Para fomentar o debate público sobre a redução da jornada de trabalho sem redução de salário no Brasil, o acadêmico Guilherme Carvalho Barboza Elias abordou o tema em sua pesquisa de mestrado, desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Sociedade (PPGPS) da UNIFAL-MG.
Orientado pelo professor Dimitri Augusto da Cunha Toledo, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), o autor analisou os impactos e a viabilidade para uma nova redução de jornada, mostrando possibilidades e obstáculos para a efetivação com base científica.
“Procuramos verificar, diante de metodologias variadas, se uma nova redução da jornada seria um fato que iria influenciar as seguintes variáveis: meio para se atenuar o desemprego; meio para se reduzir problemas de saúde física e psíquica; meio para se reduzir acidentes, absenteísmo e o dano existencial; meio para se proporcionar o acesso à qualificação, lazer e cultura”, relata Guilherme Elias.
Feita a pesquisa intitulada “Redução da jornada de trabalho sem redução de salário: reflexões e perspectivas em um mundo flexível”, o autor e orientador concluíram pela viabilidade efetiva de uma nova redução de jornada no país, considerando as dimensões política, social e econômica.
“Redução da jornada como uma nova conquista civilizatória”
De acordo com o pesquisador, os resultados do estudo mostram que a redução de jornada seria uma nova conquista civilizatória. “Os argumentos da grande maioria dos sindicatos de categoria econômica, associações e empresários em geral sempre foram por demais frágeis em relação aos incalculáveis benefícios que uma nova redução de jornada poderia proporcionar”, diz.
Guilherme Elias afirma que a pesquisa possibilitou chamar a atenção para o fato de que o debate público anterior, feito em meados de 2008 e que contou com ampla mobilização da classe trabalhadora, mas também da classe empresarial, junto ao Congresso Nacional, não se restringia à questão da geração ou não de empregos, unicamente. “Esse fator foi praticamente determinante a pesar na decisão do Congresso de aprovar ou não os projetos de lei de redução de jornada, aliado à questão da produtividade do brasileiro ser inferior à produtividade de trabalhadores de outros países”, explica.
Motivado por questionamentos sobre a produtividade do trabalhador brasileiro, o pesquisador identificou ser um tema complexo e que passa também pela qualificação profissional, pelo acesso à educação, pelo acesso a bens materiais e imateriais e pelo sistema de organização laboral de uma dada organização. “Discutimos essa questão na dissertação e chegamos também à conclusão de que há um movimento no mundo de trabalho de flexibilização total das relações de trabalho e um certo neocolonialismo, expresso na exploração do trabalhador dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos pelos países desenvolvidos”, revela.
Segundo o autor, as jornadas mais longas e intensas estão presentes na América Latina, Ásia e África, enquanto os países desenvolvidos possuem jornadas mais alinhadas às recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de a jornada ser de 40h semanais ou menos. “O problema passa pelas políticas neoliberais, pelo desemprego estrutural, pela flexibilização total das relações trabalhistas e pelo modo de acúmulo do capital atual”, pontua. “Trata-se de uma batalha importante entre o capital e o trabalho.”
Outro resultado aborda a questão se a redução de jornada vai ou não gerar empregos, o que para o pesquisador é secundária diante dos inúmeros benefícios que pode proporcionar. “Esse deve ser o mote do debate público: um novo avanço civilizatório, pôr em prática real a aplicação dos direitos sociais previstos constitucionalmente”, destaca.
Procedimentos metodológicos
O estudo foi dividido em duas partes: uma teórica, dedicada ao debate sobre o tema da redução da jornada sem redução de salário, sua conceitualização, contextualização histórica e contemporânea, desenvolvimento e aprofundamento do assunto e uma segunda parte dedicada à análise de variáveis-chave selecionadas por meio de revisão da literatura.
A investigação da viabilidade de uma nova redução de jornada no Brasil se deu por meio de uma revisão bibliográfica sistemática, do tipo revisão integrativa, considerando as variáveis-chave: dano existencial, absenteísmo, acidentes do trabalho, saúde física e psíquica, educação e lazer.
“A partir do problema de pesquisa, foram selecionados mecanismos de busca acadêmica na internet, bem como bibliografias que se relacionassem intimamente com o tema da redução de jornada sem redução de salários”, conta Guilherme Elias. O problema de pesquisa foi como analisar a discussão sobre redução de jornada sem redução de salário no contexto da acumulação flexível do capital, a partir da perspectiva de diversos atores sociais, a fim de subsidiar debates públicos, legislações e políticas públicas afins ao tema.
Resultados
A conclusão de que uma nova redução de jornada é viável no Brasil se deu a partir da análise dos aspectos políticos, sociais e econômicos. A respeito da viabilidade política, Guilherme Elias cita os projetos de lei que tramitam sobre o tema no Congresso. “Há inúmeros agentes políticos e da sociedade civil interessados em sua aprovação”, afirma.
O pesquisador menciona que, historicamente, a maioria das centrais sindicais de categoria profissional é favorável e trava luta permanente pela medida. “Em 1988, a grande maioria da sociedade queria uma jornada semanal de 40h, segundo pesquisa feita à época; além disso, debates públicos inúmeros já foram realizados, visando a inserção dessa questão na agenda pública nacional, então, a nosso ver, ela está madura suficiente para convencer a todos da sua importância e necessidade”, argumenta.
A viabilidade social é apontada como algo de interesse da sociedade pelo pesquisador, uma vez que a classe trabalhadora deseja resgatar seu tempo para lazer e educação, além de querer cuidar da saúde física e psíquica, evitar acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, reduzir o grau de absenteísmo e não cair no que ele chama de dano existencial. “Dano existencial é você ter de ficar em um mesmo emprego precário e estressante por toda a vida e ver seus sonhos profissionais e pessoais tolhidos em razão de não ter tempo para se qualificar ou buscar novas formas de se viver”, explica.
O estudo mostrou, também, que os próprios empresários estão cada vez mais propensos a aderirem às ideias de redução, tendo em vista as inúmeras e recentes experiências de sucesso da semana de quatro dias no mundo todo, inicialmente feita nos países desenvolvidos, mas que tem alcançado diversos países. Somado a isso, o relativo aumento da produtividade e da felicidade dos trabalhadores, em face da experiência em países que mantêm as 40h semanais ou menos, recomendado pela OIT.
“O Brasil já estaria pronto para uma nova redução da jornada, já que isso traria benefícios econômicos”, diz Guilherme Elias. Segundo o pesquisador, entre os benefícios estariam a ligeira redução do desemprego, se atrelado a outros procedimentos, como o fomento do comércio com atividades ligadas ao lazer, à educação, à saúde, à educação, já que as pessoas passam a consumir mais e diferentes bens. Além disso, também haveria aumento da produtividade com possível redução de doenças e acidentes de trabalho, assim como o absenteísmo laboral.
No que diz respeito aos benefícios sociais e novas concepções de vida, o pesquisador argumenta que a redução da nova jornada ressignificaria o tempo de trabalho e de não trabalho na sociedade brasileira. “Isso afastaria a concepção utilitarista e ideológica do trabalho em excesso como mote de vida, lembrando que a busca pela redução da jornada não é uma apologia do ócio, embora este possa ser desfrutado no tempo ganho”, comenta.
Já a viabilidade econômica é confirmada no estudo, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). “Segundo o DIEESE, uma redução de jornada ensejaria um aumento no custo de produção das empresas de somente 1,99%, segundo cálculo feito em 2008 pelo órgão”, reforça.
O estudo completo pode ser conferido na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações neste link.