática como uma intervenção no início da vida altera a resposta à dor na fase adulta despertou em mim um interesse profundo pelos mecanismos neurobiológicos da dor e da neuromodulação.
Além disso, tive a oportunidade de trabalhar em ensaios clínicos com taVNS e PMS, o que ampliou minha visão sobre a translação entre pesquisa básica e prática clínica. Percebi que meu trabalho no laboratório não ficava restrito aos animais ou à bancada, tinha potencial de contribuir para intervenções aplicadas em pessoas com dor crônica. Essa integração entre ciência básica, neuromodulação e aplicação clínica consolidou minha motivação para seguir carreira acadêmica e foi decisiva para que eu buscasse o doutorado direto.
Você publicou na PLOS One, integrou nove artigos científicos e recebeu prêmios de destaque ainda como graduanda. O que essas conquistas significam para você?
Gabrielly Santos Pereira: Essas conquistas têm um significado muito profundo para mim, porque representam não apenas resultados acadêmicos, mas todo o caminho percorrido até aqui. Cada artigo, cada prêmio e cada reconhecimento carregam horas de estudo, noites ajustando protocolos, revisando textos, repetindo experimentos e aprendendo com erros e acertos.

Publicar meu TCC na PLOS One durante a graduação, por exemplo, foi algo que eu nunca imaginei no início do curso. Tive uma ideia de testar um método no Crossfit e fizemos a intervenção. Foi um sucesso. Foi a prova concreta de que, aquela criança sonhadora estava concretizando sua vocação na ciência. Mesmo começando cedo, é possível produzir ciência de qualidade quando se tem oportunidade, orientação e comprometimento.
Qual foi o papel da orientação científica e das colaborações nacionais e internacionais na construção da sua trajetória?

Gabrielly Santos Pereira: Ter um orientador presente, acessível e realmente comprometido com a formação dos alunos interessados fez toda a diferença na minha trajetória. Na minha orientação encontrei muito mais do que alguém que ensinava técnicas de laboratório: encontrei alguém que me desafiou a pensar criticamente, a ter rigor metodológico e a acreditar no meu potencial como pesquisadora.
O professor Marcelo Lourenço teve um papel essencial nisso, oferecendo oportunidades de trabalho, responsabilidade e crescimento que foram decisivas para eu chegar até aqui, sempre com equilíbrio, apoio e confiança. Sendo assim, a ciência não se faz sozinha e que cada detalhe importa: desde a construção do protocolo até a forma como apresentamos nossos resultados para a comunidade científica.
Foi esse acompanhamento próximo que me deu segurança para assumir responsabilidades cada vez maiores, escrever artigos, apresentar trabalhos e me preparar para o doutorado direto. Na minha trajetória na Universidade tive outros professores que também de alguma forma me fizeram melhor. As colaborações nacionais e internacionais tiveram um impacto enorme na minha formação.
Trabalhar com pesquisadores de outras instituições ampliou minha visão sobre a pesquisa, me expôs a diferentes abordagens e fortaleceu minha capacidade de dialogar com outras áreas do conhecimento. Parcerias com grupos da USP, de Portugal e do Canadá, por exemplo, mostraram que a ciência é um espaço global e dinâmico, e que nossas perguntas ganham mais força quando compartilhadas com equipes diversas.
Como você recebeu a notícia da aprovação no doutorado direto e quais perspectivas de pesquisa pretende desenvolver junto ao Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funciona dal USP-Ribeirão Preto?
Gabrielly Santos Pereira: Receber a notícia da aprovação no doutorado direto foi um dos momentos mais marcantes da minha vida acadêmica. Eu estava saindo de um dia cansativo de estágio com meus colegas e lembro de sentir uma mistura de alívio, gratidão e emoção.
Saber que fui aprovada na USP, em um programa tão renomado, ainda mais no doutorado, me fez perceber o quanto essa trajetória construída desde a graduação realmente valeu a pena. Ao mesmo tempo, senti um senso de responsabilidade ainda maior.
O doutorado direto é um desafio científico e pessoal, e eu me sinto preparada e motivada para enfrentá-lo. Nesse novo ciclo, terei a orientação do professor João Eduardo, cuja experiência e linha de pesquisa dialogam diretamente com os temas que desejo aprofundar: modulação cortical e mecanismos neurofisiológicos relacionados ao motor overflow, uma área que conecta meus interesses em neuromodulação, controle motor e dor.
Pretendo desenvolver projetos que combinem técnicas como TMS, medidas neurofisiológicas, eletromiografia e análise de movimento, investigando como circuitos corticais e subcorticais podem ser modulados em diferentes populações, incluindo voluntários saudáveis e pessoas pós-AVC.
Outro ponto importante é ampliar as colaborações entre a UNIFAL-MG e a USP, fortalecendo a integração entre os grupos de pesquisa e permitindo que os achados do laboratório tenham maior impacto translacional. Quero contribuir para o desenvolvimento de tecnologias e protocolos clínicos que possam, no futuro, auxiliar na reabilitação neuromotora.
Na sua visão, qual a importância dos programas de fomento e da iniciação científica na formação de pesquisadores no Brasil?
Gabrielly Santos Pereira: Os programas de fomento e a iniciação científica são fundamentais para a formação de novos pesquisadores no Brasil, o apoio da UNIFAL-MG e da FAPEMIG foram fundamentais. Sem eles, grande parte dos estudantes não teria acesso às condições mínimas para desenvolver ciência de qualidade, como infraestrutura adequada, materiais de pesquisa, participação em eventos e, principalmente, a possibilidade de se dedicar às atividades acadêmicas com foco e continuidade.

Para mim, a iniciação científica foi o que transformou minha visão de mundo e abriu portas que eu nem imaginava no começo da graduação. É nesse espaço que aprendemos o que realmente é fazer ciência: estruturar perguntas relevantes, construir métodos rigorosos, analisar resultados e comunicar achados com responsabilidade. É também onde percebemos que a pesquisa não é algo distante da vida do estudante, ela molda nossa formação, nosso pensamento crítico e até nossas escolhas profissionais.
Os programas de fomento também têm um papel social muito importante, especialmente quando pensamos na participação feminina na pesquisa científica. No Brasil, as mulheres já representam mais de 50% das pesquisadoras, mas ainda enfrentam desafios como desigualdade de oportunidades, acúmulo de funções e menor representatividade em posições de liderança.
Ter acesso a bolsas e a ambientes de pesquisa estruturados ajuda a reduzir essas barreiras, permitindo que mais mulheres permaneçam na ciência, avancem na carreira acadêmica e ocupem espaços de destaque.
Pessoalmente, eu me sinto parte dessa construção. Poder atuar em projetos relevantes, publicar artigos, receber prêmios e agora iniciar o doutorado direto só foi possível porque existiram políticas públicas e incentivos voltados para jovens pesquisadores. E, como mulher na ciência, sinto que esses programas têm um impacto ainda maior, porque mostram que nós podemos, sim, produzir ciência de alto nível e ocupar lugares que historicamente não foram pensados para nós.
De que maneira a UNIFAL-MG e o LANNED impactaram sua formação acadêmica, humana e profissional?
Gabrielly Santos Pereira: A UNIFAL-MG me ofereceu uma base sólida, crítica e humanizada. Desde os primeiros períodos, fui estimulada a pensar além da técnica, a buscar evidências, a reconhecer a complexidade do cuidado e a valorizar o papel social da Fisioterapia.
A Universidade me mostrou que a formação profissional começa dentro da sala de aula, mas se expande para cada projeto, evento, estágio e diálogo que vivemos ao longo da graduação. Aprendi a ter responsabilidade, ética e sensibilidade diante das diferentes realidades que encontramos na prática. O LANNED, por sua vez, foi o espaço onde todas essas ideias ganharam vida, de alguma forma.
No laboratório, eu aprendi o rigor científico, a importância de cada etapa metodológica, o valor do trabalho e a força das perguntas que guiamos para a bancada. Foi no laboratório que descobri minha paixão pela pesquisa, pela neuromodulação e pelos mecanismos neurobiológicos da dor. Ali, fui desafiada todos os dias a pensar melhor, a fazer melhor e a crescer.
Mas o impacto foi também humano. Aprendi que ciência também é feita de pessoas e de suas histórias e que cada um tem uma motivação e um tipo de comprometimento, o que me ensinou sobre trabalhos em equipe, que não é fácil.
Tudo foi crescimento. Pude participar de congressos, publicar artigos, ganhar prêmios, integrar grupos de pesquisa e, finalmente, conquistar o doutorado direto. Tudo isso só foi possível porque tive uma base institucional que acreditou em mim e um laboratório que me ofereceu oportunidades reais de desenvolvimento.
Que mensagem você deixaria para outros estudantes que desejam trilhar o caminho da pesquisa científica e construir uma trajetória como a sua?
Gabrielly Santos Pereira: A mensagem que eu deixaria é: não tenha medo de começar, mesmo que pareça cedo demais ou difícil demais. A pesquisa científica é um caminho desafiador, mas também extremamente transformador. Ela exige disciplina, curiosidade, paciência e, acima de tudo, vontade de aprender sempre, mesmo quando os resultados não saem como esperado.

Por diversas vezes eu errei, mas não desisti. Procure pessoas que te acolham e te inspirem. Ande com os grandes. A escolha do laboratório e da orientação faz toda a diferença. Estar ao lado de pessoas que acreditam em você e te estimulam a crescer torna tudo mais leve, mais possível e mais bonito. Permita-se errar, fazer perguntas e explorar caminhos novos. Ciência é isso: tentar, observar, rever, tentar de novo e, de repente, descobrir algo que antes você nem imaginava.
Outra coisa importante é valorizar suas conquistas, por menores que pareçam e mesmo que seus colegas não fiquem felizes por você. Cada coleta, cada resumo enviado, cada paciente indo embora motivado sem dor, cada leitura, cada gráfico ajustado representa um passo na sua formação.
Às vezes, a gente acha que só grandes resultados contam, mas na verdade é o conjunto de pequenas evoluções que constrói uma trajetória sólida. E, principalmente, se você é mulher e deseja seguir na pesquisa, saiba que seu lugar é aqui. A ciência brasileira precisa da nossa voz, da nossa sensibilidade, da nossa força e do nosso olhar. Somos capazes de produzir conhecimento de alto nível, liderar projetos e transformar realidades e merecemos ocupar esses espaços.
Eu comecei sem saber exatamente onde chegaria, mas dei o primeiro passo. E foi esse passo que abriu todas as portas que vieram depois. Então, confie no processo, busque boas oportunidades, cerque-se de boas pessoas e caminhe com propósito. Muitos estarão ali só pra te desmotivar, mas tenha sua essência e seu amor em mente. Tenha uma mente blindada e uma voz que ecoa na ciência.
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