Surama Hualde, cientista da tecnologia formada pela UNIFAL-MG Poços de Caldas e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade, foi selecionada para participar de um curso na Argentina, voltado para pesquisadores que se dedicam ao estudo de anaeróbios (micro-organismos que não necessitam de oxigênio para o crescimento). O curso é oferecido pelo Instituto de Pesquisa Científica/CINDEFI CONICETI da Universidade Nacional de La Plata, onde passará a primeira semana de fevereiro. A acadêmica é a única mulher brasileira entre os 23 pesquisadores selecionados dentre os 21 países da América Latina e Caribe participantes.
Chamada AnaeroLat, a capacitação tem o objetivo de promover pesquisas sobre anaeróbios desconhecidos, os quais podem revelar novos genes e caminhos para fornecer soluções biotecnológicas para os desafios ambientais.
Para participar da seleção, Surama Hualde escreveu uma carta de motivação e apresentou o seu currículo, além de encaminhar uma carta de sua orientadora de mestrado, a professora Renata Piacentini Rodriguez. A mestranda acredita que o que contribuiu para sua seleção foi o conhecimento técnico-científico apresentado, além do projeto de pesquisa.
No mestrado, a discente desenvolve o projeto intitulado O pré-tratamento em bagaço e palha de cana-de-açúcar utilizando Pleorotus ostreatus e Pycnoporus sanguineus. Conforme explica, trata-se de uma pesquisa que visa explorar métodos de pré-tratamento desses materiais lignocelulósicos (que possuem lignina e celulose – e hemicelulose – em sua composição química) utilizando os fungos de podridão branca como forma de aumentar a disponibilização de substratos facilmente degradáveis por meio da digestão anaeróbia (DA).
“Com um crescente interesse global na sustentabilidade e na produção de energia limpa, a valorização desses resíduos representa uma contribuição significativa para o setor ambiental e energético”, argumenta.
Desafios para conciliar vida científica e maternidade
Na carta de motivação, a pesquisadora conta que procurou ser sincera em relação aos seus anseios e limitações. “Destaquei meu projeto e também que sou uma cientista e mãe de dois meninos (um de seis anos e outro de dois anos). Com isto, tenho alguns desafios financeiros para poder participar de reuniões e cursos científicos internacionais”, narra. “Uma oportunidade como essa, dentro da área de minha pesquisa, com bolsa viagem me auxiliaria a participar efetivamente desse importante curso”, relata.
Conforme Surama Hualde, como mãe e esposa, tem sido constantemente desafiada a equilibrar responsabilidades profissionais e familiares, o que a tem levado a aprender a ter resiliência e a priorizar tarefas de forma eficaz. “Essa experiência de vida também me motiva a buscar soluções sustentáveis para o futuro das próximas gerações”, diz.
A pesquisadora revela que até mesmo citar a maternidade na carta foi algo avaliado com cautela. “A maternidade ainda é vista de forma negativa em algumas indústrias e instituições acadêmicas e científicas, onde as mulheres são avaliadas por sua produtividade e disponibilidade. Muitas vezes somos vistas como menos comprometidas ou menos capazes de alcançar os mesmos resultados que seus colegas homens ou mulheres sem filhos. Essa visão, embora errada e injusta, ainda é prevalente em muitas culturas, o que pode levar a discriminação e exclusão das mulheres no meio científico”, compartilha.
Ciente de se tratar de uma questão complexa no meio acadêmico e científico, Surama Hualde pontua os desafios relacionados ao equilíbrio entre a vida materna e acadêmica, preconceitos de gênero, falta de políticas adequadas de apoio e representatividade limitada em áreas de liderança e pesquisa.
“Embora as mulheres tenham feito significativos avanços nas últimas décadas, muitos obstáculos ainda precisam ser superados”, afirma. “Pensando em tudo isso, falei comigo mesma: ‘Não posso deixar meu lado materno oculto. Tenho que ser sincera’”, acrescenta.
Em sua fala, a pesquisadora também destaca a admiração pela sua orientadora. “Ela é uma mulher mãe e cientista que não apenas busca seu próprio sucesso, mas também abre caminhos para outras mulheres”, diz. “Ela é uma grande inspiração para mim.”
Para além dos avanços na formação
Além de aprimorar conhecimentos e habilidades na área de digestão anaeróbica, e expandir a rede de contatos profissionais, a pesquisadora comenta que a participação no curso contribuirá para aprofundar os estudos sobre processos e aplicações da tecnologia. “Trabalhando diretamente com digestão anaeróbia, reconheço a importância de me manter atualizada sobre as melhores práticas e inovações tecnológicas nesse campo. Este curso me permitirá aprofundar minha compreensão dos processos, dos aspectos técnicos e das aplicações dessa tecnologia, o que certamente refletirá em uma maior eficiência e qualidade no meu trabalho”, aponta.
Segundo a pesquisadora, a expectativa é que o curso promova conhecimento, parcerias e colaborações, bem como oportunidade de avançar em sua formação e ajudar outras mulheres pesquisadoras. “Como mulher, minha trajetória é marcada pela busca constante de superação e de quebra de barreiras, e cada conquista que alcanço é, na verdade, um reflexo da possibilidade de outras mulheres também atingirem seus objetivos”, reforça.
Ao refletir sobre a oportunidade, Surama Hualde ainda compartilha: “Quando uma mãe/mulher ocupa um espaço, ela não só se fortalece, mas também contribui para que outras mulheres vejam que seus sonhos são alcançáveis. Esse impacto não se limita à minha jornada individual, mas se estende à criação de um ambiente mais inclusivo e inspirador, onde mais mulheres possam se ver representadas e encorajadas a seguir suas próprias trajetórias na ciência e na academia.”
Sobre o curso
A organização do AnaeroLat 2025 informou que a realização do curso conta com financiamento de UNU-BIOLAC – Programa de Biotecnologia Universitária das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, uma organização não governamental e Caracas, Venezuela, o que permite oferece um número de bolsas de transporte e hospedagem para estudantes da América Latina e do Caribe.
“Devido à alta demanda, priorizamos garantir a representação de diversos países e grupos de pesquisa. Por esse motivo, do Brasil teremos apenas dois estudantes: Surama, da Universidade Federal de Alfenas, e um estudante da Universidade de São Paulo”, explicou via e-mail.
O curso contará com aulas teóricas e práticas sobre temas como: Extração de DNA para anaeróbio: amostras complexas; Avaliação de um biocida epóxi usado para controlar a biocorrosão de processo em tanques de armazenamento de petróleo bruto; Enriquecimentos usando diferentes metodologias de anaerobiose; Diversidade microbiana de áreas geotérmicas; Degradação antropogênica (poluentes e biorremediação por anaeróbio microorganismos) e Crescimento anaeróbico de arqueias metanogênicas.
A pesquisadora de pós-doutorado do PPGCA da UNIFAL-MG, Bruna Zampieri, também participará do curso como convidada para ministrar uma das unidades curriculares programadas para a semana.