O sistema prisional brasileiro enfrenta, historicamente, uma série de desafios estruturais: superlotação, condições insalubres e violação de direitos fundamentais não compreendidos na sentença penal condenatória. Nesse contexto, destaca-se a questão da saúde dos detentos, que é, em regra, negligenciada, o que reflete a realidade também vivida pelos não cativos.
A Constituição Federal, em seu artigo 196, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Esse direito se aplica às pessoas privadas de liberdade, e as políticas públicas de saúde no contexto carcerário surgem como mecanismos essenciais para garantir o acesso a cuidados básicos e especializados, promovendo a dignidade humana e contribuindo para a redução das desigualdades dentro do sistema prisional.
Este artigo analisa a importância das políticas públicas de saúde no ambiente carcerário, ressaltando sua relevância não apenas para os detentos, mas também para a sociedade em geral, já que o cuidado adequado com a saúde dos presos impacta positivamente o sistema de saúde pública e, consequentemente, a segurança da população.
A população carcerária é composta, em sua maioria, por pessoas com baixa escolaridade, histórico de desemprego e condições de vida precárias antes do encarceramento. Esse perfil socioeconômico faz com que muitos presos cheguem ao sistema prisional já com problemas de saúde, os quais tendem a se agravar pela falta de acesso a cuidados médicos de qualidade.
No Brasil, a saúde no sistema prisional é garantida pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Essa política busca assegurar aos presos atendimento de saúde dentro do próprio estabelecimento prisional, de forma integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS). A PNAISP é um marco importante no reconhecimento da necessidade de uma abordagem mais humana e eficiente em relação à saúde no cárcere, com diretrizes que visam promover a universalidade, integralidade e equidade no acesso aos serviços de saúde.
Embora a PNAISP represente um avanço significativo na garantia do direito à saúde das pessoas privadas de liberdade, sua implementação enfrenta obstáculos práticos. A superlotação dos presídios é um dos principais dificultadores. Em um ambiente com um número excessivo de presos, é difícil garantir a individualização dos tratamentos e o acompanhamento médico contínuo.
Outro problema está relacionado à falta de infraestrutura nas unidades prisionais. Poucos presídios brasileiros possuem enfermarias ou ambulatórios com condições adequadas para a instalação ou utilização efetiva de equipamentos médicos. Além disso, a escassez de profissionais de saúde dispostos a atuar no ambiente carcerário agrava ainda mais essa situação.
Há também dificuldades na articulação entre as unidades prisionais e os serviços de saúde externos. Muitas vezes, o sistema carcerário não dispõe de pessoal ou veículos adequados para o transporte de presos até hospitais e clínicas, o que torna o acesso a tratamentos especializados, como consultas com médicos especialistas ou a realização de exames mais complexos, extremamente difícil.
É essencial mencionar que a precariedade das condições de saúde no sistema carcerário tem impacto direto na qualidade de vida dos presos e nas taxas de mortalidade dentro das prisões. Doenças infecciosas, como tuberculose, HIV e hepatites virais, são comuns na população carcerária. Essas doenças não afetam apenas os detentos, mas também podem ser transmitidas para os agentes penitenciários e, em uma visão mais ampla, para a população em geral, uma vez que, ao cumprirem suas penas em liberdade ou no regime semiaberto, os condenados tendem a se tornar vetores dessas patologias fora dos presídios.
Além das doenças transmissíveis, há um grande número de detentos que sofrem com problemas de saúde mental. O encarceramento pode deflagrar e agravar transtornos psicológicos e psiquiátricos, em especial devido ao isolamento social, às condições insalubres de vida e à violência que permeia o ambiente prisional. A falta de assistência psicológica e psiquiátrica dentro dos presídios resulta em altos índices de suicídio, automutilação e violência sistêmica entre os presos, evidenciando a urgência de políticas públicas voltadas também para a saúde mental no sistema carcerário.
Outro aspecto relevante é a reincidência criminal, que pode ser agravada pela falta de cuidados com a saúde. Um preso que não recebe tratamento adequado para seus problemas de saúde, físicos ou mentais, tende a ter maior dificuldade de reintegração social, o que aumenta as chances de reincidência após o cumprimento da pena. Portanto, garantir o acesso à saúde no sistema prisional também é uma forma de contribuir para a redução da reincidência, otimizando as políticas de segurança pública.
As políticas públicas de saúde no sistema prisional têm papel central na promoção da dignidade humana e no processo de ressocialização. A garantia de cuidados médicos promove condições adequadas de saúde física e mental, permitindo a reintegração à sociedade daqueles que cumpriram suas penas judicialmente impostas.
O acesso à saúde de qualidade também pode influenciar a percepção dos presos sobre o sistema de justiça. Quando um detento percebe que o Estado está preocupado com sua saúde e bem-estar, ainda que ele esteja privado de sua liberdade, há maior chance de desenvolver uma postura mais positiva em relação ao cumprimento das normas sociais e legais, percebendo um equilíbrio entre crime e castigo.
Além disso, a presença de políticas públicas de saúde preventiva dentro dos presídios possibilita a identificação precoce de patologias que poderiam evoluir para quadros mais graves, beneficiando tanto os detentos quanto os profissionais que trabalham no ambiente prisional.
Portanto, observa-se que a saúde no sistema carcerário é uma questão multifacetada de extrema importância, abrangendo direitos humanos, segurança pública, prevenção de doenças e ressocialização dos condenados.
Contudo, para que essas políticas sejam eficazes, é necessário enfrentar os desafios estruturais do sistema prisional, como a superlotação, a falta de infraestrutura e a carência de profissionais de saúde. Além disso, é fundamental que o Estado, em conjunto com a sociedade civil, se comprometa com a implementação de políticas de ressocialização que incluam a saúde como elemento central, visando à integração dos presos a uma sociedade mais justa e segura para todos.
Referência Bibliográfica
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Renato Rezende Neto é professor de Direito no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG, campus Varginha. Mestre em Administração Pública, Especialista em Direito Penal e Direito Médico e Saúde, e Oficial da Reserva do Exército Brasileiro (R2). Temas de interesse: Direito, Filosofia, Política, Administração Pública.
Waldir Severiano de Medeiros Júnior é pós-doutorando em Direito e Justiça (FDUFMG). Mestre e Doutor em Direito e Justiça (FDUFMG). Professor colaborador de Direito no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UNIFAL-MG. Consultor Jurídico (OAB-MG 216.370). Temas de interesse: Direito, Filosofia, Política e Administração Pública.